Terapia para todos, por Mariana Nassif

Terapia para todos, por Mariana Nassif

Terapia qualificada, vale indicar.

Todos e cada um de nós temos nossas questões profundas e problemáticas que, em determinado ponto da vida latejam –  e este ponto, na minha opinião, é variável descontrolada, ou seja, pode acontecer a qualquer momento, promovendo o que socialmente alguns chamam de surto ou fase ruim mas que, em inúmeros casos, podem ser apenas nós não desfeitos que estão ali, embaralhando o restante da caminhada.

A terapia bem feita, aproveitada e porfim aceita tem a função de auxiliar este desfazer de nós e recomeçar a construir laços benéficos, porque não conheço ninguém em sã consciência que viva mal e ache que está tudo bem. Conheço sim gente que coloca a culpa e a responsabilidade de sua sofrência nos outros, e esta é também parte de um processo que, em terapia, pode ser acolhido e cuidado, porque eventualmente alguns episódios são mesmo desencadeados por processos em grupo, e especialmente em família, essa potente instituição que tem séculos de duração e de formato questionado e questionável. Realmente chega uma hora em que é preciso deixar o que o pai fez, o que a mãe falou, o que o marido e a esposa fizeram nas mãos de cada um e tomar as rédeas do nosso próprio cavalo para seguir.

Em “A morte da família”, David Cooper afirma: “O problema não é o de “resolver” estas angústias, mas utilizá-las lucidamente para desnutrir uma situação persecutória real e objetiva, na qual o indivíduo pode estar enredado desde antes mesmo do princípio de sua existência”.

Lucidez. Um dos caminhos mais prósperos para encontrar essa lucidez é a troca terapêutica. “Ah, mas eu tenho amigos”. E amigos têm suas experiências, suas dores e dissabores e nem sempre estão num bom momento para opinar de forma consistente e neutra, como orientação a passos firmes como um terapeuta e, enfim, podem ser apenas adubo do monte de merda que a gente vem fazendo com as próprias dores.

Além da lucidez, a terapia liberta. Não só a nós mesmos, mas àqueles a quem atribuímos a falta de qualidade de vida que andamos imprimindo por aqui com nossa infelicidade. Veja bem, não estou falando que outras pessoas não podem ser responsáveis por nossos sofrimentos – uma ferida pode sim ter origem num outro, mas quem vai cuidar dela é única e exclusivamente quem está machucado. Os outros, meu bem, estão preocupados demais com a própria vida para se sentirem parte integrante de uma fábula de dores misturadas entre a infância mal resolvida e a adolescência de fugas: estão, a seu modo, tentando lidar com a própria maturidade, o caminho tortuoso do amadurecimento. E, se não estiverem, tampouco devemos nós, estes que escolhemos lidar com nossa caminhada nessa direção, continuarmos ocupados em abrir-lhes os olhos, porque, no mínimo, ai que preguiça e que desgaste de energia é tentar arrumar o outro para que este arrume a minha vida. Um equívoco já cometido por aqui e, acredito, por enorme parte dos seres comuns e que só faz consumir energia preciosa que poderia estar sendo usada para, veja bem, desenvolver-se individualmente.

Parece egoísmo e é. Dizem os psicólogos modernos, estes mais atuais e que passam longe das máximas de que o sofrimento deve ser ignorado e substituído por frases de elevação que não dão conta de nossa mente complexa além de poucos minutos de sensação de estar em meditação mindfulness, que uma pessoa bem cuidada consegue contribuir com maior eficácia com o todo. A tal da história de colocar a máscara de oxigênio antes em si e depois no outro, mesmo que o outro seja seu ser mais amado, um filho, por exemplo – porque só cuidando da gente é que podemos ofertar cuidado ao entorno e, fator alarmante, seguimos cada vez mais imersos numa sociedade que acha bonito apontar, apontar e apontar – sem nada de introspecção, alteração e auto-análise. 

Mariana A. Nassif

3 Comentários

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  1. Na boa, menina… Agora que o

    Na boa, menina… Agora que o Brasil foi transformado num manicômio governado com mão de ferro por uma dupla de militares malucos, ninguém mais precisa de terapia. Os que não morrerem de fome, morrerão nas mãos da polícia. Os que conseguirem sobreviver vão se entupir de cocaína e de bebida alcoolica (situação) ou serão entupidos de psicotrópicos nas prisões (oposição). Na era bolsonariana a terapia virou uma coisa retrô, entende? 

  2. Principalmente para os bolsonaristas

    Não escuta o Fabio, Mariana, ele é um adoravel cinico 🙂 Acho que foi Lacan que escreveu que apenas os canalhas nunca entraram no seu gabiniete. Esses estimam que não são ruins, maus, mediocres, egoistas, etc. Os outros é que são “invejosos” e chatos. Mas que nunca vamos precisar de força. 

  3. Ah…

    … conheço pessoas que entraram na coisa das terapias e das pílulas em momentos em que não puderam aguentar a falta de democracia em tempos democráticos (final do governo Lula, início da Dilma). Afinal, da vida política há a rua, a esquina, o trabalho…

    Não havia delírio, mas uma profunda ansiedade, num deitar que nunca se acabava.

    Um deles me disse, aos poucos entrando em prantos: “Sonhei que eu corria à noite, atiravam em mim, eu batia em portas, ninguém abria”. 

    Uma Cassandra.

    Mas como são as coisas. Depois da eleição do Bolsonaro, houve também um envergonhado que reconheceu: “Tivéssemos cuidado da liberdade, teríamos cuidado dele.”

     

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