Um bom começo, por Jorge Alexandre Neves

Um bom começo

por Jorge Alexandre Neves

Na minha última coluna (1), cometi a pretensão de propor uma agenda parcimoniosa para a esquerda neste ano de 2020. Fiquei feliz ao perceber que as coisas começaram melhor do que o esperado.

A agenda legislativa de 2919 foi dominada pela reforma da previdência. Por uma série de razões, a esquerda teve dificuldades em participar ativamente do debate sobre essa reforma, até porque a mídia tradicional fechou questão a seu favor. Apesar disso, as esquerdas conseguiram contribuir para que alguns dos maiores absurdos e injustiças da proposta original do governo não fossem aprovados.

Neste ano de 2020, ao contrário, o ambiente começa muito favorável. Primeiramente, o governo recuou da reforma administrativa, deixando o espaço totalmente aberto para o protagonismo da reforma tributária, matéria sobre a qual a esquerda tem muito a dizer e contribuir. Em segundo lugar, percebe-se que, definitivamente, a questão da desigualdade entrou na ordem do dia das discussões políticas no Brasil, e sobre a pauta do combate a desigualdade, a esquerda tem – tanto em termos teóricos quanto pela experiência recente, quando governou – uma indiscutível relevância e uma reconhecida autoridade. Algo que tanto o centro quanto a direita não têm (2).

Em outubro do ano passado (3), os partidos de oposição apresentaram uma proposta de reforma tributária progressiva (4). Esta, contudo, teve pouquíssima repercussão na mídia tradicional – por motivos óbvios, acredito eu – o que requer, portanto, que se busque formas alternativas de comunicação. O ambiente está bastante favorável. Contudo, se os partidos de esquerda não conseguirem comunicar à população sua proposta de reforma tributária, se terá perdido uma grande oportunidade. Ao propor uma mudança de uma tributação que incide pesadamente sobre o consumo para uma que incide mais sobre a renda e a riqueza, os partidos de esquerda poderão se comunicar de forma bastante eficiente com a população. Basta que se mostre – em vídeos curtos que possam ser enviados por WhatsApp – o quanto a maioria das pessoas tem a ganhar se essa proposta for aprovada, quando for pagar pela compra de bens de consumo. Podem ser feitas simulações dos ganhos potenciais para informar a população. Só uma reforma tributária progressiva pode reduzir a desigualdade no Brasil, nas condições atuais. Da mesma forma, como ressaltei antes, também terá um extraordinário efeito de elevação da taxa de crescimento do PIB.

A esquerda, após um ano difícil, está com a faca e o queijo nas mãos para retomar protagonismo político, no Brasil. Mãos à obra!

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997. Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
  1. https://jornalggn.com.br/artigos/uma-agenda-progressista-para-2020-por-jorge-alexandre-neves/.
  2. Em sua entrevista a Nassif (https://www.youtube.com/watch?v=JD_iQyDQ9WQ), o economista Paulo Nogueira Batista Jr ressalta, com propriedade, que economistas conservadores têm valorizado o debate sobre o problema da desigualdade, mas na hora da discussão de propostas, ficam muito a dever. Nassif também tem mostrado a indigência dos economistas conservadores quando se trata do debate sobre desigualdade (https://jornalggn.com.br/noticia/as-fake-analises-sobre-a-concentracao-de-renda-no-brasil-por-luis-nassif/).
  3. https://www.otempo.com.br/politica/pt-pcdob-pdt-psb-psol-e-rede-apresentam-projeto-de-reforma-tributaria-1.2246737.
  4. Na minha última coluna, eu cometi um lapso ao não lembrar que o em seu governo, o ex-presidente Lula enviou ao congresso uma proposta de reforma tributária progressiva. Em sua última entrevista ao portal UOL (https://www.youtube.com/watch?v=VqVqs8RDHvM), o ex-presidente Lula relata todas as negociações prévias que fez com todos os seguimentos da sociedade para buscar enviar uma reforma tributária progressiva que tivesse apoio para ser aprovada no Congresso.
Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

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