Trump e Bolsonaro fazem a China “great again”, por Astrid Prange

Crescente isolamento dos dois presidentes contribui para a expansão do poder de Pequim. Preocupados com seus problemas nacionais, Brasil e EUA dependem cada vez mais da China para sobreviver economicamente.

Trump e Bolsonaro em jantar na Flórida em março de 2020

do Deutsche Welle

Trump e Bolsonaro fazem a China “great again”

por Astrid Prange

Caros brasileiros,

nunca imaginei chegar a este ponto: simpatizar mais com a China do que com os Estados Unidos. Afinal, a China é uma ditadura onde a liberdade de expressão e de religião não existem – com consequências nefastas para aqueles que se manifestem contra o regime.

Para evitar mal-entendidos: não é a ditadura chinesa que me encanta, mas a democracia nos Estados Unidos que me desencanta. Essa democracia permitiu que uma figura como Donald Trump chegasse ao poder. Essa democracia permite a disseminação de fake news, entre elas aquela de que a China seria responsável pelos problemas atuais nos Estados Unidos.

O coronavírus vem contribuindo decisivamente para piorar o relacionamento entre EUA e a China, o que resultou no fechamento de consulados de ambos os países nos últimos dias.

E o Brasil, querendo ou não, entrou no meio dessa disputa por supremacia, da qual, segundo especialistas, pode vir até a virar palco. É um jogo de poder no qual o Brasil só tende a perder.

Por enquanto, o “vírus da China” deixou como consequência para Pequim praticamente só a acusação do presidente Trump de que teria sido fabricado num laboratório chinês. Pois, ao contrário do cenário dos EUA, a economia chinesa, que no primeiro trimestre deste ano se contraiu em 6,8%, voltou a crescer. Segundo o Wall Street Journal, a taxa no segundo trimestre foi de 3,2%. Para o ano inteiro, estima-se uma taxa de 1,2%.

Nos Estados Unidos, em junho, o banco central, o Fed, previu uma retração da economia em torno de 6,5% e um aumento do desemprego para quase 10% neste ano. Para 2021, a taxa de crescimento é estimada em 5%, e o desemprego diminuiria para 6,5%.

Eu me pergunto: se o maior parceiro comercial do Brasil volta a crescer, por que o governo brasileiro insiste em comprar brigas com ele? Somente para se mostrar um aliado firme do presidente Trump? Qual seria a recompensa para essa estratégia?

Segundo relatos da imprensa brasileira, o chanceler Ernesto Araújo teria dito numa aula a alunos do Instituto Rio Branco que “o Brasil não vai vender sua alma para exportar minério de ferro e soja”. Eu me pergunto novamente: na crise econômica aguda pela qual o Brasil está passando, o que é mais importante: a alma ou o estômago?

Paradoxalmente, é Trump que estende o tapete vermelho para a China no mundo inteiro, especialmente no Brasil. Convidando as empresas americanas no exterior a repatriar os seus lucros sem pagar impostos. Promovendo uma reforma tributária que reduz o Imposto de Renda (IR) das empresas de 35% para 21%. E proibindo investimentos chineses nos EUA.

Tudo isso fez com que os investimentos americanos no Brasil diminuíssem, e o fluxo de dinheiro se redirecionasse para os EUA em detrimento de economias emergentes.

Segundo a pesquisadora Cláudia Trevisan, do Instituto de Política Externa da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade John Hopkins, os EUA ainda são o maior investidor no Brasil, mas a China, com um estoque de cerca de 80 bilhões de dólares, está chegando perto.

Somado a isso, há a aversão do governo Trump a acordos e organizações internacionais, que fez com que os Estados Unidos optassem por seguir a receita britânica da “splendid isolation” do século 19. Trump prefere resolver nacionalmente problemas globais, como o combate ao aquecimento global e a pesquisa por uma vacina contra o novo coronavírus, em vez de cooperar com a comunidade internacional.

Nessas circunstâncias, a China encontra terreno fértil para atuar no Brasil. E já pode comemorar uma vitória: o Brasil não fará qualquer restrição à empresa chinesa Huawei no leilão para a instalação da tecnologia 5G.

Segundo a linha oficial do Partido Comunista chinês, os EUA são uma potência decadente, que mobiliza os seus últimos recursos para inibir a ascensão da China rumo ao posto de número um do mundo. A meu ver, é o contrário: é o crescente isolamento de Trump e Bolsonaro que contribui para a expansão do poder político e econômico da China.

Os dois presidentes, submersos na crise do coronavírus e na perspectiva de recessão, estão cada vez mais preocupados com seus problemas nacionais. E cada vez mais dependendo da China para sobreviver economicamente. Afinal, depois do Japão, a China é o segundo maior credor dos EUA, e o maior parceiro comercial do Brasil. Trump e Bolsonaro estão fazendo a China “great again“.

Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.

Redação

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