Bruno Lima Rocha
Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.
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Bandeiras de Israel nos atos da extrema direita: um debate de fundo, por Bruno Lima Rocha

O fenômeno chegou ao Brasil e se massificou através das empresas de exploração da fé alheia, baseadas na pregação pentecostal, através da Teologia da Prosperidade e das relações com o chamado “sionismo evangélico”

Bandeiras de Israel nos atos da extrema direita: um debate de fundo

por Bruno Lima Rocha

No domingo, 03 de maio, o presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, surge na rampa do Planalto junto a duas outras bandeiras: a dos Estados Unidos e do Estado de Israel. A convocatória do ato não pode ser mais execrável. Fim do isolamento social, sociopatia coletiva subestimando a pandemia, ofensas à OMS e a constante briga do protofascismo com as instituições liberal-burguesas. Qualquer semelhança com o clima político da Alemanha dos anos’30 não seria nenhuma coincidência. As nuances entre esses momentos históricos mudaram, mas há semelhança.

É fato. O “novo normal” é ver a presença da bandeira de Israel em atos do boslonarismo. Isso porque as relações da extrema direita brasileira, como o país ainda governado por Benjamin Netanyahu, são relativamente novas, mas já constituem um padrão. A farsa de “defesa do ocidente” reproduzindo uma aliança tramada nos EUA desde a década de ’90 – neocon e telecon –, aponta que esse Estado seria o bastião do mundo europeu no Oriente Médio. Em parte é verdade.

O fenômeno chegou ao Brasil e se massificou através das empresas de exploração da fé alheia, baseadas na pregação pentecostal, através da Teologia da Prosperidade e das relações com o chamado “sionismo evangélico”, com origens no cinturão bíblico do Império.  Também é certo e verificável que tal aliança consegue furar o justo bloqueio contra as políticas de apartheid israelense, mas com uma inequívoca guinada à direita, muito à direita, tão mais à direita, que chegam a conviver com espaços políticos tipicamente supremacistas e neonazistas. Por vezes discreto, noutras nem tanto, apoiadores do colonialismo israelense se veem lado a lado com antissemitas. Vejamos um exemplo.

Uma personagem sinistra

A brasileira Sara Fernanda Giromini adota o apelido de Sara Winter. Nascida em São Carlos, no interior de São Paulo, a agitadora de extrema direita utiliza a alcunha de uma ex-socialite que participou ativamente na União Britânica de Fascistas (UBF), racha do racha à direita do Partido Trabalhista inglês, fundada por Osvald Mosley. A UBF, onde militava a Sarah Winter original, era abertamente antissemita, e reproduzia os discursos de ódio racial, linguístico, étnico-cultural e religioso.  No Pós-Guerra, Mosley continuou atuando na política, fundando uma espécie de movimento de unificação europeu ou eurocentrado. Tais teses derivaram em algo próximo ao pertencimento do mundo eurocêntrico, que agrega no panorama de ideias a fascistas e neonazistas ucranianos. Qualquer parecença de discursos com o imbecil farsante do Olavo de Carvalho, tentando imitar ou se contrapor ao demente Alexander Dugin e seus asseclas intelectuais, não são nenhuma coincidência.

Sara Winter, o alias de Sara Fernanda, foi uma das figuras centrais da agitação fascista do domingo, 03 de maio, em Brasília. Lá, a ex-assessora da ministra Damares Alves (ainda titular da pasta da Mulheres, Família e Direitos Humanos) “brilhou”. Antes do cargo comissionado como Secretária Nacional da Mulher, a versão brasileira da fascista britânica concorreu à deputada federal pelo DEM de São Paulo, não sendo eleita.

As relações perigosas continuaram. Em 30 de abril de 2020, a militante de extrema direita com vínculos neonazistas posta em seu perfil no Facebook uma matéria absurda, onde o portal bolsonarista “Brasil Sem Medo” afirma que “Queda do Bolsonaro deixaria o caminho livre para Soros no Brasil”. Seria uma entrevista com o “jornalista investigativo”, Nicolás Morás. No mesmo portal, dia 05 de maio de 2020, em conteúdo exclusivo para assinantes, a chamada é “Israel anuncia descoberta de anticorpo para o Covid-19”. Soros, além de especulador financeiro e grande doador do Partido Democrata dos EUA (tem dupla cidadania, húngara e estadunidense), tem ascendência judaica e sofreu perseguição quando os nazistas ocuparam a Hungria. Estranho não? Na mesma publicação pode ser lida uma absurda teoria conspiratória e evidente alusão antissemita e, ao mesmo tempo, a chamada simpática à indústria de Israel.

Voltando à personagem Sara Winter, a fascista brasileira afirma seus laços com Olavo de Carvalho. Este, sempre envolto em controvérsias, foi acusado de antissemita pelo excelente site jornalístico The Intercept, cujo editor, Glenn Greenwald, é de família judaica. É evidente que não se pode considerar Olavo “inimigo do Estado de Israel”, mas sim antissemita no sentido mais amplo, pois as culturas semitas não são exclusivas dos hebreus. Semitas também somos todos os descendentes de Ismail. Como o antissemitismo é uma invenção do ocidente e o farsante ex-astrólogo confunde tudo de propósito, se dizendo defensor das “tradições” judaico-cristãs, esse energúmeno, que não aprovaria em disciplina de primeiro semestre em  ciências humanas, consegue gerar a confusão necessária para justificar tanto seu apoio a Tel Aviv como sua simpatia com teorias “essencialistas” das culturas.

