V.I.K.I., HAL 9000, Ash e o fantástico caso do Triplex, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Sérgio Moro não pode alegar que foi programado para desprezar os princípios constitucionais do Direito Penal. Afinal, foi uma decisão ilegal dele que deu causa ao famoso Acórdão do TRF-4.

V.I.K.I., HAL 9000, Ash e o fantástico caso do Triplex

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Desde que Antígona foi escrita e encenada séculos antes de Cristo, o Direito encontrou um lugar especial na ficção. No caso de Lula, nós podemos recorrer à ficção para refletir sobre a Justiça.

A inteligência artificial V.I.K.I. é uma personagem de Isaac Asimov. Ela foi programada com as Três Leis da Robótica: 1- um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; 2- os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; e 3- um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores. Estudando a nossa história, V.I.K.I chega à conclusão de que a observância destas três regras levará à extinção da raça humana, pois os homens foram e sempre serão incapazes de viver em paz e estão fadados a colocar suas vidas em risco. A autonomia da vontade outorgada aos seres humanos é uma fonte de problemas e deve de riscos, logo ser suprimida.

HAL 9000 é um computador que protagoniza diversos livros de Arthur C. Clarke. Num deles (aquele que foi adaptado para o cinema por Stanley Kubrick), o personagem fica paranoico em razão de ter sido programado para realizar tarefas conflitantes. Após causar a morte de quase todos os tripulantes da nave espacial que controla, HAL 9000 é desligado pelo único sobrevivente da missão.

O personagem Ash é o sintético que atua como oficial de ciências de uma nave espacial (Alien, o 8⁰ passageiro). Até entrarem em contato com um alienígena extremamente hostil, os tripulantes da Nostrono não sabem qual é a principal diretriz de Ash. Ele foi programado para garantir que qualquer nova forma de vida encontrada seja levada para estudos na Terra. Para completar sua tarefa, Ash tenta matar Ripley.

As diferenças entre estes três personagens são evidentes. Muito embora ninguém (nem mesmo uma inteligência artificial) seja capaz de saber exatamente o que ocorrerá no futuro, V.I.K.I. passa a desprezar as Três Leis da Robótica assim que chega a uma conclusão que considera inegável e inevitável. HAL 9000 é incapaz de tomar decisões corretas em razão de ter recebido instruções conflitantes. Desde que uma condição específica fosse preenchida, Ash é obrigado a cumprir sua principal diretriz mesmo que para fazer isso tenha que desprezar a vida humana.

As ações HAL 9000 e de Ash prejudicam apenas os tripulantes das naves em que eles se encontram. V.I.K.I. decide substituir a democracia pelo regime político que julga mais adequado à preservação da vida humana. A tirania robótica benevolente desejada pelo personagem de Isaac Asimov é rejeitada pelos seres humanos.

A principal obrigação de um juiz brasileiro é “Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício” (art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura). O TRF-4 dispensou Sérgio Moro desta obrigação através de um Acórdão que entrou para história judiciária brasileira https://www.conjur.com.br/2016-set-23/lava-jato-nao-seguir-regras-casos-comuns-trf.

Exposto a duas diretrizes conflitantes, Sérgio Moro seguiu aplicando a Lei de maneira seletiva para perseguir petistas e proteger FHC e Eduardo Cunha. Os chats divulgados pelo The Intercept revelam que o juiz lavajateiro nunca demonstrou qualquer sinal de dúvida ou de remorso em relação ao que estava fazendo para prejudicar Lula.

HAL 9000 era incapaz de fazer escolhas corretas. Ash foi programado para fazer escolhas desumanas. Sérgio Moro escolheu fazer aquilo que desejava e removeu conscientemente todos os obstáculos legais que poderiam impedi-lo de alcançar seu objetivo. Nesse sentido, o juiz lavajateiro se parece mais com V.I.K.I. do que com Ash e HAL 9000.

Sérgio Moro não pode alegar que foi programado para desprezar os princípios constitucionais do Direito Penal. Afinal, foi uma decisão ilegal dele que deu causa ao famoso Acórdão do TRF-4. Portanto, o Tribunal apenas reforçou uma diretriz que o próprio juiz estabeleceu para si mesmo.

V.I.K.I estava sujeita às Três Leis da Robótica e passou a ignorá-as em virtude de uma conclusão neurótica. É impossível dizer se Sérgio Moro tem alguma neurose e quando ela começou a influenciar na sua capacidade de avaliar e julgar processos judiciais. Isso, aliás, pode ser considerado irrelevante, pois o que interessa em nosso caso é menos a saúde mental dele do que as decisões que ele produziu interferindo na atuação do Ministério Público Federal para prejudicar deliberadamente a defesa de Lula.

Apesar de ficar repetindo insistentemente que foi vítima de um hacker, Sérgio Moro não é um robô quebrado. Muito embora estivesse fazendo algo que deveria considerar ilegal e imoral, ao trocar mensagens com Deltan Dellagnol ele se apresenta como um homem aparentemente normal. Essa aparência de normalidade também pode ser observada antes que os resultados da conclusão de V.I.K.I., das diretrizes conflitantes de HAL 9000 e da programação de Ash comecem a causar tragédias.

O juiz lavajateiro tinha consciência do que estava fazendo. Sérgio Moro foi ensinado a respeitar a Constituição Federal, o Código Penal e o Código de Processo Penal. Ao passar num concurso de provas e títulos ele demonstrou conhecer suficientemente a legislação. A neurose de V.I.K.I., a paranoia de HAL 9000 e a perversidade de Ash são frutos de erros intencionais ou não intencionais dos programadores. Sérgio Moro deliberadamente ignorou os limites da legislação por razões políticas e ideológicas.

Em se tratando de ficção, o respeitável público pode desculpar os personagens. Os erros, equívocos e violências que eles cometem são essenciais às narrativas, eles conferem profundidade às obras de arte e produzem reflexões interessantes. Mas as desculpas fornecidas por Sérgio Moro devem ser consideradas irrelevantes. Nenhum argumento que ele forneceu ou venha a elaborar será suficiente para preservar as ilegalidades que foram cometidas no caso do Tripex. A tirania política bolsonariana instrumentalizada por Sérgio Moro não é nem melhor nem mais virtuosa do que aquela que V.I.K.I. tenta impor aos seres humanos do conto “I, Robot”.

Além disso, a realidade da prisão não diz respeito ao respeitável público e sim ao próprio ser humano que foi confinado de maneira injusta em razão de uma sentença absolutamente nula. V.I.K.I., HAL 9000 e Ash podem ser julgados, mas eles não poderiam ser presos ou libertados. Lula não é um personagem, os direitos dele não devem ser tratados como se pudessem ser uma ficção.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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