Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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Ulisses, as sereias e os inimigos da democracia, por Jorge Alexandre Neves

Ulisses, as sereias e os inimigos da democracia

por Jorge Alexandre Neves

Conhecemos a história de Ulisses e as sereias, na Odisseia. Ele coloca cera nos ouvidos dos seus marinheiros para que não ouçam o canto das sereias e pede para ser amarrado ao mastro do navio e deixado com os ouvidos abertos para poder ouvir o tal canto. A ordem era para que em nenhuma circunstância os marinheiros o desamarrassem.

Jon Elster, cientista social norueguês, utilizou o episódio mitológico de Ulisses e as sereias para realçar certas situações nas quais a ação racional do ser humano pode advir de escolhas que pareçam irracionais. 
No caso em tela, trata-se de situação na qual pode ser racional o indivíduo optar pela contenção do seu próprio desejo.

Uma situação clássica da analogia feita por Elster é a relação entre capitalismo e democracia. 
Os princípios democráticos têm potencial de reduzir a desigualdade de poder entre os cidadãos. Independentemente do nível de renda, cada cidadão tem direito a um voto. É claro que há mecanismos que reduzem esse potencial, como o financiamento privado de campanhas, mas que não anulam o efeito nivelador da democracia.

A chamada “era de ouro” do capitalismo ocidental (do fim da segunda guerra mundial até a década de 1970) se deu quando os capitalistas aceitaram a restrição de seus “desejos e oportunidades” em prol da democracia. Isso levou a uma redução significativa da desigualdade e a um crescimento econômico extraordinário.

O mundo vivia, porém, no auge do capitalismo industrial fordista. A pujança do fordismo dependia de uma crescente capacidade de consumo da população. 

Hoje, vivemos sob a égide do capitalismo financeiro. Na década de 1970, 5% do PIB americano se deviam ao setor financeiro, ao passo que hoje são 20%. 

O capitalismo financeiro não depende de expansão do consumo, mas fundamentalmente da capacidade dos estados nacionais de honrarem o serviço da dívida pública. Essa nova realidade pode estar minando o compromisso da plutocracia com a democracia, em nível mundial.

No caso do Brasil, temos o agravante de que, além da plutocracia, o estamento burocrático e profissional parece também estar reduzindo seu compromisso com a democracia. 

O processo democrático parece ter levado a uma significativa redução da desigualdade de oportunidades. Essa redução atingiu diretamente esse estamento.

A decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (seria a ONU bolivariana?) mostrou que, em nível internacional, a legitimidade das eleições presidenciais no Brasil sairá irremediavelmente arranhada na ausência do ex-presidente Lula como candidato. 

As elites estamentais e plutocráticas brasileiras, ao invés de agir como Ulisses, não estão colocando quaisquer amarras ao seu poder de restringir as liberdades democráticas e a vontade popular!

Jorge Alexandre Neves – Ph.D. em Sociologia pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), Professor Titular do Departamento de Sociologia da UFMG, Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin (EUA) e da Universidad del Norte (Baranquilla, Colômbia), pesquisador do CNPq e articulista do jornal Hoje em Dia. Especialista em desigualdades socioeconômicas, análise organizacional, políticas públicas e métodos quantitativos.

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

1 Comentário

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  1. O antipetismo
    O antipetismo é mais do que um pretexto pra conversação ou senha para ser reconhecido ou visto com simpatia nos circulos plutocaraticos. Assim era antes do PT, PT, PT ser governo.

    Apos os governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores demonstrarem que foram melhores que os seus antecessores EM TUDO, o nivel de ressentimento e neurose dos derrotados em quatro eleiçoes seguidas se tornou insuportavel. É isso que está por trás da aparente irracionalidade; é a razao por trás da desrazao.

    Nao é a toa que melaram o jogo eleitoral, sobretudo a partir da sua coluna vertebral, o financianento de campanha.

    Chutaram o pau da barraca.

    Sempre gostaram de acreditar qua ganhavam eleiçoes devido a uma auto atribuida superioridade intelectual e moral. Mas, o que tinham a mais era somente gra-na.

    O odio ao Lula e ao Jose Dirceu se tornou insuportavel por causa disso: eles pro-va-ram que essa superioridade era mentirosa, que em condiçoes semelhantes de financiamento a turma antissocial nao ganha uma! Venceram no jogo do adversario…

    Foi demais. Doeu muito. O sentimento de humilhaçao diante dos antepassados os fez mandar às favas os escrupulos. Partiram pra ignorancia, literalmente. Esse expediente sempre foi bastante usual, tanto na esfera privada quanto publica.

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