O “Massacre de Ipatinga”, os trabalhadores e o laboratório do Golpe de 64

Falar do “Massacre de Ipatinga” é não falar, é sinônimo de silêncio. Silêncio forçado, traumatizado, a lembrança arrancada da memória.

Ipatinga foi o local escolhido para se construir uma usina siderurgica, a Usiminas. A estaca inicial foi fincada em 1958, e nessa época Ipatinga ainda era um pequeno distrito (Coronel Fabriciano-MG), mesmo assim o local é tomado pelas empreiteiras e empresas afins. Ao mesmo tempo, milhares de trabalhadores da região e de outros lugares, normalmente vindos do campo, também se dirigem para lá na esperança de condições de vida e de trabalho mais dignos, pois no campo elas são desumanas. Como o local era pequeno, não tinha estrutura para receber tanta gente, mas foi essa oferecida aos trabalhadores.                                                                     

06 de Outubro de 1963 :

“Nesta data, ao saírem de uma estafante jornada de trabalho, os operários se defrontaram com uma repressão ainda maior que a usual. Todo mundo foi revistado; ninguém poderia levar leite para casa; o que sobrou, tinha de ser jogado numa grande lixeira instalada na portaria. Um operário insistiu em levar o leite, era o único que tinha para dar ao seu filho. Um vigilante, então, atirou contra o recipiente, derramando o leite e, por pouco, não acertando o trabalhador. Foi o estopim. A massa de operários abriu o portão à força; os guardas nada puderam fazer. Acionada, a polícia, quando chegou, encontrou poucos trabalhadores, mas não “perdeu” a viagem. Os retardatários foram presos e espancados. Os soldados, porém, não se contentaram e foram para o alojamento Santa Mônica. Avisados com antecedência, os operários fizeram barricadas e se prepararam para a luta. Os policiais recuaram. Partiram, então, para o Chicago Blitz, acampamento dos trabalhadores de empreiteiras, mais frágeis.” (*)

Na manhã seguinte, a notícia do ocorrido na noite anterior já havia sido espalhada entre os trabalhadores, que logo se aglomeram na entrada da Usiminas e decretam greve. A direção aciona o Estado que envia policiais que chegam lá em caminhão sendo que um militar portava uma metralhadora. A tensão vai aumentando a cada momento até que os animos explodem e a polícia começa a atirar com a metralhadora em direção aos trabalhadores.

José Isabel do Nascimento era um dos trabalhadores e portava sempre uma máquina fotográfica. Ele foi o autor desta foto, e que levou um tiro momentos depois do registro, talvez o único do episódio.

 

O corpo de José Isabel do Nascimento, em reportagem da revista O Cruzeiro

 

Segundo alguns trabalhadores que lá estavam presentes o total de vítmas foi de 30 mortos e 3000 feridos, mas oficialmente foram apenas 8 os mortos:

Aides Dias de Carvalho, Alvino Ferreira Felipe, Antônio José Reis, Geraldo da Rocha Gualberto, Gilson Miranda, José Isabel do Nascimento, Sebastião Tomé de Souza, além da menina Eliana Martins de 3 meses, morta no colo da mãe pelas balas da metralhadora.

 

Desse modo a revolta só fez aumetar, mesmo sob fogo os operários reagiram e os policiais tiveram que fugir; os três dias seguintes a usina ficou tomada pelos trabalhadores quando atearam fogo no caminhão da polícia. 

Depois desse período uma comissão estadual foi negociar junto aos grevistas que conseguiram que as suas reivindicações como salários, moradias, alimentação, condições de trabalho, etc fossem atendidas.

Meses depois vem o golpe de 64, e para os trabalhadores de Ipatinga um outro golpe, o baixo; com a reação a implantação de algumas reivindicações foi interrompida, muitos foram mandados embora do trabalho e também da cidade.

Fábio Nascimento vai para Ipatinga filmar o documentário “Silêncio 63” na tentativa de obter alguma narrativa além dos fatos já conhecidos, entrevista diversas pessoas até chegar ao seu avô, que ao saber que era sobre o Massacre de Ipatinga, cai num silencio profundo.

 

(*) http://averdade.org.br/2011/09/o-massacre-dos-operarios-da-usiminas/

 

 

 

Redação

7 Comentários

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  1. A perseguição aos
    A perseguição aos trabalhadores em Ipatinga sempre foi uma rotina na vida da Usiminas, que procurava controlar tudo na cidade. Meu pai foi trabalhador da empresa e ao sair brigado com os chefes, jamais conseguiu trabalhar em outra empresa estatal apesar da excelente qualificação. Até hoje suspeitamos de uma “lista negra” de trabalhadores mal quistos a empresa. A Usiminas, mesmo atuando fortemente na cidade é mal vista pelos moradores, que eleição após eleição vota em candidatos a prefeito contrário a orientação da empresa.

  2. Esse massacre aconteceu em

    Esse massacre aconteceu em Minas Gerais às vésperas do Golple de 64. Quem era o Governador de Minas então? Era o banqueiro e “Comandante Civil” do golple José de Magalhães Pinto.

  3. E o comandante…

    Esse massacre aconteceu em Minas Gerais às vésperas do Golple de 64. Quem era o Governador de Minas então? Era o banqueiro e “Comandante Civil” do golple José de Magalhães Pinto.

  4. Essa placa da obra

    possui dois detalhezinhos (talvez irrelevantes mas) bem interessantes: o endereço de BH, avenida Amazonas 491 é do edifício Dantés, que até hoje ainda está em obras!

    Nele, várias empresas alugaram escritórios por lá: uma certa ORCOMA (Organização Comercial Mannesmann), que foi, durante algum tempo ao que parece, ter sido a única empresa que comprava produtos da Siderúrgica Mannesmann, e os revendia a terceiros. Com isso conseguia “driblar” o controle de preços na época: a Siderúrgica cobrava rigorosamente os preços estabelecidos pelo governo – da ORCOMA – que vendia ao preço que quisesse a terceiros. Ou seja, o lucro apenas dava uma voltinha. 

    Além disto, durante algum tempo funcionou no mesmo endereço a Vale do Rio Doce, no mesmo andar e em vários outros do mesmo prédio. 

    O tal engenheiro civil apontado como responsável, Gil Guatimosim morava em uma casa bem espaçosa na rua dos Inconfidentes, entre avenida do Contorno e avenida Afonso Pena, perto do Corpo de Bombeiros.

    E seu vizinho era Amaro Lanari Junior, o presidente da Usiminas. Ou seja, podiam trocar figurinhas por cima do muro que separavam as casas. 

    A própria Usiminas acabou virando empresa estatal, e mais tarde, acho que no governo Itamar Franco, foi privatizada. Depois de passar na mão de vários donos, atualmente está na mão de um grupo argentino. 

    A Caixa de Aposentadoria da Usiminas é sócia do empreendimento BH Shopping, por onde passam 31 milhões de pessoas por ano. 

  5. Essa é a minha Minas Gerais

    Essa é a minha Minas Gerais !

    Solidariedade no câncer.

    Conservadora e racista.

    A produzir

    crime e resignação

  6. MASSACRE DE IPATINGA

    Morei em Ipatinga na eṕoca, meus familiares trabalhavam na Usiminas.  É claro que o Massacre de Ipatinga tem tudo a ver com o golpe de 1964. Um dos principais articuladores do golpe foi o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto. Ele que nomeou o comandante geral da PMMG e também indicou executivos da Usiminas. Estes parceiros promoveram uma repressão brutal de trabalhadores em Ipatinga, antevendo o que seria a repressão a trabalhadores logo depois do golpe militar.

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