Todas as fichas de Bolsonaro numa receita que há 40 anos concentra renda, por André Barrocal

No Brasil, é um primor a obra do neo-liberalismo ressuscitado por Dilma com Levy, e que foi aplicado em doses crescentes por Temer e Meirelles, e agora por Bolsonaro e Guedes. O PIB cresceu 0,5% em 2014, encolheu 3% em 2015; avançou 1% em 2017 e 2018

Foto: Agência Brasil

Por André Barrocal

Na CartaCapital

Apesar dos resultados pífios, governo dobra aposta no neoliberalismo

A economia expandiu-se 0,4% do primeiro para o segundo trimestre de 2018, acaba de informar o IBGE. Surpreende a crescente impaciência popular com Jair Bolsonaro? Em agosto, 39% achavam o governo ruim ou péssimo e 29%, bom ou ótimo, diz nova pesquisa CNT/MDA. Um descolamento entre as duas posições, empatadas ali por 30% desde abril. Na baixa renda, aquelas que ganham até dois salários mínimos, é pior para o governo, 48% de ruim ou péssimo. A esperança desaparece aos poucos. O otimismo quanto ao aumento da renda caiu de 33% em fevereiro para 28%. Idem com a criação de postos de trabalho, queda de 51% para 36%. Com Paulo Guedes no Ministério da Economia, 600 mil pessoas perderam o emprego até junho, outras 200 mil desistiram de procurar. Metade dos trabalhadores teme demissão. Mais gente acha o desempenho econômico do atual governo pior (28%) do que acha melhor que os anteriores (23%).

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O Conselho Federal de Economia apela por uma agenda mínima pró-crescimento e desenvolvimento, com o investimento público no centro. Apoio à construção civil, através de obras de infraestrutura, e ao comércio. São áreas com potencial para dar trabalho e salário a quem mais precisa, os sem qualificação. Na classe E, o desemprego vai pelos 30% e, na D, por 17% (o geral é de 12%), estima o Bradesco. “Nenhum empresário vai investir sabendo que não há quem compre. A política econômica está tão destrambelhada que a única salvação possível, se é que há, tem de pensar no cenário externo, é repor alguns conceitos básicos. O que faz qualquer nação do mundo quando está em recessão? Aumenta o investimento público, o investimento em infraestrutura”, diz Wellington Leonardo da Silva, presidente do Conselho. “Você não vai sair dessa armadilha do neoliberalismo extremo do Paulo Guedes sem retomar alguns conceitos básicos da economia.”

Esse neoliberalismo acaba de levar a Argentina a se ajoelhar diante do Fundo Monetário Internacional. Depois de arrancar 57 bilhões de dólares para não quebrar, Mauricio Macri declarou moratória e pediu ao FMI novos prazos para pagar dívidas de curto prazo. “O governo (brasileiro) aposta num liberalismo econômico que ninguém mais no mundo defende, com privatizações, abertura comercial”, afirma o deputado Marcelo Ramos, do PL do Amazonas, que comandou a comissão da reforma das aposentadorias. “O Paulo Guedes faz tudo pelo sistema financeiro, que está matando a indústria. É um fanfarrão.” Uma palavra capaz de definir o sentimento, em relação ao ministro, da economista-chefe de uma dessas empresas do sistema financeiro por quem Guedes se guia, Zeina Latif, da XP. Em uma reunião em 16 de agosto, em São Paulo, ela estava preocupada. A economia patina, o governo ficará sem dinheiro e Guedes fala, fala, fala feito Bolsonaro, e só.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o secretário de Política Econômica de Guedes, Adolfo Sachsida, dois liberais radicais, já admitiram, de forma meio tortuosa, que o gasto público pesa mais na economia do que supunham. E Guedes? Dobra a aposta neoliberal. Acaba de dizer em um evento que sua fórmula para crescer é “vender, vender e vender” estatais. E seguir com as reformas. Para um economista brasileiro professor na Universidade de Londres, Guedes é dono de um “autoritarismo econômico e de ‘mercado’”. Para a delegação ao “mercado” dar certo, diz Alfredo Saad Filho, “é preciso autoritarismo político: sem repressão, o ‘mercado’ não funciona”. É assim surge a simbiose Guedes-Bolsonaro na atual fase mundial do neoliberalismo, a autoritária.

Membro de um departamento especializado em Ásia, África e Oriente Médio, Saad Filho deu uma palestra na Universidade de Brasília (UnB) no dia em que Guedes anunciou o pacote de venda de 17 estatais, 21 de agosto. E o que expôs mostra que só por milagre a população vai melhorar de vida com a atual política econômica. “O capitalismo global conseguiu tudo o que queria”, disse. Fim da União Soviética (uma alternativa de modelo econômico) e dos movimentos de libertação nacional em países asiáticos e africanos, um inédito livre fluxo de capital, sindicatos enfraquecidos. “E a economia não avança. Vemos a mais lenta recuperação depois de uma crise, baixo crescimento e aumento das desigualdades.” Desde a crise financeira global de 2008, a economia mundial anda com a roda presa. De 2009 a 2011, cresceu 2,8%, em média, conforme o FMI. Depois disso, passou a girar em 3%, 3,5%. Para este ano, o Fundo projeta 3,2%.

