Universidade, cultura e soberania nacional, por João Augusto de Lima Rocha

O educador Anísio Teixeira (1900-1971), cuja principal característica, enquanto planejador, filósofo e realizador, na história de nossa educação pública, era o forte apego a princípios, sendo que um deles, na área do ensino superior, merece ser relembrado.

Universidade, cultura e soberania nacional 

por João Augusto de Lima Rocha

Nos governos Lula e Dilma, houve grande expansão das vagas nas universidades públicas e privadas, aí incluídos os inúmeros institutos de ensino técnico e tecnológico então criados, que terminaram por buscar uma equiparação com as universidades, já que ensino, pesquisa e extensão estão também são atividades indisssociáveis, em sua concepção. O mote político principal, ainda hoje capitalizado pelos dois citados governos, é que a política de expansão serviu  principalmente para atender às expectativas das famílias de menor renda, no sentido de garantirem a entrada dos filhos na universidade, na esperança de que isso lhes permitisse ascensão social. Sabe-se que, na verdade, esse não é o aspecto mais importante, pois a universidade precisa servir, antes de tudo, a objetivos nacionais para além desse justo propósito. A conexão da universidade com a questão da cultura e da soberania nacional é que tem feito dela uma instituição essencial na história da humanidade.

A relação entre as vagas no setor público e no setor privado do ensino superior está, hoje, no Brasil, em torno de um para seis, e o peso político do setor privado, ancorado em forte lobby no Congresso Nacional, tornou-se muito grande, a ponto de se tornar praticamente impossível a criação  de um sistema nacional de educação superior, incluindo tanto instituições públicas quanto privadas, subordinadas a princípios de natureza, no mínimo, republicana. 

Em evolução acelerada no último quinquênio, tornou-se quase que monopolista a posição do cartel das mantenedoras estrangeiras do ensino privado, cujo objetivo não vai além da obtenção de lucro puro e simples, com ações em bolsas de bolsas de valores.  Afastada qualquer preocupação com os objetivos nacionais, o esquema se sobrepõe ao do governo, e só se importa com os clientes 

– pais e alunos- escravos da ilusão de subir na vida através do ensino superior, em um país com alto nível de desemprego. Nesse contexto, a educação a distância começou a se generalizar  rapidamente – já pensaram seriamente no que é um profissional de saúde formado a distância? -, simplesmente porque é muito mais barata. E o pior é que isto tudo vem sendo financiado indiretamente pelo governo federal, através do FIES e do PROUNI, programas pressionados por uma clientela respaldada em reivindicações da própria UNE que, contraditoriamente, leva ao fortalecimento de um setor privado altamente desregulamentado e  completamente desvinculado de quaisquer objetivos nacionais e democráticos!   

O educador Anísio Teixeira (1900-1971), cuja principal característica, enquanto planejador, filósofo e realizador, na história de nossa educação pública, era o forte apego a princípios, sendo que um deles, na área do ensino superior, merece ser relembrado. Para Anísio, a observação da história da universidade ocidental revela que sua consolidação milenar deu-se por meio de um processo errático, e os momentos de avanço decorreram da compreensão do papel da universidade   na organização e reorganização continua da cultura, cultura entendida no mais amplo sentido, isto é, de tudo que o ser humano realiza em sociedade. 

No caso brasileiro recente, é de se perguntar: que cultura nacional as universidades, principalmente as privadas, estiveram, ou estão,  organizando e reorganizando, em nosso país, em benefício do povo que constrói a Nação a duras penas? De que forma o citado princípio anisiano foi observado, quando o governo Dilma Rousseff criou, por exemplo, com a melhor das intenções, mas quase sem discussão, o programa Universidade sem Fronteiras,  cujo mais importante resultado foi elevar o orçamento das grandes universidades da Europa e dos EUA, com recursos retirados do ensino superior público brasileiro? Tudo sem contar que realizamos, para aquelas notáveis universidades, gratuitamente, a seleção dos nossos melhores alunos, ávidos por permanecerem nelas, para voltarem a elas, após a formatura, já que a maior parte deles, completamente descolados de nossa cultura, desejavam mesmo era sair do país, para fazer carreiras individuais lá fora. Longe está de negarmos a necessidade de intercâmbios estudantis e de estágios de docentes brasileiros no exterior, para aperfeiçoamento e integração científica. O que se critica é o esbanjamento desnecessário de recursos, em favor de universidades no exterior, sem avaliar o quanto esse enorme dispêndio iria nos servir, de fato, isto é, servir ao processo de “organização e reorganização da cultura nacional”. 

Um dos resultados revelados por todas as pesquisas de intenção de voto,  nas eleições de 2018, logo a seguir à implementação da bem intencionada política petista de ampliar a universidade para a maioria dos jovens de 18 a 24 anos, foi a  adesão verificada, da ampla maioria dos alunos e profissionais formados em instituições de ensino superior, ao candidato fascista, que abiscoitou o mandato presidencial em 2018, principalmente nas regiões de maior escolaridade: o Sul e o Sudeste!  

