Bolsonaro, o mito que combate a ciência

Os prosélitos do bolsonarismo passaram a chamar o seu líder de mito. Nada mais apropriado. Explico. Nos dicionários, o substantivo masculino “mito” é entendido como uma quimera, coisa ou pessoa que não existe, mas que se supõe real. Mesmo sem qualquer indício da existência do mito, ainda assim acredita-se nele. E crer no mito corresponde a acreditar na sua infalibilidade, afinal o mito sempre está certo.

O filósofo Karl Popper propôs a teoria da falseabilidade (falseacionismo) para certificar se um enunciado ou predição tem validade científica ou se é pseudociência. Segundo tal critério, todo enunciado ou predição que se apresenta como infalseável – ou seja, infalível – não tem estatuto científico.

Desse modo, a ciência reivindica a possibilidade de que o conhecimento por ela produzido pode ser falseado, ou seja, refutado, superado ou até melhorado por outro conhecimento. Assim, a ciência sustenta que está sempre em desenvolvimento e que nesse processo ela pode detectar os seus aspectos falsos. Um cientista, portanto, é um cético, que questiona inclusive a validade da ciência posta. Ver para crer, já diria Tomé, se me for permitida a alusão sarcástica…

Albert Einstein e a teoria da relatividade questionaram Isaac Newton e a mecânica clássica. Agora, Einstein é questionado por outros físicos e outras predições. Ou seja, Newton e Einstein foram grandes, mas não “mitaram”, suas predições são falseáveis – i.e., com o desenvolvimento da ciência, é possível ver quais frações dessas predições têm comprovação e quais se mostram falsas ou incompletas (o mesmo valendo até para os experimentos de comprovação). E assim se faz ciência.

Se a ciência admite ser falseável, a pseudociência não admite prova de ser falsa – é infalseável. Esse é o diferencial, a ciência suporta ser falseável, a visão mítica se desmorona diante da hipótese de ser falível. Aliás, sobre o conceito de falseacionismo, recomendo a leitura da obra Ciência e Pseudociência – Por que acreditamos apenas naquilo em que queremos acreditar, de Rolando Pilati, Editora Contexto, 2018.

Pois a mitologia, o “campo de atuação” do mito e do fastástico, é infalseável. Por isso, Bolsonaro – e as ideias que ele representa – quando alçado no habitat em que vivem os mitos, buscou exatamente o estado de infalseável. O mesmo ocorreu com a Lava Jato, mas isso já outro papo.

OBolsonaro mito se acha – e faz propaganda disso – infalseável. O mesmo pode se dizer de boa parte dos seus acólitos de governo. Nesse contexto é que se compreende figuras como Damares Alves, a ministra do pé de goiaba, do azul e rosa e das calcinhas, Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores que nega o aquecimento global e que a Amazônia está sendo queimada, e Paulo Guedes, o ministro da Economia que quer aplicar no Brasil uma teoria econômica e uma previdência que não deram certo nos lugares que foram executadas.

Um governo que se sustenta no discurso do mito não pode suportar a ciência. A ciência passa a ser sua inimiga, tem de ser atacada, diminuida e controlada.

Assim, num governo infalseável, que despreza a ciência, é natural atacar o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), restringindo seu acesso ao Orçamento Público. Em 2018, o governo golpista de Temer já havia cortado metade da verba do CNPq. O Governo Bolsonaro aprofundou a crise, cortou mais verbas e caminha para inviabilizar 84 mil bolsas de pesquisas.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na 71ª Reunião Anual, realizada em Campo Grande (MS), conforme divulgado pela grande mídia, denunciou que o CNPq precisa de R$ 340 milhões para observar o seu compromisso com a ciência brasileira e seus cientistas, barrados por cortes do governo Bolsonaro.

Segundo a SBPC, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações reduziu o gasto com ciência ano de R$ 3,865 bilhões em 2018 para tão somente R$ 932 milhões até julho de 2019. Se continuar no mesmo ritmo até final do ano, o gasto com ciência cairá para mais da metade, regressando ao nível de investimento há 15 anos.

Atacar a ciência financiada a partir de políticas públicas não é só o resultado da crise fiscal e econômica. É um projeto que está sendo bem executado pelo governo do mito, tanto pelo braço econômico neoliberal, que quer a ciência totalmente dependente do mercado, bem como pelo tentáculo obscurantista, que acredita num mundo fantástico.

Redação

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