Não significa que todo mundo esteja infeliz. Os 10% mais ricos, diz Saad Filho, embolsaram toda a expansão econômica nos Estados Unidos entre 2009 e 2013. Resultado: concentração de renda. Foi por isso que o neoliberalismo entrou em fase “autoritária” pós-2008. Para sobreviver. As pessoas perceberam que os bancos se salvaram, e com custo alto para os cofres públicos, enquanto a maioria ficou ao léu. A sobrevivência do receituário passou a depender de líderes extremistas, que pareciam outra coisa. Donald Trump elegeu-se nos Estados Unidos com discurso xenófobo e dirigido aos trabalhadores que queriam de volta empregos perdidos para chineses e imigrantes, mas logo em seu primeiro ano na Casa Branca baixou um pacote pró-ricos com corte de impostos. Bolsonaro triunfou a falar de banditismo, corrupção, gays, direitos femininos, e nada de economia. Aí era com o “Posto Ipiranga”.

Guedes é um Chicago Boy, admirador da experiência neoliberal inaugural no mundo, no Chile da ditadura de Augusto Pinochet nascida em 1973. Aí começava a primeira fase do neoliberalismo, a da “transição”, segundo Saad Filho. O Estado sairia de cena e deixaria o setor privado seguir os instintos. Por razões simbólicas, Bolsonaro escolheu o Chile como primeiro país sul-americano a ser visitado, não a Argentina, como determina a tradição com mandatários brasileiros novos no cargo. A viagem de março acaba de ser retribuída por Sebastián Piñera. Brasil e Chile são medalhas de prata e bronze em concentração de renda no 1% mais rico. Aqui, o 1% embolsa 28% da renda. Lá, 23%. O ouro é do Catar (29%). Dados do último Relatório da Desigualdade Global, feito na Escola de Economia de Paris por uma equipe chefiada por Thomas Piketty, o autor mais vendido da história da economia com O Capital no Século XXI, de 2014.

A política econômica dos Chicago Boys testada no Chile ganhou impulso global com a chegada ao poder de Margaret Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, em 1980. Para a dupla, era preciso deixar os de cima enriquecerem que os de baixo tirariam proveito, bastava ter paciência. A segunda fase do neoliberalismo, a “madura”, começa nos anos 1990, diz Saad Filho, com governos dispostos a moderar os efeitos sociais negativos da implantação selvagem do neoliberalismo, mas sem abandoná-lo. O brasileiro Fernando Henrique Cardoso entra aí. Com ele, o Brasil parou de taxar lucros e dividendos, vendeu estatais, teve juros na lua. Os governos “maduros” não só praticaram o neoliberalismo: difundiram-no como ideologia. “Uma ideologia que valoriza o consumo acima de tudo, que coloca o mérito do sucesso e o peso do fracasso estritamente em cima do indivíduo”, afirma Saad Filho. “As falhas sistêmicas do neoliberalismo somem de vista, vira tudo problema de maus indivíduos.” Se o povo vai mal, ou o cidadão é incapaz ou os políticos são ladrões. O sistema econômico é inocente.

No Brasil, é um primor a obra do neo-liberalismo ressuscitado por Dilma Rousseff com Joaquim Levy no comando da economia, a partir do fim de 2014, e que foi aplicado em doses crescentes por Michel Temer e Henrique Meirelles, e agora por Bolsonaro e Guedes. O PIB cresceu 0,5% em 2014, encolheu mais de 3% em 2015 e outro tanto em 2016, avançou 1% em 2017 e 2018 e este ano segue em ritmo lento. Nesse período, o salário médio dos trabalhadores medido pelo IBGE não saiu do lugar. Variou de 2,2 mil a 2,3 mil mensais. A taxa de desemprego dobrou. Havia 6,5 milhões na rua em 2014 e 12,8 milhões em junho e agora. Os que desistiram de procurar vaga saltaram de 1,5 milhão de pessoas para o recorde de 4,9 milhões.

