Francisco Celso Calmon
Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.
[email protected]

Um pé lá e outro cá, por Francisco Celso Calmon

Em outras palavras: entre o passado de conciliação de classes, travestido muitas vezes de republicanismo, e o presente/futuro de luta de classes, estamos no meio de uma travessia, na mediação dialética de uma fase para outra.

Um pé lá e outro cá

por Francisco Celso Calmon

A esquerda está com uma perna lá e outra cá. A perna de lá parece pesar que nem chumbo, ou presa em concreto, a perna de cá ainda flutua que nem pluma.

Em outras palavras: entre o passado de conciliação de classes, travestido muitas vezes de republicanismo, e o presente/futuro de luta de classes, estamos no meio de uma travessia, na mediação dialética de uma fase para outra.

Seja pela boca torta do uso do cachimbo, seja pelo reflexo condicionado de mais de uma década desse modelo de conciliação, ou ainda pelo desconhecimento da concepção científica da história e do papel da luta de classes como fenômeno objetivo, a realidade concreta é que, sem dar o cavalo de pau nessa história, repetiremos os mesmos caminhos da não resistência imediata, como ocorreram nos golpes de 1964 e 2016. Quaisquer que sejam esses mesmos caminhos, com discursos diferentes e práticas iguais, será sem sustentabilidade social.

A luta de classes existe independente da vontade de qualquer um ou da sociedade. Enquanto existir classes com interesses antagônicos, haverá essa refrega.

A questão que depende das forças subjetivas é o do como operar a luta de classes. Por meio da conciliação estratégica ou pelo enfretamento. Empoderando as classes trabalhadoras para alterar a correlação de forças ou na crença de uma possível conciliação política, quando na economia e no social o antagonismo é permanente. Conciliar na tática enfraquecendo a estratégica, ou fazer acordos táticos sem enfraquecer a busca constante pelo empoderamento do povo trabalhador?

A correlação de forças e a paridade de armas são parâmetros para serem avaliados e não para imobilizar e justificar o modelo conciliatório. Avaliadas para planejar a agitprop à luz da atividade regular de FOP – Formação, Organização e Protagonização das classes de trabalhadores.

Os acordos táticos necessários em cada conjuntura não podem, sob qualquer hipótese, enfraquecer a estratégia de busca pelo fortalecimento das forças sociais de esquerda, sob pena de nunca alterar a correlação de forças.

O objetivo central da propaganda é tornar a história real do Brasil conhecida das massas.

Ao conhecer a história haverá de gerar a consciência de rejeição ao pretérito escravagista e aos períodos autoritários e ditatoriais – patrocinados especialmente pelas Forças Armadas e pelos países imperialistas.

Com o conhecimento da história o povo saberá que a luta contra a corrupção sempre foi usada pelas forças reacionárias e conservadoras não para combater a corrupção, mas para minar governos progressistas e em seguida aplicar o golpe de estado.

A esquerda não deve protagonizar essa luta pelo lado moralista, e sim para mostrar que é da essência do capitalismo e dos governos de direita a prática da corrupção. Na conjuntura atual denunciar a corrupção do lavajatismo e do bolsonarismo, não somente a cada noticia que a mídia hegemônica informar, mas sistematicamente até que os corruptores sejam investigados pronunciados, jugados e sentenciados.

Quando o governo deste Estado policial for defenestrado, a democracia necessitará ser reconstruída com a instalação de uma nova Comissão da Verdade, para a sociedade conhecer a ampla verdade ainda encoberta, da preparação do golpe com STF e tudo mais, até a data que será um novo marco na história do país, que há de ser a partir de 2023, com a posse de um governo democrático-popular, e já respaldado pela base social organizada.

Ao formar a consciência de rejeição, o sonho de uma nova história, de um país livre das heranças de impunidade, opressão e exploração, será a consequência dialética.

Novamente cumpre o seu papel a propaganda, deste feita do socialismo democrático.

Recolar a utopia no horizonte da humanidade, a partir do novo ano.

Nossos parlamentares socialistas deveriam tornar as casas do povo (Câmaras e Assembleias) em espaço de propaganda do socialismo democrático e de agitação contra o bolsonarismo.

Os prefeitos de esquerda deveriam patrocinar programas de rádio e de tv, quando puder, para transmitir, em formato moderno, aulas da história real do país, vistas pelos olhos dos oprimidos.

Demandadas pelas forças organizadas e recepcionadas, sobretudo, pelos prefeitos e governadores de esquerda, a criação de espaços de memória do escravagismo (negros e indígenas) e das ditaduras (locais de torturas e extermínios), onde ocorreram no espaço físico do município.

O objetivo central da agitação nesta conjuntura é dar um basta ao bolsonarismo, já ou em 2022.

Foi criado uma dicotomia perigosa entre o Já e o 2022.  O já significa pela via do impeachment e o 2022 pela via eleitoral.

Os argumentos dos que estão nas forças democráticas, mas se opõem ao impedimento do miliciano presidente, são a de que o país não deva fazer dessa via recurso consuetudinário, natural, normal, costumeiro e sempre recorrente, e, outrossim, que o presidente foi eleito e cabe ao povo retirar, portanto, deixar cumprir o mandato até o fim.

São argumentos falaciosos. Primeiro, porque foi eleito através de recursos fraudulentos, tanto que existem ações robustas no TSE, o judiciário não dá prosseguimento poque não é ainda interesse do poder dominante; pulando este argumento, cabe indagar se o fato de ter sido eleito adquire o direito de maltratar a sociedade, pois quem está sofrendo com o governo duplamente genocida é o povo;  por fim, há razões legais e fartamente substanciadas, nos fatos e nas leis, de crimes continuados à nação brasileira e ao Estado democrático de direito.