Sara Winter promoveu o lema “vamos ucranizar o Brasil”. De certo se refere à formação dos grupos de apoio que acamparam em Kiev (no movimento Euromaidan, tendo início em novembro de 2013), quando a crise com a Rússia avançava para a chamada Guerra de Donbass, iniciada em fevereiro de 2014. A Ucrânia está em guerra por controle territorial até agora, por dois fatores: a vitória do movimento apoiado por Sara brasileira e a luta da minoria russo-étnica no leste do país. No meio de tudo isso, contratos de óleo e gás além do acesso ao Mar Negro. O impasse militar levou à formação dos enclaves pró-Rússia de Donetsk e Luhansk, além da re-anexação da Crimeia à Federação Russa.

A Ucrânia teve suas mais recentes eleições presidenciais em abril de 2019, sendo o regime neste país o semi-parlamentarismo. Foi eleito o ator e comediante Volodymyr Oleksandrovych Zelenskyy (mais conhecido como Zelenskyy), de família judaica. A campanha do comediante teve amplo apoio financeiro do oligarca Ihor Valeriyovych Kolomoyskyi e ambos deram suporte, em todos os níveis, para a luta anti-separatista. Na formação dos chamados “batalhões de voluntários ucranianos”, tinha de tudo e quase tudo o que não presta. Nenhuma palavra condenatória de Zelensky, Kolomoyski e companhia. Ambos querem se safar de problemas e estar bem com a OTAN e a Federação Russa.

Não é uma aliança de oligarcas e políticos que reivindicam sua origem judaica com neonazistas, é cinismo mesmo. Oportunismo cínico de negociantes e politiqueiros, não importando a origem destes. Mas, símbolos nazistas eram – são – abundantes, tanto na Ucrânia dos Euromaidan, como no Brasil de Bolsonaro.  Alguém viu o Estado de Israel se mobilizando contra? Colocando seus vastos recursos de inteligência e os longos braços operacionais contra a laia? Pois é.

No Brasil, uma tímida reação não oficial

Na página da Confederação Israelita do Brasil (CONIB), ao menos até o momento em que este artigo foi concluído, a única notícia que havia criticando diretamente o governo Bolsonaro dizia respeito ao chanceler, Ernesto Araújo, e mais uma comparação infeliz dele. O péssimo ministro do Itamaraty bolsonarista – o que já foi chamado de idiota em cadeia nacional de televisão –, comparou o isolamento social com campos de concentração.  A crítica da CONIB é justa, mas a omissão, não. O presidente da Confederação repudiou a presença da bandeira de Israel em atos anti-democráticos com o seguinte argumento:  “A comunidade judaica brasileira é plural. Há judeus e judias em todos os campos do espectro político, da direita à esquerda, de centro, apoiadores e opositores do governo…”(ver  https://www.conib.org.br/conib-faz-alerta-sobre-uso-de-bandeiras-de-israel-em-manifestacoes/).

Outras entidades, como já afirmamos anteriormente, da controversa “esquerda” sionista, também criticaram a presença da bandeira. Mas, referências diretas às relações entre a pregação de Bolsonaro, o chamado “sionismo evangélico” e das novas extremas direitas dos EUA com vínculos nazistas, até agora nada – ou quase nada – apareceu.

A mesma checagem foi realizada na página oficial da Embaixada de Israel no Brasil. Nem uma linha na página de capa, em busca simples pela internet, a presença da bandeira com a estrela de David foi por vezes condenada, mas nada que relacione diretamente esse controverso leque de alianças.

Evidências, sem hipocrisia

Vamos às evidências. Existe posicionamento de extrema direita em todas as comunidades étnico-culturais e, por vezes, essa posição horrorosa encontra novas formas. Por isso, denominar ao bolsonarismo como “protofascismo” não é exagero. Tampouco é correto associar origens com posicionamentos. Se assim fosse, os mais de 12 milhões de brasileiros e brasileiras com origens libanesas (portanto árabe-descendentes) formariam uma enorme base de apoio para a libertação da Palestina e a defesa incondicional da soberania do Líbano. Com essa suposta coerência, jamais poderíamos imaginar que Paulo Guedes teria como braço direito a um “brimo” chamado José Salim Mattar Jr. O que dizer de personagens da mesma estirpe, como Naji Nahas ou Paulo Salim Maluf? Podemos ser condescendentes? JAMAIS.

A vocação colonial do Estado de Israel tolera até a presença de antissemitas em atos com sua bandeira. É asqueroso, mas é verdadeiro. É a mesma “tolerância” seletiva e indignação “desproporcional” que tenta colocar a situação do conflito árabe-israelense e a ocupação de Israel na Palestina como sendo “as duas partes de um problema complexo”? A “complexidade” inclui uma ocupação militar ilegal, desde junho de 1967, cujo período posterior aos “acordos” de Oslo resulta em Ocupação na Cisjordânia. Na era recente, a política de apartheid e bantustão aumentam, pois, desde junho de 2007, o Estado de Israel promove um Cerco à Faixa de Gaza (incluindo as águas territoriais e a chantagem sobre os traidores do Cairo, que também cercam Gaza através do Sinai). Até quando tamanha hipocrisia vai prevalecer?

Esse artigo foi publicado originalmente no Monitor do Oriente Médio (monitordooriente.com)

Bruno Baaklini (Bruno Lima Rocha Beaklini) é brasileiro de origem árabe-libanesa e apoiador da Causa Palestina e do pan-arabismo socialista desde 1982.

Bruno Lima Rocha

Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.

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