Vidas paralelas: Liu Pang e Jair Bolsonaro, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Vidas paralelas: Liu Pang e Jair Bolsonaro

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há algum tempo publiquei aqui mesmo no GGN um texto sobre os primeiros contornos do Reich bananeiro.

Passados quase cinco meses da posse, creio ser necessário um novo balanço. Já ficou claro que o novo presidente não tem um projeto de país. Falta a ele clareza de objetivos políticos e econômicos.

A única proposta do desgoverno Bolsonaro é expandir ao infinito o que eu chamei de “pedagogia do assassinato”. Ele quer o povo brasileiro de fome ou trabalhando sob condições análogas às dos escravos. Bolsonaro autorizou a comercialização de armas para fazer os brasileiros matarem uns aos outros usando pistolas e fuzis. Para atender os interesses geoestratégicos dos EUA na América do Sul, o novo presidente quer iniciar uma guerra contra a Venezuela que certamente causará a morte de milhares de jovens. Por fim, a Lei do Abate enviada por Sérgio Moro ao Congresso Nacional pretende autorizar os policiais a matar suspeitos e inocentes sempre que eles se sentirem ameaçados.

Após desferir um ataque mortal ao sistema educacional brasileiro (provocando o início de uma reação nas ruas cujo desfecho inevitável poderá ser o fim do seu desgoverno), Jair Bolsonaro divulgou um texto que defende a tese de que ele deveria ter poderes absolutos. Alguns dias depois ele compartilhou um vídeo em que foi considerado o “eleito por deus”.

No princípio, Bolsonaro se contentou com o papel de “censor supremo”. Entretanto, a “vontade de potência” do capitão aumentou à medida que ele começou a se sentir isolado. Agora ele não quer mais ser apenas ditador. Na verdade, tudo indica que Bolsonaro pretende ser uma versão tupiniquim do primeiro imperador chinês da dinastia Han. Refiro-me obviamente a Liu Pang (ou Liu Bang), que governou a China de 202 aC até sua morte em 195 aC. Segundo os historiadores, ele:

“Según consta en los documentos, con Liu Pang asciende por primeira vez al trono imperial um hombre del pueblo. Este hecho apenas volvió a repetirse, aunque tenemos el ejemplo de Chu Yuan-chang (ver pág. 235), fundador de la dinastía Ming. Liu Pang no hubiera podido llegar tan lejos si sus dotes de valentía, energía y astucia no se hubieran visto acompañadas de su capacidad para roderarse de estadistas perspicaces y prestar atención a sus consejos. Sabía tratar a la gente, si bien conservó durante su vida una aversión instintiva por los intelectuales. Se cuenta también de él que escarnecía en forma burda e soez a los eruditos confucianos. Le fastiaban las sutilezas filosóficas, y nunca intentó dar a su reinado un fundamento ideológico. Su programa de gobierno era sencillo, incluso primitivo: abolición de todo lo que había hecho odiosa la dinastía Ch’in, lo cual consitía ante todo el draconiano derecho penal. Su programa resultó popular; durante su gobierno no pueden señalarse alzamientos del tipo de los de Ch’en She. Que Liu no se interesaba por cuestiones ideológicas lo prueba también el hecho de que no hiciera nada por levantar la prohibición de libros de los Ch’in.” (El imperio chino, Herbert Franke e Rolf Trauzettel, Siglo XXI de España Editores S.A., Madri, 1973, p. 70-71)

Bolsonaro também odeia intelectuais, mas ele não sabe tratar as pessoas. Qualquer um que o contrarie é chamado de idiota, vagabundo, petralha ou tendencioso. Os excessos verbais dele no Congresso foram bem mais grotescos: numa ocasião Bolsonaro disse que uma deputada do PT não merecia ser estuprada, noutra disse que o pai de um adversário deu o cu.

