Bruno Lima Rocha
Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.
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O individualismo, os individualismos simbólicos e a bizarrice como forma de fazer política, por Bruno Lima Rocha

O clã Bolsonaro é fruto direto destas redes embora a clientela política do primeiro, a baixa soldadesca e os corpos policiais militarizados estaduais, seja anterior ao caos cibernético nacional.

O individualismo, os individualismos simbólicos e a bizarrice como forma de fazer política

por Bruno Lima Rocha

Definitivamente podemos afirmar que a segunda década do século XXI coloca o debate “político” dos Estados Unidos dentro da esfera pública brasileira, em especial das esferas públicas cibernética e acadêmica nacionais. Poderia ser uma situação positiva, visto que a multiplicidade de sujeitos sociais traria uma potência emergente de distintas camadas de nossa sociedade com vontade própria e uma agenda política coletiva. Os então chamados “novíssimos movimentos sociais” hoje são uma realidade parcial, onde abundam as “personalidades” e escasseiam de inanição as instâncias apropriadas. As palavras que seguem aportam um grão de areia crítico neste debate.

Qual o limite para a bizarrice? Uma crítica por esquerda

Reconheço que o uso intenso de redes sociais – no meu caso em particular – vai ao encontro da quebra da rotina e da ausência de inserção social direta. Recentemente em entrevista ao programa de webradio catarinense Planeta Ilha, afirmei que hoje no país temos uma coletânea de subcelebridades cibernéticas e que isso causa um mal ao movimento popular brasileiro. Fazia autocrítica e falava de mim mesmo, em escala regional. Não me referia também aos que entraram para a política pelo atalho das redes, como o esforçado deputado conservador Alexandre Frota (PSL-SP, sem ironia dessa vez). Digo para uma legião que toma atalho ou potencializa sua projeção – autopromoção – sem estar necessariamente vinculado, vinculada – a um projeto coletivo.

Graças ao espírito livre de São Sepé eu estou, modestamente, no círculo de apoio fixo ao projeto socialista e libertário da coordenação brasileira. Ainda assim, é absurda a proporção que por vezes, toma uma posição individual em detrimento da opinião coletiva. A esquerda, as esquerdas, com certo zelo pelas esquerdas mais à esquerda e com determinação estratégica de ajudar na organização popular, se veem nesta encruzilhada. Reforço. Quem está mais à esquerda se preserva, até pastoralmente, mas a internet brasileira tem uma coleção de generais e generalas avermelhadas, debatendo “estratégia” sem base social definida e individualizando o nível de análise. Ou seja, quase tudo acaba no limbo do individualismo e dos “projetinhos pessoais”. Falta virtú, falta muita virtú. 

Qual o limite para a bizarrice? Uma crítica para a direita

Mesmo ponderando que o labirinto identitário despolitizado levou uma parcela das esquerdas nacionais às raias do manicômio colonizado – reproduzindo e mimetizando a sandice da “esquerda acadêmica” da gringolândia aqui nos trópicos e subtrópicos -, é preciso admitir que a bizarrice se tornou a arma da reação. E mais uma vez estamos diante do jogo de espelhos, espelhos retorcidos é verdade, das direitas mais à direita segundo a polarização política dos EUA, e atuando em terras brasileiras.

O clã Bolsonaro é fruto direto destas redes embora a clientela política do primeiro, a baixa soldadesca e os corpos policiais militarizados estaduais, seja anterior ao caos cibernético nacional. Se admitirmos que o país vive uma onda da nova extrema direita em sintonia com o que há de pior no Norte Hegemônico – Trump no Império do Hamburguestão; Matteo Salvini na península itálica e Viktor Orbán na Hungria da “pureza magiare” – logo a capacidade de sermos colonizados também por aí é enorme. Como nem tudo é reprodução, a versão nacional – antinacionalista e entreguista por sinal – atende pelo nome de bolsonarismo e está se desvencilhando, apeando do movimento de massas manobráveis que inicia no segundo turno de 2014 e culmina no golpe jurídico-parlamentar que depôs a ex-presidenta Dilma Rousseff sem lhe cassar os direitos políticos.

Afirmo. O bolsonarismo virou o próprio jogo, não é refém de militares de alta patente; fez de Moro pós-Intercept passar de Batman à Robin e hoje polariza a nova (velha, bem velha) direita brasileira. As micaretas fascistoides de domingo dia 30 de junho refletem isso. Os desentendimentos entre “movimentos” cibernéticos do bolsonarismo e as estruturas semi-formais do MBL resultaram em tapas sem beijos em plena Avenida Paulista e outros locais públicos. O que era para ser um “happening fascistinha” do tipo Marcha de Fariseus pela Família, a Propriedade e o Entreguismo terminou em “briga de galera” entre ultraliberais colonizados e neo-integralistas aderentes a teses que nem o pior delírio de Gustavo Barroso admitiria.

Logo, se este analista torce efusivamente para que o impagável vereador pelo PSC-RJ, Carlos Bolsonaro, crie uma, duas, várias crises por semana, por outro, reconheço que o bolsonarismo vive de e para suas crises. Sei que nada disso impede o caos social e nem vai frear o desmonte da base industrial restante pelo especulador Paulo Guedes – Chicago Boy de raiz – e os ocupantes de postos-chave no desgoverno. Ou seja, a bizarrice faz em grande parte o papel de oposição interna e situação desconfortável. Tem limite para o caos administrativo? Os manuais de ciência política falam no perigo da “paralisia decisória”. Será esta a esperança visível?

Não é difícil ampliar os conflitos já existentes nas bases da nova (velha) direita que chega ao poder através de uma eleição onde o único centro possível era a centro-esquerda e cujo favorito estava preso sem provas – e como tal segue. O difícil é transformar em potência social e organizada essa profusão de identidades e representações simbólicas que marcam a segunda década do século XXI em nosso país. Que todas e todos os sujeitos sociais sejam transformados em agentes coletivos e marquem uma pauta de lutas que convirjam para uma agenda comum e solidária. Mas para tal, ao menos uma parcela dos e das arrivistas terá de ser deposto dos status simbólicos. Portanto, que tenham como “lugar de fala” apenas e tão somente as posições delegadas pelas devidas instâncias sociais ou políticas. Sei que soa “antiquado”, mas fora do coletivismo classista não há saída alguma para ninguém.

Obs: quem escreve é socialmente branco, professor universitário e de classe média composta por família de origem imigrante. Não tenho nenhuma “legitimidade de berço” para afirmar o óbvio, somente a força do óbvio mesmo.

Bruno Lima Rocha ([email protected] / t.me/estrategiaeanalise) é pós-doutorando em economia política, doutor e mestre em ciência política, professor nos cursos de relações internacionais, comunicação social e direito; membro do Grupo de Pesquisa Capital e Estado (https://www.facebook.com/capetacapitaleestado/)

Bruno Lima Rocha, 03 de julho de 2019

Bruno Lima Rocha

Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.

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