Será preciso aprofundar a análise desse fato, para identificarmos a razão do desastroso resultado, mas uma primeira pergunta já pode ser feita: que cultura a universidade organizou, ou reorganizou, de modo sistemático, nos 13 anos de políticas educacionais bem intencionadas, sem dúvida, dos governos petistas?  Será que os planejadores pensaram, em algum momento, em considerar o conceito preciso de universidade, sugerido por Anísio Teixeira, em sua vinculação com a cultura e com a soberania nacional, para compreender a que mesmo o sistema de ensino superior brasileiro veio a devotar-se durante aquele período? 

Aumenta a esperança de logo superarmos a inacreditável fase institucional a que estamos submetidos, mas uma coisa é certa: é preciso não repetirmos os erros do passado, na organização do ensino superior brasileiro, cuja novidade é o recém lançado projeto Future-se, na verdade uma ousada investida privatizante, tendente a nos afastar ainda mais da concepção anisiana de ensino superior imbricado na cultura e na soberania nacional. . 

Parece  fundamental que, na tarefa de reconstrução a que deveremos nos devotar, proximamente,  devamos construir um sistema nacional de educação superior, ao qual se subordinem o setor público e o setor privado de ensino superior aa objetivos culturais nacionais mínimos. Para isso, é preciso atentar, pelo menos,  às caras observações de princípio, devidas a Anísio Teixeira, contidas especialmente em sua excepcional obra póstuma Ensino superior no Brasil: análise e interpretação de sua evolução até 1969. Rio de Janeiro (Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989) relativa a  momento em que a ditadura realizava  a Reforma Universitária. O livro expõe a trajetória do ensino superior brasileiro, da Colônia à  República, feito pelo educador que era uma das maiores autoridades internacionais no assunto De fato,  Anísio tomou fez parte da comissão de organização da Unesco, em 1946, tendo sido encarregado exatamente do tema do ensino superior. 

A propósito dos rumos da universidade brasileira, integrada no conjunto da educação e da cultura nacional, disse ele:  “É absolutamente necessário que a educação seja um processo de incorporação pelo aluno da cultura real da sociedade, cultura de que a universidade seria a reformuladora; e não é um acréscimo, não um ornamento, não um simples processo informativo Só conseguiremos transmitir a cultura e o saber quando transformarmos nossas instituições educacionais em instituições realmente embebidas no solo brasileiro, na terra brasileira, a refletirem a peculiaridade brasileira e o modo de pensar brasileiro. Foi exatamente isso que Humboldt imaginou para a Alemanha. No século XIX, a Alemanha tinha sido derrotada pela França e estava vivendo um momento de humilhação. A universidade, naquele país, ressurgiu como uma forma de criar a cultura germânica, como um meio de reformar a cultura nacional. Quer dizer a universidade é nacionalismo, é pesquisa e nacionalismo”. 

Por fim, o Brasil espera que se esclareça a morte de Anísio, desaparecido em 11 de março de 1971, sendo seu corpo encontrado, dois dias depois, depositado no fundo do fosso de um dos elevadores do prédio em que morava Aurélio Buarque de Holanda, no Rio de Janeiro. Hoje está provado que ele não caiu no fosso, como antes se pensava, e que a morte ocorreu,  não no dia 11, mas a 12 de março de 1971, conforme atesta o laudo do Instituto Médico Legal carioca, recentemente localizado pala Comissão Nacional da Verdade.

Sabe-se agora, também, que ele prestou depoimento  em instalação da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, após o desaparecimento. Resta saber, urgentemente, quem matou o maior inovador da  educação brasileira, por que motivos isso se deu, e em que circunstâncias ocorreu a sua morte. Esperamos que o capitão-presidente possa saber alguma coisa, também,  sobre o assunto!  