Ao contrário de Liu Pang, Bolsonaro não chegou ao poder porque se cercou de estadistas competentes. A eleição dele foi uma fraude embalada por Fake News espalhadas em massa por robôs virtuais habilmente coordenados por uma empresa israelense. Os ministros nomeados pelo presidente brasileiro são imbecis, fanáticos e medíocres e se destacam apenas por uma característica: a submissão completa às vontades de Bolsonaro e dos filhos dele.

Liu Pang manteve a proibição dos livros de Confúcio e dos discípulos dele. Bolsonaro quer proibir a obra do pedagogo Paulo Freire. O primeiro imperador da dinastia Han não tinha ideologia, a ideologia de Bolsonaro foi formulada pelos teóricos da segurança nacional do período autoritário (1964/1985). Mas ao contrário dos ditadores militares, que comandaram o Brasil com mão de ferro tendo o cuidado de manter uma aparência de legalidade, o novo presidente brasileiro defende abertamente o uso da tortura e dos assassinatos políticos para silenciar a oposição e aterrorizar o povo.

Bolsonaro é um defensor do direito de matar como se a proibição do homicídio fosse um aspecto draconiano do nosso Direito Penal. Há 2219, o imperador Liu Pang provavelmente não faria objeção à inovação que o bolsonarismo pretende introduzir no Brasil. No século XXI, entretanto, qualquer norma penal que autoriza o assassinato seria considerada nula por força dos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil que garantem o direito à vida e proíbem genocídios.

O programa de governo de Bolsonaro é tão primitivo quanto o de Liu Pang. Ele consiste numa massiva transferência de renda dos pobres para os banqueiros e para os investidores nacionais e internacionais. Se não for interrompido, Bolsonaro transformará a esmagadora maioria dos brasileiros em trabalhadores e camponeses miseráveis semelhantes aos que existiam na China do século II aC.

Ao narrar as disputas entre guelfos e gibelinos na Florença medieval durante um período de guerra externa e paz interna, Maquiavel afirma que “…ficaram acesos apenas os humores que naturalmente costumavam existir em todas as cidades entre os poderosos e o povo; porque o povo quer viver de acordo com as leis, e os poderosos querem comandá-las, não é possível que se ajustem” (História de Florença, Maquiavel, Martins Fontes, São Paulo, 2007, p. 94/95).

No período em que Liu Pang governou a China não era possível um ajuste entre os poderosos e os intelectuais que seguiam Confúcio, cuja doutrina “… se dirige principalmente a sus iguales, es decir, la nobleza, pero el concepto del chü-tzu se concibe en su doctrina de un modo más general, con el puede juzgarse incluso el soberano.” (El imperio chino, Herbert Franke e Rolf Trauzettel, Siglo XXI de España Editores S.A., Madri, 1973, p. 42)

Liu Pang manteve a proibição dos livros confucianos pois provavelmente acreditava que seus atos não deveriam ser julgados pelos intelectuais. Como ele, Bolsonaro não quer ser julgado por filósofos e cientistas sociais, nem tampouco criticado por um povo educado. Isso explica o ataque mortal que ele desferiu contra as Universidades Federais em geral e contra a filosofia, a sociologia e a pedagogia freiriana em particular.

Se for necessário, o presidente brasileiro também proibirá o estudo das obras de Confúcio. Bolsonaro já demonstrou que representa os poderosos que querem comandar as Leis e impedir que o povo brasileiro viva de acordo com os princípios democráticos que as Leis garantem (especialmente aqueles que permitem aos brasileiros julgar seus governantes e fazer o Judiciário julgá-los casos eles cometam crimes, abusos e ilegalidades).

Tudo bem pesado, podemos concluir que, guardadas algumas diferenças, a identidade entre Liu Pang e Bolsoanro é quase completa. Bolsonaro almeja ser um imperador chinês do século II aC no Brasil do século XXI. Felizmente não somos chineses e não estamos obrigados a nos curvar diante desse tirano.

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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