Um Rei morreu, por Arnaldo Cardoso

Boseman interpretou a personagem de T’Chala, rei de Wakanda, uma imaginária nação africana formada por nove tribos e que resistiu à espoliação da colonização europeia sobre o continente.

Um Rei morreu

por Arnaldo Cardoso

Enquanto na manhã deste sábado muitas páginas de internet e canais de notícias informavam sobre a tensão em Berlim, com negacionistas, supremacistas brancos e uma miríade de extremistas – cerca de 18 mil pessoas – insistindo em realizar uma marcha desrespeitando orientações da Justiça, para oporem-se a medidas de segurança sanitária diante do risco de uma nova onda de contágios do coronavírus na Europa, outros canais e redes sociais davam a saber das  manifestações de tristeza de milhares de pessoas diante da morte por câncer do ator americano Chadwick Boseman, de 43 anos, que em 2018 interpretou a personagem de T’Chala, rei de Wakanda, uma imaginária nação africana formada por nove tribos e que resistiu à espoliação da colonização europeia sobre o continente.

O filme Pantera Negra, da Marvel, mereceu atenção especial da crítica por apresentar muitas diferenças em relação a série de filmes de super-heróis que o antecedeu, passando a ser tratado como uma quebra de paradigma. (Muito já foi escrito sobre os efeitos negativos, especialmente sobre os mais jovens, dessa reapropriação dos super heróis de HQ pelos grandes estúdios cinematográficos e da colonização do imaginário que eles potencialmente representam).

Mas dando crédito ao que de melhor se falou sobre Pantera Negra e suas diferenças, a primeira delas é o fato de T’Chala ser o único super herói negro. O filme também se diferenciou por uma série de aspectos como dar uma outra dimensão para a recorrente figura da família, haja visto que em Pantera Negra a família é tratada na sua dimensão coletiva de tribo, invocando responsabilidades de todos os membros diante de ameaças ao futuro de todos. Vários resenhistas também apontaram como importante a questão do relacionamento ou isolamento de Wakanda em relação ao resto do mundo. Alimenta a trama a discussão sobre os usos do poder na relação com o exterior.

O tratamento estético, explorando o universo dos grafites, bem como a trilha sonora do filme induzem o público a uma ambiência que remete afetivamente à de muitos bairros negros das periferias dos Estados Unidos e de outros tantos países. Se nesse particular, há de fato uma empatia despertada pelo filme, há de se esperar que ela ganhe a dimensão da vida real e se manifeste através de ação social. (Particularmente os EUa vivem um momento prenhe disto).

Entre as muitas manifestações nas redes sociais lamentando a morte de Boseman, o ativista pelos direitos civis Martin Luther King Jr, escreveu que o ator “trouxe a história à vida” ao exaltar em sua interpretação muitos homens negros que lutaram e lutam pela liberdade e justiça no mundo.

Ava DuVernay, diretora do filme histórico-biográfico Selma (2014), que retrata as lutas dos negros nos Estados Unidos por direitos civis nos anos 1960, se manifestou nas redes sociais com a comovida mensagem: “Que você tenha um bonito retorno, Rei”.

O músico John Legend escreveu “[…] Ele sempre parecia carregar nossos ancestrais com ele”. O editor Brian Josephs registrou: [depois de T’Chala] “nossos filhos não precisam imaginar o que seria um super herói negro.”

Em tempos em que a irresponsabilidade e o descaso com a vida do próximo tem levado multidões agressivas a ocupar o espaço público das ruas e levantar suas intolerantes bandeiras, e em cujo mesmo tempo, a cidadania responsável prescreve o distanciamento social e o recolhimento no espaço privado, precisamos muito mais que a sensibilidade de lamentar perdas de vidas – não só de personalidades “do bem” e das milhares de vidas que estão sendo perdidas na luta contra o coronavírus –;  precisamos somar energias de todas as fontes e conciliar todas as frentes para nos fortalecer para as boas lutas que terão de ser travadas.

Se novas narrativas são bem vindas em tempo de disputas por narrativas, precisamos sobretudo de uma nova estratégia, que nos ofereça um novo grito, e nos inspire como aquele do povo da imaginária Wakanda.

Wakanda Forever!

Arnaldo Cardoso, é colunista do Jornal GGN.

Redação

1 Comentário

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  1. A Sociedade NorteAmericana ainda busca, de forma vagarosa e abrupta, aquilo que Nós Brasileiros já temos e Somos há mais de 200 anos: Uma Nação entre Iguais. Alguns percalços e retrocessos como nestes 90 anos de Estado Ditatorial Esquerdopata Fascista. Mas nada que mude o DNA do Povo Brasileiro. “Após 114 anos, zoológico dos EUA se desculpa por exibir Jovem Negro em jaula de macacos (uol/27.08)”. No Brasil contemporâneo, o Presidente da República era o Negro Nilo Peçanha. Já Fomos cabeça antes de retrocedermos em rabo. A Verdade é Libertadora. (P.S. A aversão em aceitar a miscigenação e estas pessoas americanas de origem africana é tamanha, que a LIBERDADE é representada na África e não no Bronx, Brooklin, Chicago,… onde realmente estão as correntes. QUE PÁTRIA FANTÁSTICA QUE SOMOS NÓS O BRASIL. Pátria de Nilo Peçanha, de Machado de Assis, de André Rebouças, de Luiz Gama, de Lima Barreto,…Nossos HERÓIS SÃO DE VERDADE e construíram esta Nação antes do Fascismo e Eugênia de 1930, que ainda impera no país e estúdios de Hollywood. O abismo é gigantesco)

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