Xadrez de Bolsonaro e o impeachmentômetro, por Luis Nassif

A leitura do cenário é a seguinte: se não mudar o estilo e não surgirem fatos novos, o resultado final será o impeachment

Publicada originalmente em 12/12/2020

Peça 1 – o impeachment é um ato eminentemente político

Desde a queda  de Fernando Collor e de Carlos Andrés Peres, da Venezuela, no início dos anos 90,  o impeachment se tornou o modelo de golpe adotado pelas recém nascidas democracias latino-americanas depois do período militar. É um golpe que tem como agentes principais a mídia, o Congresso e o Judiciário. E, em alguns casos, a ajuda externa através de instituições ligadas ao Departamento de Estado e Departamento de Justiça norte-americanos.

O modelo é de simples entendimento:

1. O modelo democrático tem inúmeras vulnerabilidades, a principal das quais é o financiamento de campanha. Trata-se de uma vulnerabilidade que afeta todos os partidos que ganharam expressão. Só são “puros” os partidos pequenos, sem dimensão nacional.

2. Países desenvolvidos conseguiram montar modelos que blindam o Executivo contra interferências dos demais poderes. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Presidente tem o poder de demitir procuradores, sem precisar justificar. Há uma estrutura federativa que atrapalha articulações de golpe e um Judiciário que, preferências políticas à parte, tem compromisso com os chamados princípios fundadores.

3. Nos países menos desenvolvidos, o Executivo é fraco. Não é por outro motivo, por aqui historicamente floresceram as ditaduras militares e criou-se, na oposição, uma inclinação irresistível aos golpes, sempre que se perdem os discursos políticos.

O modelo do impeachment é simples.

1. Se um presidente não consegue atender às demandas políticas e permite a criação de maiorias contrárias no Congresso, entra na linha de fogo, que ganha enorme dimensão com a adesão de grandes grupos de mídia.

2. A escandalização é uma ferramenta grosseira, mas eficaz, pela qual a mídia bombardeia diariamente a opinião pública com escândalos verdadeiros ou falsos, grandes ou irrelevantes, pouco importa, mas criando um clima opressivo insuportável, que em geral explode em grandes manifestações de descontentamento.  Era um ensaio do que, depois, foi potencializado pelas redes sociais com seus algoritmos.

3. No pós-guerra, as Constituições foram elaboradas para impedir a ditadura de maiorias eventuais. Mas, nas catarses que antecedem o impeachment, o Judiciário é cooptado por ser, em geral, submisso ao establishment, influenciada pela mídia e, no caso de alguns juízes, encantados com a possibilidade de fazerem parte de blocos de poder.

Não há  governo latino-americano que consiga resistir à dobradinha mídia-Justiça. O único a resistir foi a Venezuela, mas à custa de um gigantesco esquema de cooptação das Forças Armadas e da Justiça, e com a formação de milícias populares. Enfim, atropelando todos os princípios democráticos.

Peça 2 – o impeachment brasileiro

Em três momentos, mídia, partidos e Justiça tentaram o golpe do impeachment. Foram bem sucedidos em dois casos – Fernando Collor e Dilma Rousseff – e falharam em um – o “mensalão”.

Em todos os casos, a motivação central foram demandas não atendidas.

O primeiro ensaio do impeachment de Lula foi no “mensalão”, uma enorme armação da Procuradoria Geral da República e do ex-procurador Joaquim Barbosa, indicado para ministro do Supremo. Todas as armas utilizadas pela Lava Jato foram testadas, inicialmente, no “mensalão”, desde provas falsas – o tal desvio da Visanet, que jamais ocorreu – até correlações enfiadas no processo  a golpes de martelada – como a tentativa de relacionar pagamento de campanhas eleitorais dos partidos com votações ocorridas no Congresso.

Foi consequência de  um dos grandes erros políticos do PT, ao conferir poder autônomo total ao MPF, com a aceitação tácita da indicação do procurador mais votado na lista tríplice para Procurador Geral da República. E a despreocupação na escolha dos Ministros do STF – um, para contentar o aliado Sérgio Cabral; outro, por que fez a defesa de um terrorista italiano ameaçado de deportação; outra, pela amizade com a filha da presidente; outro, por se apresentar como defensor do MST; outro por ser negro, sendo que havia outros juristas negros com convicção democrática comprovada.

Também incorreu em uma enorme cegueira ao não perceber que não tinha espaço para se valer das mesmas ferramentas políticas dos adversários, de cooptação de partidos e empresas.

O álibi da “pedalada” foi endossado pelo Supremo e por juristas que, hoje em dia, se apresentam como defensores da Constituição.

Peça 3 – as táticas golpistas de Bolsonaro

Bolsonaro é a continuação destrambelhada do governo Michel Temer. Seguiu a mesma cartilha de desmonte de políticas sociais, destruição do Estado e abertura das estatais aos grandes negócios privados. Graças a isso, conseguiu salvo-conduto para governar, mesmo com acusações de envolvimento com milícias, com o Escritório da Morte, inquéritos contra filhos, interferências nas máquinas públicas, enfim, a síntese, às avessas, do “Iluminismo” preconizado pelo Ministro Luis Roberto Barroso, quando ajudou a construir o desastre político-institucional que levou a Bolsonaro.

Até agora, o jogo de Bolsonaro com as instituições segue um roteiro óbvio.

Seu objetivo final é a tomada de poder e o controle absoluto das instituições. Disso não há dúvida. Mas é um sem-noção, que age pavlovianamente em duas frentes.

No primeiro tempo, Bolsonaro agiu explicitamente, com os filhos clamando abertamente pela intervenção militar, no fechamento do Supremo. A ofensiva perdeu impulso com o surto em que Bolsonaro entrou, quando as investigações do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro chegaram perto dos filhos. Bolsonaro perdeu o rumo, tentou antecipar o golpe, buscando a adesão das Forças Armadas.

Foi impedido por uma tática brilhante do STF.

Primeiro, encontros de Gilmar Mendes e Dias Toffoli com fontes militares para sentir o pulso da corporação. Perceberam que os militares não entrariam na aventura do golpe. Depois, Alexandre de Moraes e Celso de Mello pagando  para ver. Bolsonaro  tentou uma convocação militar, não encontrou eco, e recuou.

Se fossemos montar um impeachmentometro, naquele momento provavelmente Bolsonaro teria chegado perto dos 90o – 100o é a fervura final.

Mudou o estilo e ingressou no segundo tempo do jogo, mais tático, certamente com a colaboração dos militares que levou para o Palácio. Passou a falar menos em público, cooptou partidos políticos, colocou militares em cargos-chave de todos os setores, ampliou a entrada de armamentos, em um quadro claro de preparativo para a segunda tentativa do golpe. Com a renda básica – que caiu no seu colo – melhorou a popularidade, a ponto dos idiotas da objetividade terem descoberto insondável talento político em seu estilo.

Hoje, a tática silenciosa emula o Exército de Brancaleone, do diretor italiano Mario Monicelli. O filme trata de temas bastante atuais, a peste negra, as relações feudais do país, e Brancaleone, que quer reivindicar um feudo e vai para a guerra cercado por um grupo de elementos mal-armados, mal encarados, temerosos, que procuram fugir das situações de maior risco. Não há melhor paralelo para o exército de Bolsoleone, com seus generais estranhos comandando as tropas formais, e trocando sopapos com os filhos, incumbidos da guerrilha pelas redes sociais.

Peça 4 – as espadas de Dâmocles

A apatia do Supremo não desarmou as várias espadas de Dâmocles que continuam pairando sobre a cabeça de Bolsonaro Há propostas de impeachment na Câmara, denúncias apuradas pelo Supremo Tribunal Federal e um processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o uso de esquemas de Fakenews nas eleições de 2018. Trata-se de um processo menos doloroso que o impeachment formal, que teria que passar pelo Congresso, ou os crimes de responsabilidade, que teriam que ser julgados pelo Supremo.

Se a chapa fosse condenada em 2020, haveria a convocação de novas eleições. Em 2021, quem assumiria seria o presidente da Câmara. Por aí se entende a tentativa do Supremo de garantir a reeleição de Rodrigo Maia, manobra frustrada quando Luiz Fux e Luís Roberto Barroso recuaram, intimidados pelas críticas gerais à interferência do STF. Ou seja, o STF teve todo poder do mundo para derrubar um governo legitimamente eleitor, mas “de esquerda”, e teria gastos seu arsenal de arbitrariedades para defender o país de um governo genocida.

De qualquer modo, é uma hipótese que fica parada no ar.

Peça 5 – o aumento do impeachmentômetro

Nas últimas semanas, o impeachmentômetro voltou a subir perigosamente devido aos seguintes pontos:

  1. Caso Abin e Receita

Um caso de banditismo explícito. O governo mobilizou a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) contra funcionários públicos que investigaram o filho do presidente. O último caso similar foi de Gregório Fortunato e sua “guarda negra”, que fazia a segurança de Getúlio Vargas.

  1. Liberação geral de armas

Em plena explosão de assaltos armados, de ampliação das milícias armadas, Bolsonaro dá mais um passo para a liberação geral de armas e de flexibilizaçao nos sistemas de identificação dos projéteis.

2. O genocídio da saúde.

Nas últimas semanas, a ofensiva de João Döria Jr, de lançar na frente a vacina do Butantã, produziu um novo tilt na cabeça de Bolsonaro, que tomou as seguintes medidas com ameaças diretas à saúde pública:

  • ameaçou boicotar a aprovação da vacina do Butantã
  • já está claramente tipificada sua responsabilidade no fracasso da política de saúde contra o Covid e na morte adicional de dezenas de milhares de pessoas.

https://twitter.com/i/status/1337704500119932934

3. Desperdiçou R$ 250 milhões em cloroquina.

Para ser colocado em farmácias populares, meramente para tentar entrar de carona na redução previsível dos casos, com a vacinação.

4. Até agora não aprovou o orçamento para 2021;

5. Promoveu uma represália direta contra a Globo,

Proibiu o bônus de veiculação (pagamentos para agências que trazem publicidade) apenas para ela. A Globo tem ampla influência junto a dois Ministros chaves, Luiz Fux, presidente do STF, e Luis Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. O editorial extravagantemente virulento da Folha, neste domingo, mostra que a mídia quer subir a fervura de Bolsonaro.

6. Enviou documento fraudado ao STF

Pressionado a entregar o plano de vacinação, o governo entregou um plano com a assinatura de dezenas de cientistas. Constatou-se que eram assinaturas falsas.

O ponto de fervura será a partir de janeiro se Bolsonaro não mudar o comportamento em relação às vacinas. A segunda onda de Covid estará no auge, as indecisões de Paulo Guedes estarão sob escrutínio diário

Não significa que o impeachment sao favas contadas.

A leitura do cenário é a seguinte: se não mudar o estilo e não surgirem fatos novos, o resultado final será o impeachment.

No meio do caminho, ocorreram eventos não planejados – como a derrota da manobra do STF para permitir a reeleição de Rodrigo Maia.

No movimento anterior, Bolsonaro chegou a abrir mão do ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo, como forma de acender o cachimbo da paz com o Supremo.

Pressionado, poderá até recuar nas represálias contra a Globo e voltar a despejar publicidade nos veículos de mídia recalcitrantes. Para o Supremo, este é o ponto mais sensível, não o acréscimo de dezenas de milhares de pessoas à morte, com suas loucuras à frentre da saúde.

De qualquer modo, o impeachmentômetro voltou a subir para o índice de 90o.

Redação

4 Comentários

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  1. Pode ser que J. Dória acelere esta fervura! O Supremo, (leia-se alguns poucos ministros) tem demonstrado que está preocupado com a situação da Pandemia e a incrível condição de desgoverno no trato da coisa. Pode ser que com a logística de vacinação em São Paulo funcionando perfeitamente, brasileiros de estados mais próximos comecem a “invadir” São Paulo para uma primeira vacinação. Daí ficará praticamente impossível para os demais estados da federação não solicitarem ao STF o mesmo tratamento dado a São Paulo. Aí teremos uma guerra interna pelo melhor sistema de vacinação e a total descredibilização do Governo Bolsoasno!

  2. Data vênia , discordo.

    A mídia e o STF batem no presidente , seu Biden não gosta dele , veremos.

    Seu “xadrez” depende da movimentação da “rainha” , o Presidente da Câmara , se esta peça não se move não tem jogo.

    Se mandar um “impixa” e não “impixar” em 22 seu Jair ganha no 1° turno de lavada.

    Deve estar na negociação da eleição da presidência das Casas este assunto todavia.

    Na minha opinião pessoal não mudaria com o Gal. Mourão , talvez mais (menos) dois anos deste governo (ou falta de) seja o menos ruim.

  3. O aumento do salário mínimo a 1% acima da inflação se acontecer, com o valor de R$1100,00, vai ser alardeado por ele como um aumento real que não estava havendo. Se conseguir montar a tal de renda Brasil vai manter ou ampliar o atual apoio. O povo não tá nem aí pra pauta de costumes ou política externa. Enquanto tiver 40 de aprovação tá seguro. A mídia comprometida com ele é vista pelo povo que lhe credita, como bondade, os R$600,00 do auxílio;

  4. Quem pariu Mateus que o embale. Esse deveria ser o mote da oposição progressista e do PT, a Geni dessa história.
    Em 2013, foi quando começou o apedrejamento. Lembremos. E, não para falar dos erros do governo petista, de Dilma a Lula, ou vice-versa. As pessoas e, por consequência, as iniciativas humanas são eivadas de erros e aí, também, incluídos os governos. Em política o que vale não são os erros cometidos, mas como eles encontram a narrativa e são relativizados no contexto. Os governos, a começar por de Costa e Silva a João Figueiredo, de Sarney a FHC, cometeram erros imensos que foram ou ignorados ou tratados com condescendência.
    O combate à ditadura, enquanto movimento social amplo só tomou corpo e saiu da esfera de ação dos “subversivos e comunistas” quando o chamado milagre econômico fez água, ficou sem combustível na crise do petróleo de 1973 e foi pro brejo de vez, em 1979. Enquanto atendeu ao rentismo e à geopolítica teve apoio.
    O mesmo aconteceu com Sarney. Entronado pela morte de Tancredo – este que La Huesuda poupou de se ver transformado de mineiro conciliador para mais um embusteiro na Presidência – surfou a onda até o Plano Cruzado esgotar as possibilidades. Enquanto durou foi apoiado. Quem nunca ouviu falar ou se esqueceu dos fiscais do Sarney dá uma googlada, irá conhecer os pais dos bolsominions, por seu turno filhos da TFP e dos seus Arautos do Evangelho. Resumindo, una família de pajeros creados por sus abuelitas.
    Collor, chegou amparado no mesmo tripé, empresariado, grande imprensa e classe média alta. Mas prometeu muito, entregou pouco e, rapidamente, a economia voltou para a situação anterior. Só então foi rifado. Mesmo cometendo erros crassos até que se mostrasse o inétpo inapto que sempre foi, foi sustentado e seus erros relativizados.
    Fernando Henrique é o exemplo mais evidente da passação de pano que se faz para quem está sintonizado com o poder. Beneficiou grupos de interesse, facilitou maracutaias homéricas, quebrou o país 3 vezes em oito anos e deixou terra arrasada. Segurou a inflação às custas da indústria nacional, do poder de compra da média e com um suposto controle fiscal detonou o serviço público. Mas, a galera gosta. Até hoje junta roda para balbuciar abobrinha e posar de erudito em tudo. Dá conselhos de política externa a tratamento de unha encravada…
    O contraste entre as narrativas dos governos do establishment e dos governos progressistas atende a um padrão. É importante porque foi, é e será desta forma. Traz desinformação, falsa no âmago e é uniforme na imprensa mainstream. Forma opinião, molda imagem e sustenta o discurso da direita, do extremo radical à ala neoliberal.
    Usemos o governo FHC como exemplo, the governor of efficiency drove an efficient govern. No período FHC, o Brasil, em termos de PIB per capta, cresceu míseros 4,9% em oito anos, com uma taxa de 0,6% a.a. No desemprego arrasou, pegou com 4,7 milhões e largou com quase 8 milhões de desocupados – sim, desocupados, governo eficiente não gera desemprego, quem não trabalha é porque é vagabundo. E a dívida externa? Erra cabrón, há hecho un puto trabajo, largó con 200 miles de millones de dólares, 50% arriba. Esse período de glória, the golden age do neoliberalismo tupiniquim está na memória popular como o tempo a que todos querem voltar. Sua trajetória vitoriosa em direção ao primeiro mundo foi interrompida pelo PT e o desastre que este causou. Essa é a síntese da mensagem que, repetida à exaustão, consolidou a imagem do PSDB & similares no imaginário popular.