E os bancos e os milionários, diante desse quadro, descrito como “depressão” por dois economistas de linhas distintas, o heterodoxo João Sicsú, da UFRJ, diretor do Ipea no governo Lula, e o conservador Affonso Celso Pastore, da USP, presidente do Banco Central na ditadura? Esbaldam-se. Em 2015, os clientes de private banking, serviço de bancos a ricaços, tinham 6,4 milhões de reais cada um, em média, conforme a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Eram 109 mil pessoas. Em maio de 2019, eram 123 mil pessoas, cada uma com 9,3 milhões, em média, 45% a mais. Com base na Anbima, Fernando Nogueira da Costa, ex-diretor da Caixa Econômica Federal e professor da Unicamp, calcula em 31% o ganho patrimonial da “classe média alta” de 2015 a 2019. E perda de 20% da classe média baixa.

Bradesco, Itaú e Santander enchem a pança. Lucraram 41 bilhões de reais em 2014, 47 bilhões em 2015, 42 bilhões em 2016, 46 bilhões em 2017 e o recorde de 56 bilhões em 2018. E há novo recorde à vista, pois ganharam 32 bilhões no primeiro semestre de 2019. Seus executivos sorriem. Cândido Bracher, do Itaú, comentou no fim de julho que a situação do País é “tão boa quanto nunca vi na minha carreira”. Ah, é? Em janeiro, o “mercado” calculava em 2,5% o crescimento anual do PIB em 2019, 2020 e 2021. Agora estima 0,8%, 2,1% e 2,5%, respectivamente. Os patrões de Bracher certamente concordam com ele. Das dez maiores fortunas brasileiras em 2019, conforme a lista da Forbes, quatro são da família Moreira Salles, do Itaú, cada um com 3,1 bilhões de dólares.

A concentração de renda nos últimos tempos e seus efeitos perversos é realidade reconhecida até pelo establishment internacional, chegado a neoliberalismo e finanças. Há alguns dias, um ex-economista do Banco Mundial, o australiano Martin Ravallion, de 67 anos, disse ao El País ser preciso “apagar a ideia de que querer reduzir a desigualdade é coisa de comunista”. Em junho de 2018, a OCDE, clube de 35 países ricos ou simpatizantes, como EUA, os nórdicos, Japão e Israel, divulgou o relatório-pesquisa “Elevador Social Quebrado?” A resposta à pergunta estava no primeiro parágrafo: “Os dados mostram uma imagem nítida”. Os 10% mais ricos tinham 9,5 vezes a renda dos mais pobres nas nações da OCDE. Há 25 anos, tinham sete vezes. “A desigualdade de riqueza é ainda mais acentuada”, seguia o estudo. Os 10% mais ricos controlam metade e os 40% mais pobres, 3%. A crise mundial de 2008 reforçou a tendência concentradora, mas a desigualdade subia “mesmo durante os períodos mais altos da expansão econômica global antes de 2008”.

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Redação

6 Comentários

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  1. Eu acredito na política econômica de Guedes,o país estava pelo avesso, apesar de temer ter feito grande esforço na recuperação.Onde o pt entrou quebrou prefeitura, Estados e governo Central e todos órgãos dirigidos pela cúpula petista nao existe um petista que ocupou cargo de confiança que não está envolvido em má gestão.

  2. Acho muito injusto, uma covardia mesmo, o que falam da ex-presidente Dilma. Por circunstâncias que todos sabemos ou deveríamos saber, a elite (empresários, sistema financeiro, militares, judiciário, parlamento, ruralistas, e outros) se mobilizou para impedir que Dilma se reelegesse. Isso correu em 2013. A partir daí e certo e honesto reconhecer que Dilma perdeu as condições de governar. A sua reeleição apertada mostrou isso. Aécio não aceitou perder e o resto já sabemos. Levy foi uma imposição que Dilma jamais desejou. Tinha a sua volta figuras como Temer, Jucá, Padilha e Moreira. No se governo o Brasil ia muito bem. Entre outras coisas, o desemprego era de 4,8%, igual aos EUA, que considera esse número como pleno emprego.
    Temos, então, 5 anos e governo da elite golpista e, nesse período, o Brasil piorou fortemente. Não foi o PT ou Dilma os responsáveis por chegarmos nesse caos, foi a elite.

    1. Mas não foi no governo Dilma que a crise começou? O próprio artigo mostra isso:

      “O PIB cresceu 0,5% em 2014, encolheu mais de 3% em 2015 e outro tanto em 2016, avançou 1% em 2017 e 2018…”

      Por que a elite estaria interessada em provocar recessão, se com recessão ela perde?

  3. Neoliberalismo é coisa dos EUA de Reagan e da Inglaterra de Thatcher. Nunca existiu por aqui, onde neoliberalismo significa, meramente, o conjunto de medidas de austeridade que todo governo tem que tomar quando as despesas ultrapassam as receitas. Inclusive governos de esuqerda também se tornam “neoliberais” quando é preciso, caso da Argentina de Menem e do segundo mandato de Dilma.

    Invertendo causa e consequência, vocês apresentam o suposto neoliberalismo como a razão da crise.

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