Se não é salutar para a nossa jovem democracia tornar o impeachment um recurso consuetudinário, também não é, moral e politicamente correto, tornar a impunidade característica permanente de nossa história e desta democracia, que iniciou a sua construção, após um longo período de ditadura, sem que fosse aplicada a justiça de transição.

Aos entulhos do passado serão somados os da atualidade e o Brasil continuará a ser o país da impunidade!

Por tudo, algumas bandeiras devem ser lançadas imediatamente para galvanizar e mobilizar as massas: vacinas para todos já e campanha massiva pelas regras da OMS; renda mínima para os desempregados; taxação dos mais ricos e dos lucros e dividendos das empresas; desmilitarização da polícia; comida, emprego, saúde e segurança é a demanda geral e dever do governo federal proporcionar. Se não cumpre e atenta contra a soberania nacional e aos direitos constitucionais e legais do povo, a bandeira Fora Bolsonaro deve ser intensificada.

Onde estiver o bolsonarismo a esquerda deve estar do outro lado. Como dizia o Brizola em relação a Globo, o mesmo raciocínio cabe no presente em relação ao Estado policial de natureza nazifascista, mantido pelos militares, milicianos, parlamentares e togas deformadas. São esses e mais o imperialismo que fazem a guerra hibrida. Para enfrentar essa batalha, não podemos ficar só na denúncia da mentira, da lawfare, da desinformação, do fomento do caos, do assassinato de reputações, mas, fundamentalmente, combater os mantenedores e usuários dessas armas hibridas.

Não será no campo do direito que o combate prioritário deva se dar, é uma ilusão a concepção do direito e do judiciário como imparciais. Não devemos excluir nenhum campo de batalha, contudo, devemos ter foco nos eixos principais de curto, médio e longo prazo. Vitórias de Pirro não interessam, é mister que as vitórias sejam sustentáveis e seus efeitos duradouros.

A luta por Lula livre levou muitos da esquerda a operar a luta jurídica como eixo principal, está mais do que na hora de ultrapassar essa fase. A verdadeira liberdade de Lula e de todos os brasileiros, existirá quando recomeçarmos a construir uma democracia, desta feita de raiz.

A construção da democracia de raiz é de baixo para cima, e essa edificação só correrá nesses moldes através da consciência, organização e participação protagonista das classes trabalhadoras.

Sem conhecer e compreender o passado traumático do Brasil, o povo não compreenderá o presente e não projetará um futuro diferente. Um futuro no qual mais cedo ou mais tarde terá que haver a ruptura, porque democracia e capitalismo coexistem por um tempo, mas não por todo o tempo, são antagônicos em suas essências e dinâmicas.

O ano 2020 foi para toda a humanidade doloroso, sobretudo nos países dirigidos por negacionistas, mitômanos, preconceituosos, fascistas, que colocaram a economia acima da vida.

O ano de 2021 no Brasil vai iniciar sob impactante tragédia sanitária, cerca de 200 mil óbitos, e também econômica e social, PIB negativo em torno de menos 6% e previsão de 30 milhões entre desempregados, desalentados e subocupados.

Mas há de ser diferente na estratégia política da esquerda; que o pé de lá fique menor e menos pesado e o pé de cá mais numeroso e enraizado, para voltarmos ao eixo principal de luta pela necessária revolução social para as transformações estruturais do sistema.

Acreditar que o Bolsonaro será menos pior é o mesmo que acreditar em papai Noel. Bolsonaro foi o tumor que gerou o câncer com metástase em todos as instituições e em alguns segmentos sociais.

A Frente de esquerda deve ser prioridade, mesmo que pontual, para unida enfrentar, negociar, enfim, interagir com as demais forças políticas de centro, no sentido de fortalecer o combate ao bolsonarismo e obter ganhos táticos, sem jamais secundarizar o horizonte estratégico pela revolução social.

Obrigado ao GGN pelo espaço democrático; ao canal resistência carbonária, que está mudando de nome, por sua contribuição à luta contra o bolsonarismo e pela revolução social.

Votos de energias renovadas a todos os lutadores por um mundo humanizado.

Boas lutas!

Francisco Celso Calmon, ex-coordenador da Rede Brasil Memória, Verdade e Justiça, membro da coordenação do canal resistência carbonária.

Francisco Celso Calmon

Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O ano de 2020 a esquerda brasileira vivenciou e problematizou e ainda o faz a respeito do dilema de como construir um projeto para o pais sem o bolsonaro e sua horda de facistas , a dificil separação das questões economicas das questões axiologicas que transcendem o nossa cultura e dão sentido de nação aquilo que conheciamos do que era o Brasil A destruição deste valores impõem a esquerda um novo patamar de luta e teoria sempre com os dois pés no chao da luta de classes , é neste contexto que o texto de calmon sempre lucido apresenta sua objetividade independente apoioa lo ou não.
    vivemos uma encruzilhada historica que necessidade civilizatória urge uma resposta seria e dedicada da esquerda ao povo brasileiro
    feliz ano novo … fora bolsonaro jose luiz cordenador comite popular de santos memoria verdade e justiça

  2. “Recolar a utopia no horizonte da humanidde, a partir do novo ano”. Oxalá ! Sonhar, almejar, estudar, agir e alcançar. É esse o caminho que nunca podemos nos dar ao luxo de nos afastar. Parabéns ao autor!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador