O Futuro do Trabalho, Robotização e a Capacidade do Capitalismo para gerar Empregos Inúteis, por Rutger Bregman

Qualquer um que tema desemprego em massa subestima a extraordinária capacidade do capitalismo de gerar bullshit jobs.

Sugestão de Alfeu

no Sul21

O Futuro do Trabalho, Robotização e a Capacidade do Capitalismo para gerar Empregos Inúteis, por Rutger Bregman

Publicado em Evonomics por Rutger Bregman, em 17 de maio de 2017

Originalmente publicado em World Economic Forum

Muito já foi escrito em anos recentes sobre os perigos da automação. Com previsões de desemprego em massa, redução de salários e desigualdade crescente, obviamente devemos todos nos preocupar.

Hoje, não são mais apenas os observadores de tendências e tecnoprofetas do Vale do Silício que estão apreensivos. Em um estudo que já acumula mais de uma centena de citações, pesquisadores da Universidade de Oxford estimaram que não menos do que 47% de todos os empregos norte-americanos e 54% dos europeus correm alto risco de serem substituídos por máquinas – não em torno de cem anos, mas nos próximos vinte. “A única diferença real entre céticos e entusiastas é uma questão de tempo”diz um professor da New York University“Mas daqui a um século, ninguém vai mais se preocupar sobre quanto tempo levou, mas com o que aconteceu depois”.

Admito que já ouvimos isto antes. Empregados já vem se preocupando com a maré ascendente de automação por 200 anos, e por 200 anos empregadores vem dizendo que novos empregos se materializarão para substituí-los. Afinal, por volta de 1800, cerca de 74% dos norte-americanos eram fazendeiros, enquanto que em 1900 este número caiu para 31% e, em 2000, para meros 3%. Ainda assim, isto não resultou em desemprego em massa. Em 1930, o famoso economista John Maynard Keynes previa que estaríamos todos trabalhando apenas 15 horas por semana em 2030. Todavia, desde os anos 80 o trabalho vem consumindo cada vez mais nosso tempo, trazendo consigo ondas de stress e esgotamento.

Enquanto isto, o cerne da questão sequer vem sendo discutido. A grande pergunta que deveríamos fazer é: o que constitui realmente “trabalho” nos dias de hoje ?

O que é, afinal, “trabalho” ?

Em um levantamento de 2013 com 12.000 profissionais pela Harvard Business Review, a metade dos entrevistados declarou que seu trabalho não tinha “sentido e significado” e um número equivalente não se via inserido nas missões de suas empresas; enquanto outra pesquisa com 230.000 empregados em 142 países mostrou que apenas 13% dos trabalhadores realmente gostavam de seu trabalho. Uma pesquisa recente entre britânicos revelou que 37% deles tinham trabalhos que consideravam inúteis.

Eles possuem aquilo a que o antropólogo David Graeber se refere como “bullshit jobs”. No papel, tais trabalhos parecem fantásticos. Há mesmo hordas de profissionais de sucesso, com perfis de Linkedin vistosos e salários impressionantes, que no entanto voltam para casa todos os dias resmungando que seu trabalho não serve a propósito algum.

Deixemos outra coisa clara: não estou falando aqui de lixeiros, professores ou enfermeiros espalhados pelo mundo. Se estas pessoas entrassem em greve, teríamos em mãos um estado de emergência instantâneo. Não. Falo nos crescentes exércitos de consultores, banqueiros, conselheiros de impostos, gerentes e outros que ganham seu dinheiro em encontros estratégicos inter-setoriais entre pares para especular sobre valor agregado e co-criação na sociedade conectada. Ou algo no gênero.

Então, ainda haverá empregos suficientes para todos daqui a algumas décadas ? Qualquer um que tema desemprego em massa subestima a extraordinária capacidade do capitalismo de gerar bullshit jobs. Se realmente quisermos colher as recompensas pelos tremendos avanços tecnológicos das últimas décadas (incluindo a ascensão da robótica), precisamos redefinir radicalmente nossa definição de “trabalho”.

O paradoxo do progresso

Partimos de uma questão antiga: qual o sentido da vida ? Muitos dirão que o sentido da vida é tornar o mundo um pouco mais belo, mais aprazível ou mais interessante. Mas como ? Hoje, nossa principal resposta a isto é: através do trabalho.

Nossa definição de trabalho é, entretanto, incrivelmente estreita. Somente trabalho que gere dinheiro pode ser computado no PIB. Não é prá menos, então, que organizamos a educação em torno de fornecer o maior número possível de pessoas, em parcelas flexíveis, ao mercado de trabalho. Ainda assim, o que acontece quando uma proporção crescente de pessoas consideradas bem sucedidas segundo a régua de nossa economia do conhecimento diz que seu trabalho é inútil ?

Este é um dos grandes tabus de nossos tempos. Todo nosso sistema de atribuir sentido poderia de dissolver como fumaça.

A ironia é que o progresso tecnológico exacerba esta crise. Historicamente, a sociedade foi capaz de absorver mais bullshit jobsprecisamente por que robôs vem se tornando melhores. À medida em que fazendas e fábricas se tornaram mais eficientes, contribuíram para o encolhimento da economia. Quanto mais produtivas a agricultura e a manufatura de tornaram, menos pessoas empregaram. Chamem a isto o paradoxo do progresso: quanto mais ricos nos tornamos, mais tempo temos para desperdiçar. Como diz Brad Pitt no Clube da Luta: “Frequentemente, trabalhamos em empregos que detestamos só para comprar aquilo de que não precisamos”.

Chegou a hora de pararmos de dar as costas ao debate e focar no problema real: como seria nossa economia se radicalmente redefiníssemos o sentido de “trabalho” ? Acredito firmemente que uma renda mínima universal seja a resposta mais eficiente ao dilema da robotização crescente. Não por que robôs assumirão todo o trabalho útil, mas por que uma renda mínima daria a cada um a oportunidade de realizar algum trabalho que tenha sentido.

Acredito num futuro em que o valor de seu trabalho não seja determidado pelo tamanho de seu salário, mas pela quantidade de felicidade que você espalhe e de sentido que você dê. Acredito num futuro em que o objetivo da educação não seja prepará-lo para mais um trabalho inútil, mas para uma vida bem vivida. Acredito num futuro em que “trabalho seja  para robôs e vida para pessoas”.

E se a renda mínima lhe soa utópica, então eu gostaria de lhe lembrar que todo marco civilizatório – do fim da escravidão à democracia e aos direitos iguais para homens e mulheres – foi um dia uma fantasia utópica. Ou, como escreveu Oscar Wilde há muito tempo: “O Progresso é a realização de Utopias”.

* * *

 

Rutger Bregman é historiador e escritor, publicando na plataforma holandesa de jornalismo online The Correspondent. É autor de Utopia for Realists: How We Can Build the Ideal World, publicado por Bloomsbury na Reino Unido e por Little, Brown nos EUA. Twitter: @rcbregman

 

http://impromptu.sul21.com.br/2019/03/o-futuro-do-trabalho-robotizacao-e-a-capacidade-do-capitalismo-para-gerar-empregos-inuteis/

 

 

Redação

2 Comentários
  1. Este processo foi já previsto EXATAMENTE como vem ocorrendo exatamente por Karl Marx há mais ou menos 150 anos tanto no Capital como no Grundrisse (que muitos achavam ser meras anotações) Vejam em The Fragment on Machines Karl Marx –from The Grundrisse (pp. 690-712)
    Para quem não acredite leia a seguinte parte:
    ““Once adopted into the production process of capital, the means of labour passes through different metamorphoses, whose culmination is the… automatic system of machinery… set in motion by an automaton, a moving power that moves itself; this automaton consisting of numerous mechanical and intellectual organs, so that the workers themselves are cast merely as its conscious linkages.”
    Que traduzido de forma meio truncada pelo Google fica:
    “Uma vez adotado no processo de produção do capital, os meios de trabalho passam por diferentes metamorfoses, cuja culminação é o… sistema automático de maquinário… colocado em movimento por um autômato, uma potência móvel que se move; este autômato consiste em numerosos órgãos mecânicos e intelectuais, de modo que os próprios trabalhadores são lançados apenas como suas ligações conscientes ”.
    Ou seja, Marx previu a robótica e a inteligência artificial!
    Ele chega as seguintes conclusões:
    “Labour no longer appears so much to be included within the production process; rather, the human being comes to relate more as watchman and regulator to the production process itself… As soon as labour in the direct form has ceased to be the great well-spring of wealth, labour time ceases and must cease to be its measure.
    Capitalism thus works towards its own dissolution as the form dominating production.”
    …….
    …….
    “the general reduction of the necessary labour of society to a minimum, which corresponds to the artistic, scientific etc. development of the individuals in the time set free, and with the means created, for all of them. Capital itself is the moving contradiction, [in] that it presses to reduce labour time to a minimum, while it posits labour time, on the other side, as sole measure and source of wealth.”

    “O trabalho não parece mais ser incluído no processo de produção; antes, o ser humano passa a se relacionar mais como vigilante e regulador do próprio processo de produção … Assim que o trabalho na forma direta deixou de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho cessa e deve deixar de ser sua medida.
    O capitalismo, portanto, trabalha em direção à sua própria dissolução como forma de produção dominante.”
    …….
    …….
    “a redução geral do trabalho necessário da sociedade a um mínimo, que corresponde ao desenvolvimento artístico, científico etc. dos indivíduos no tempo libertado, e com os meios criados, para todos eles. Capital em si é a contradição em movimento, [em] que pressiona para reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto ele postula o tempo de trabalho, por outro lado, como única medida e fonte de riqueza.”

    Podem falar o que quiser, mas era de longe o maior gênio dos últimos milênios.

  2. Ok! O futuro com as maquinas e robôs estão aí entrando mercado. Porém eles esquecem que com essa modernização não haverá consumidor. Porque os mesmos não tendo emprego não terão dinheiro, não tendo dinheiro; não tem como consumir; não tendo como consumir iremos ver muitas firmas e indústrias fechando. Os ricos e os milionários podem substituir a mão de obra humana pela máquina, porém eles, não ganharão mais dinheiro como antes.

Comentários fechados.

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