    Vejamos o governo do PT. O pib per capita entre 2004 e 2015 cresceu 35%, a uma taxa anual de 2,8% (narrativa mainstream: graças à sólida base deixada por FHC e porque, seguiu a cartilha herdada). Zerou a dívida externa em 2008 e formou reservas cambiais de quase 400 bilhões de dólares (narrativa: pelo boom das commodities e a conjunção dos astros e de fatores econômicos favoráveis e fortuitos). Levou a taxa de desemprego de perto dos 11%, em 2003, para 4,3% em dezembro de 2014 que recrudesceu nos anos de 2016 e 217 (narrativa: a incompetência petista é inexorável na destruição de conquistas, não consegue segurar resultado e quando expulsos da presidência pelas forças democráticas comandadas por Eduardo Cunha e Michel Temer, deixaram uma taxa de desemprego perto daquela que receberam). A pauta de ações positivas, entre 2004 e 2014, reduziu a extrema pobreza em 63% (narrativa: medidas populistas).
    Tudo isso é conhecido, mas, o que tem a ver com o impeachment de Bolsonaro?
    Tudo. Se pensarmos não em pessoas ou mesmo em partidos específicos, mas, se olharmos para o grande cenário e a disputa de poder entre projetos distintos o quadro faz mais sentido.
    De um lado, afastado pela “voz das ruas” temos um projeto nacional-desenvolvimentista, voltado para o controle das riquezas nacionais, fortalecimento das instituições públicas e do papel do Estado como indutor do desenvolvimento econômico e social. Defende uso consciente e responsável do recursos naturais e a preservação ambiental, acesso universal serviços de saúde, educação pública e gratuita, direitos dos trabalhadores, direitos humanos e prega a redistribuição da riqueza e renda e a redução da pobreza e da desigualdade.
    No contraponto há o projeto, posto em marcha em 2016, que defende o estado-mínimo, a desregulamentação da atividade econômica, a redução da rede de proteção social e a ideia de que cabe ao capital privado fazer funcionar a economia e o direcionar os investimentos. Defende, sem evidencia empírica, a maior eficiência privada na alocação de recursos e na sua utilização uma vez que é orientada por mecanismos do livre mercado, o equilíbrio natural da oferta e demanda e o trickle-down economics que, a longo prazo, farão melhor cumprir os objetivos sociais.
    Propor o impeachment de Bolsonaro não depende, de há muito, da análise e avaliação da presença e validade das premissas legais e jurídicas. Isso é assunto superado, de pleno. As ações, omissões e manifestações públicas feitas por ele diretamente ou em seu nome e que, em ritmo diário, dão vazo à justificativa do impeachment são exemplares. É só uma questão de decidir quando se puxará o fio para desligar Bolsonaro da tomada.
    E quem decide, quem está com a mão no fio? Não é a esquerda, com certeza. É a base a direita, incluída a base de apoio do governo. Seja a base adesista do centrão-extrema direita, seja a base-fingindo-de-oposição (Novo, Podemos, PSD, DEM, PSDB e parte do MDB) o centrão-direita comportada. Para essa Mão-no-fio o que está na balança é até quando vale a pena carregar o fardo do governo e quando se tornará mais vantajoso pular fora e puxar o fio.
    Puxado o fio o que teremos?
    Se puxado o fio de Bolsonaro teremos Mourão. Na essência nada muda, exceto o que vier do acordo que será firmado entre ele e a Mão-no-fio. Nessa sala a esquerda nem entra, quanto mais para dar palpite.
    E se puxarem o fio da dupla Bolsonaro / Mourão? Improvável, mas possível. Na mesa a ação de cassação da chapa e com a palavra o STE. Nessa hipótese teríamos eleição indireta pelo Congresso Nacional, escolhendo o presidente para o exercício do mandato tampão, até janeiro de 2023. Pimpão para presidente? Algo assim, com absoluta certeza. Com o projeto da esquerda chutado de novo pra escanteio. Tão certo quanto o amanhecer de cada dia. E, com dano colateral.
