Tempo de despertar, por Henrique Fontana

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Tempo de despertar

por Henrique Fontana

A democracia precisa vencer

Em que momento nossa sociedade passou a tolerar que uma jovem de 19 anos seja agredida na rua e tenha seu corpo marcado com uma suástica nazista, feita com canivete, apenas por levar um adesivo LGBT com os dizeres “Ele Não”?

Quando passou a ser normal um candidato à presidência do país defender a tortura, justificar o assassinato de adversários políticos, propor a redução de direitos de mulheres, crianças e adolescentes, anunciar a repressão a manifestantes, incentivar o preconceito contra homossexuais, e demonstrar desprezo a negros e índios?

Será que, como disse Hannah Arendt, “a ‘banalidade do mal’ é justamente o mal se apresentando na total e absoluta ausência de pensar”? Ou será uma escolha racional decorrente de uma consciência falsificada por anos de incentivo à intolerância e à criminalização da esquerda e dos movimentos sociais?

Nunca antes o ódio, a violência, a intolerância, o fanatismo religioso, a ganância financeira e o reacionarismo extremo estiveram tão perfeitamente personificados e politicamente representados na história republicana do país como estão hoje na candidatura de Bolsonaro e no conjunto de forças e indivíduos que o apoiam. O golpe civil-militar de 1964 lançou a violência objetiva do Estado sobre correntes ideológicas do campo progressista democrático e da esquerda no contexto da Guerra Fria, e o regime reprimiu, perseguiu, prendeu, torturou e matou os que consideravam uma ameaça “comunista”, os que lutavam por democracia, quem estava no caminho dos objetivos, ou os que simplesmente pensavam diferente. E com ele perdemos quase duas mil vidas, direta ou indiretamente – sindicalistas, índios, camponeses, estudantes –, 434 deles militantes de movimentos políticos. Não é uma violência menor do que poderemos vir a viver, é hedionda, mas qualitativamente diferente.

A amplitude desumanizante atual, em todas suas dimensões de violências políticas e sociais, e que reúne toda a sorte de desiquilibrados, grupos de extermínio, saudosos da ditadura, fanáticos religiosos, extremistas de direita, neonazistas, racistas, machistas, homofóbicos, nos coloca diante de algo ainda maior e mais inquietante, o risco da barbárie como jamais ousamos imaginar. Ou seja, da banalidade da violência institucionalizada e também incentivada fora das estruturas e do domínio de um Estado tipicamente autoritário. Uma evidência importante, em matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo sobre monitoramento de redes realizado pala FGV/DAPP, que informa que durante o período eleitoral foram registrados 2,7 milhões de tuítes relacionados a casos de violência política e de ódio às minorias, sendo que, nos quatro dias após as eleições, foram registrados 1,1 milhão de tuítes. O assassinato do mestre de capoeira, Romualdo Rosário da Costa, conhecido como Moa do Katendê, eleitor de Haddad, por um apoiador de Bolsonaro, ilustra tristemente esta estatística.

O transe que vive parte da sociedade brasileira, que opta por um Estado de violência, é resultado da construção meticulosa, nos últimos anos, de ódios contra a esquerda, governos do PT, direitos humanos, distribuição de renda, e quaisquer outros temas que incomodassem tanto o mercado, quanto uma oligarquia econômica nacional, politicamente atrasada e parasitária. E claro, nos próprios erros do PT, dos seus governos e da ausência de controles adequados às estruturas estatais. Mas o festejado e necessário enfrentamento à corrupção revelou-se também um poderoso instrumento de perseguição política, deturpado totalmente do seu objetivo inicial. Assim, ancorados em uma narrativa criminalizante, promovida pela mídia oligopolizada, e em ações de exceção do judiciário brasileiro, incentivaram a intolerância que justificou tanto o impeachment fraudulento de Dilma Rousseff, quanto a prisão sem crime e arbitrária de Lula.

E desaguaram em uma escalada de violência que levou à intervenção militar no Rio de Janeiro, ao assassinato de Marielle, aos tiros contra a caravana de Lula, as chibatadas de fazendeiros contra simpatizantes do ex-presidente, às agressões cotidianas, verbais e físicas, sofridas por quem se identifica politicamente com a esquerda.

Agora, sob o manto de uma democracia formal se esconde a nova face do golpe de 2016, que em um primeiro movimento realizou o ajuste temporal da economia e da política brasileira à nova fase de acumulação capitalista e aos interesses do mercado financeiro global, impondo a alteração dos resultados derivados da eleição para a aplicação violenta e antidemocrática do programa de ajuste fiscal e austeridade, reformas previdenciária e trabalhista, privatizações e supressão de direitos, por fora da democracia e por cima do Estado. E hoje, diante do risco de derrota, opta por iniciar uma fase repressiva mais extrema e brutal, como apontam os dados positivos do mercado e da Bolsa de Valores a cada vez que ouvem o nome de Bolsonaro. A Bolsa sobe, o dólar cai, mas a vida parece não valer muito.

O ponto é que, o que está em jogo, não é mais quem vai ganhar as eleições para presidência do Brasil, mas quem não pode vencê-la. Se não vivemos uma guerra, também não estamos em paz. Portanto, não se trata de votar em Haddad, ou de dizer não a Bolsonaro, mas de interromper a marcha da insensatez, da irracionalidade desumana, e de sabermos que sociedade queremos para o futuro.

Se agora tudo parece mais difícil, nos resta a certeza de que estamos juntos e que temos tempo para mudar, e que deste encontro pode surgir a força necessária para transformar pessimismo conformado em indignação ativa, racionalismo paralisante em atitude corajosa, cansaço justificado em energia renovada, impotência aparente em ousadia para vencer. O arrependimento é um sentimento que sempre chega atrasado. Pois, “dos nossos medos nascem nossas coragens e em nossas dúvidas vivem nossas certezas”, como escreveu Eduardo Galeano.

Estamos desafiados a (re)agir em nosso próprio tempo, e como tantas vezes cantamos, “esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Então, esta é a nossa hora, o tempo exige de cada um o seu melhor, a sua maneira. É tempo de despertar, porque não é apenas possível vencer, mas é também uma emergência da democracia e da paz para o Brasil. Precisamos eleger Haddad presidente.

Henrique Fontana, deputado federal (PT-RS)

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. Sabe quando o adulto diz para

    Sabe quando o adulto diz para a criança pequena não chegar perto do fogão, pois pode se queimar? Algumas ouvem, outras não. A mãe pode dizer uma, duas, dez vezes, pode brigar, pode alertar, até que um dia acontece o resultado previsível: a criança se queima. E essa lição então é finalmente aprendida.

    O Brasil está assim. Não adianta o mundo inteiro alertar para os perigos de eleger Bolsonaro. Não adianta os intelectuais e mesmo os que não costumam votar no PT, alertarem sobre o “mito”. O povo brasileiro só vai aprender quando se “queimar”.

    E isso não é exclusividade nossa. Os alemães deram ouvidos aos alertas sobre Hitler? Na verdade, eles só se tocaram que fizeram uma péssima escolha quando as bombas aliadas começaram a arrasar as cidades alemãs, perto do fim da guerra.

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