Redação

1 Comentário

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  1. Infelizmente a análise de Lima Rocha é bem intencionada mas é superficial e repete certos mantras . Ao falar do PROUNI e FIES, o descontextualiza, pois o projeto era um projeto de inclusão. Se por um lado aguçou a ambição de universidades privadas e grupos empresariais o contexto de sua criação tem que ser visto em conjunto com a expansão e criação de dezenas de universidades publicas e aproximadamente 230 Institutos Federais. Isto também não pode ser visto sem se levar em conta o programa de avaliação do ensino superior. Programa aliás que está sendo destruído assim como foi sempre a tentativa de destruição por parte do lobby empresarial privado. O programa visava enquadrar todas as universidades dentro de um padrão público de qualidade. O padrão das Universidades Públicas, com professores qualificados e permanentes, com titulação, com horas para pesquisa e extensão, com laboratórios didáticos e de pesquisa. Mas não são poucos os artigos. de portavozes no interesse privado, criticando as avaliações do ensino superior. Afinal as universidades privadas com raríssimas exceções, (PUC é um exemplo), tem professores contratados por hora aula, em grande parte sem titulação, ou quando titulados não têm seus titulos reconhecidos. Em geral possuem um quadro docente rotativo, não desenvolvem pesquisa nem tem laboratórios. As empresas privadas de educação tem usado a avaliação numa mera competição de ranking, e jamais externam ou tornam públicas as avaliações de todos os outros componentes que compõe os critérios do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior,SINAES. O SINAES e bem maior do que o ENADE.
    De fato PROUNI e FIES e EAD aguçaram a ganancia de grupos privados, que viram no processo uma forma de ganhar dinheiro. O processo de avaliação ameaça claramente estes grupos, pois as universidades deveriam cumprir determinados requisitos. Este era o plano que foi torpedeado por uma parcela elitista que preferia a universidade inacessível a muitos e pelos grupos privados que querem todo o dinheiro para si. Hoje Weintraub é um representante do Afya, o grupo educacional de Guedes que de olho em todo o dinheiro do MEC, levantou um bilhão de dolares na bolsa nasdaq, mas há os que continuam com a crítica ao PT, acusando-o de ser perdulário. Isto é muito conveniente. A crítica ao envio de alunos ao exterior, chega a ser ridícula, até mesmo para os padrões liberais. E de novo a crítica é não ao investimento, mas sim ao que chamam de gasto. O Future-se é transformação da organização da universidade publica, numa organização similar à organização da universidade privada, com professores rotativos e transitórios sem direito horas de preparação ou para desenvolvimento de pesquisas. Estas universidades são o cemitério de pesquisadores e de professores, muitos deles bem formados e bem intencionados, qualidades estas que não são premiadas em seu mérito, pois o critério meritocrático é o lucro. A isto os liberais chamam de eficiência e mais modernamente, respeito aos acionistas.
    Quanto ao ensino a distância, se viu no país um ataque violento a Universidade Aberta do Brasil, como sempre em nome da moralidade. Mas o ataque visa a Universidade Publica e seu padrão de qualidade para o Ensino a distância. Ensino a distância não é um curso por correspondência

    O Ensino a distância público envolve , professores, tutores , monitores, polos para atividades presenciais, webdesigns especializados nas didáticas específicas, suporte para o site e plataforma educativa. Equipe editorial para avaliar o material didático e de avaliação didático pedagógico contínua. Adaptação da plataforma para os diversos curso. Suporte para video conferencias, além de toda uma infraestrutura montada em polos regionais, para que os alunos tenham biblioteca, computadores, salas para atividades com tutores locais, e rede para tutores online. Quando necessário Laboratórios didáticos nos polos, ou formas de trazer os aluno para executarem práticas experimentais na universidade sede. O curso é de fato semi-presencial, com a ida de professores e tutores aos polos. O articulista falou em Anisio Teixeira, deveria no entanto associar ao projeto de Ensino a Distância Publico gerada em tempos de Darcy Ribeiro e desenvolvido pelo CEDERJ no Rio de Janeiro e que influenciou todo o sistema de EAD público no país. Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira sempre foram parceiros, inclusive na visão inclusiva da Educação.
    Este é apenas um resumo do que é ou era o projeto de EAD numa universidade publico. Este EAD com estas características é caro, não é barato e se este padrão fosse estabelecido como um padrão mínimo ele não seria lucrativo para empresas privadas. Por esta razão o EAD mal compreendido mesmo por professores da Universidade pública foi alvo de muitos ataques e sobretudo foi alvo da tentativa, por parte de entidades privadas e de seus portavozes, para que não haja um padrão e criação de critérios para a EAD. Por isto o ataque constante às formas de avaliação. O EAD público gerou além disto muita pesquisa e várias teses de mestrado e doutorado, pois é um processo que se continuado deve evoluir. Seria interessante que pessoas bem intencionadas como Lima Rocha, analisasse em mais profundidade e buscassem compreender melhor o que é um EAD publico e de qualidade.

    Mas temos que sempre ter em mente a frase: “A estrada para o inferno está asfaltada por boas intenções”
    A luta pela democratização de um ensino público de qualidade, é uma luta contínua, pois o conhecimento é um objeto que tem ser apropriado mas ainda está enclausurado na mão de alguns.

    Mas a educação se tornou no Brasil num objeto de cobiça, e nada melhor do que distorcer uma política de inclusão em uma forma de se apropriar do dinheiro publico, paradoxalmente com um discurso liberal.
    Enquanto educação não for uma política de Estado e não de Governo, os lobbies privados vão a cada governo buscar formas transformar polĩticas públicas bem intencionadas em fonte de lucro. Se PROUNI, FIES e outras políticas tinham a intenção de serem políticas emergenciais, até que o sistema publico de Universidades e Escolas Técnicas de nível superior se fortalecesse e que se pudesse dar acesso a todos, estas políticas estão sendo apropriadas por grupos privados, que sob a falsa conversa de que são liberais, querem para si o dinheiro publico e de estado. Como diz o ministro de plantão, vamos dar vouchers para que todos possam pagar as universidades privadas e até as públicas.

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