    Explico, com a atual formação do Congresso Nacional, é inevitável Pimpão, o Bicão – ou um sucedâneo – chegar na cadeira do Planalto no embalo, cheio de gás e de moral por ser o símbolo de deposição de inculto déspota, da besta fera que destruiu o Brasil, já que nessa altura todo mundo que botou Bolsonaro lá se desvinculou da culpa e são todos democratas de 1ª estirpe.
    Então, botam o bloco na rua e a narrativa em cartaz. Anunciam a tarefa de liquidar com o obscurantismo e retomar os trilhos do programa – traçado em 2013 e ponto em prática em 2014 – de salvação da nação da incompetência atávica da esquerda e da corrupção desenfreada a que foi submetido o povo brasileiro durante 12 anos de PT. Programa esse que pelas fortuitudes da vida e da política nacional sofreu um breve interregno, um acidente de percurso, um imprevisto chamado bolsonarismo. Sob nova direção e com um novo posto Ipiranga, lá vamos nós outra vez…
    Como pano de fundo desta zorra, há, agora, a disputa pelas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. No Senado a esquerda está fora do jogo, assiste da arquibancada.
    Já, na Câmara, está empenhada em achar saída para uma sinuca de bico em que ela própria se enfiou. Contando, em tese, com 132 votos, está em meio a discussão para ver se apoia o candidato do atual presidente, Rodrigo Pimpão Maia, no primeiro turno, se apoia só no segundo ou se lança candidato próprio. Sem esquecer que dentre as suas hostes há aqueles que cogitam votar em Artur Lira, o lobo em pele de lobo, face à rejeição que têm ao judas Baleia Rossi. Um balaio de gatos em uma discussão que gira em torno de ganhar espaço na mesa diretora para poder influenciar na pauta, ter algum protagonismo ou, ao menos, algum espaço na mídia para fazer proselitismo, porque na prática não terão poder algum, é puro proselitismo escondendo ou cegueira estratégica das bancadas ou clientelismo dos seus membros.
    Em torno disso se acirram os argumentos em favor e contra as distintas posições e se apresentam incapazes de resolver a questão, deixando a impressão de uma nave sem rumo, uma nau de insensatos.
    Na essência, como no impeachment, é a mesma questão central que encerra a esquerda em um brete, aceitando previamente a derrota e tentando conter danos quando dá a perda como certa.
    O papel da esquerda e dos partidos progressistas no impeachment deveria ser o de ficar ao largo do problema. Na origem os culpados pela presente situação são os que apoiaram o golpe de 2016. A esquerda deveria marcar isso, não aceitar responsabilidade pelos dados e seguir fazendo oposição não só a Bolsonaro, mas a todos os que se alinham a um plano de poder que nega e exclui todos os princípios que amparam e o orientam o ideário da esquerda e os programas dos respectivos partidos. Principalmente, porque, ao defender o impeachment estará renovando as forças da direita e auxiliando a que siga destruindo o que restou do projeto nacional-desenvolvimentista. Deixe-se que a direita lide com o problema e arque com as consequências.
    Se o impeachment prosseguir será para atender ao plano da direita neoliberal, com tudo o que implica. A esquerda apoiar isso – ou pior, protagonizar – é, além de quebrar o galho da direita, aceitar a negação absoluta dos princípios progressistas no plano ético, moral e de qualquer compromisso programático.
    Além do mais, servindo como massa de manobra irá consolidar ainda mais a narrativa que a isola, exclui e aponta como causa e origem de todos os problemas pelos quais passa o País abrindo um corredor imenso para passar bois e boiadas.
    Não há como abrir negociação com a direita, em qualquer dos matizes, sem que se tenha de abrir mão de princípios que são, por natureza e significado, irrenunciáveis e inegociáveis.
    Tais fatos, se observada a premissa que princípios não são moeda de troca, tornam a discussão, tanto em torno do impeachment, quanto das eleições na Câmara e no Senado, sem sentido.
    O momento exige das forças progressistas coerência, postura ereta e coragem de lutar por ideais, ou seja, caráter.

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