Ovos, escrachos, e a indiferença, por Carlos Motta

Ovos, escrachos, e a indiferença

por Carlos Motta

A semana passada foi de lascar, cheia de acontecimentos trágicos que, fosse o Brasil uma nação desenvolvida, com um povo minimamente educado e consciente de sua cidadania, hoje as ruas estariam cheias de barricadas, com molotovs cuspindo um fogaréu glorioso, e a multidão, enfurecida, faria valer os seus direitos na marra.

Como, porém, somos uma república de bananas, o máximo que se vê de indignação contra a quadrilha que tomou de assalto o Palácio do Planalto e destrói, sem nenhuma piedade, o pouco de democracia que havia por aqui, é uma ou outra manifestação nas ruas, e muito blá-blá-blá – ou seja, nada que incomode os golpistas.

A exceção nessa semana aziaga foi a ovada que a deputada filha do ministro da Saúde recebeu como presente de casamento – em plena cerimônia, repleta de fausto, luxo e ostentação, na mais que simbólica Curitiba, capital que disputa com São Paulo a primazia de ser a vanguarda do conservadorismo – ou atraso, como queiram – deste Brasilzão velho de guerra.

Fora a chuva de proteína animal que abençoou o casamento da moça, típica representante da mais cruel oligarquia do planeta, merece também destaque, nessa semana de infortúnios, o escracho que alguns jovens fizeram defronte à mansão de 7 mil metros quadrados do prefeito paulistano, que reagiu ao ato com a típica bazófia dos covardes que não andam sem a proteção de bem vestidos jagunços.

No mais, a oposição ao bando de picaretas homiziados em Brasília segue frouxa, sem ímpeto, sem direção, e, pior, sem contaminar a massa, que continua indiferente a tudo o que ocorre na vida do país.

Aqui na pequenina Serra Negra, interior de São Paulo, uma multidão enchia as ruas centrais, os bares, restaurante e hotéis, no fim de semana, agindo como se tudo estivesse absolutamente normal, e o seu futuro como assalariados já não tivesse sido irremediavelmente comprometido com a destruição da CLT.

Serra Negra, é bom esclarecer, vive essencialmente do turismo – a sua rua principal é um enorme shopping center ao ar livre, com centenas de lojas de roupas, comidas, artesanato e decoração. 

No fim da tarde de domingo, na praça João Zelante, no coração da cidade, casais dançavam em frente ao palco-coreto e outras dezenas de pessoas apreciavam a apresentação do grupo Amigos do Samba. 

Numa das cadeiras de plástico branco da plateia sentava-se uma senhora, minha vizinha, viúva, que se mudou para a cidade há alguns anos, para ficar perto da filha e fugir da carestia e atropelo da capital. Dia desses ela contou que no começo do ano teve de fazer um procedimento cirúrgico no coração.

– Fiz pelo SUS, foi ótimo – disse.

Ao vê-la balançando o corpo no ritmo do samba que a rapaziada caprichava no palco-coreto, fiquei pensando se passou pela sua cabeça que, em breve, não só a saúde, como a educação, deixará de ser um direito para todos – ela, inclusive.

Provavelmente, não.

Afinal, ela é uma típica brasileira de classe média.

Portanto, que venham mais ovadas e escrachos públicos, na falta de coisa mais contundente, contra esses ladrões de sonhos e esperanças – já que esse parece ser, pelo que se vê, o limite da resistência do povo brasileiro aos golpistas. 

Melhor isso do que nada.

Redação

7 Comentários

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  1. Não aprendem, não entendem

    As marias antonietas do Brasil não aprendem com as lições que vêm recebendo, ainda que parciais, é claro. Como diz um amigo francês “mas para quando a revolução brasileira?”

  2. Enquanto o máximo de incomôdo

    Enquanto o máximo de incomôdo a essa elite parasitária for isso – jogar ovos -, nossa elite parasitária vai continuar agradecendo a deus por esse povo bovino, que vê seus direitos mínimos serem tirados à luz do dia e não consegue, no dia seguinte, fazer um protesto. Quem sabe um dia esse povo vai tirar a cabeça desses que nos fazem de coisas. 

  3. Os brasileiros ainda não apreenderam a fazer coqueteeis ……

    Os brasileiros ainda não apreenderam a fazer coqueteeis Molotov, porém tudo isto é uma questão de aprendizado!

  4. Ação boa pra desestressar, mas….Falta foco !!

    Falta foco nas manifestações contra ministrecos de supreminhos, juizecos de províncias, aumento do desemprego, falta de leitos em hospitais, atraso de pagamento do funcionalismo no RJ, perseguição criminosa ao Lula, violência intolerável no RJ e demais estados da federação, aprovação de leis que escravizam o povo etc… .

    Toda esta degradante situação tem a contribuição efetiva das organizações Globo, portanto, nada de passeatadas na Paulista, manifestações na Candelária e Cinelândia, escrachos em politiqueiros salafrários etc….

    Que todos os insatisfeitos com este insuportável quadro protestem em frente as sedes da Globo no RJ (MATRIZ) e nas demais sedes das afiliadas em todo o Brasil .

    Que 40 mil manifestantes ocupem as calçadas nas sedes da Globo no RJ, 15 mil em SP e outros tantos mil em todos os estados da federação .

     

    1. Não acho que haja uma falta de foco, é a ocupação do espaço…..

      Não acho que haja uma falta de foco, é a ocupação do espaço público.

      Quando olhei pela primeira vez me pareceu um ato quase que infantil, entretanto olhando melhor verefiquei que é uma ocupação do espaço público pelo povo e uma expulsão das oligarquias destes.

      O foco seria o seguinte, se as oligarquias estão pouco ligando para o que 90% da população brasileira deseja então que DESOCUPEM O NOSSO PAÍS, ou seja, que vão passear, fazer compras (como de supermercado), casar-se, mandar os filhos para colégios e creches, passear em praias e qualquer local EM OUTRO PAÍS, emigrem, pois aqui não deveria ter mais espaço para eles.

      No lugar de um ocupem qualquer coisa que eles 

      DESOCUPEM O NOSSO PAÍS.

      1. Não tenho duvidas que este

        Não tenho duvidas que este tipo de escracho contra os salafrários é muito bom .

        Mas escrachos com resultados mais efetivos só conseguiremos quando ocorrerem em todas as sedes do principal conglomerado de mídia responsável pela degradação política, econômica e social do Brasil .

        Façamos como nossos hermanos argentinos, que persistem na luta por uma mídia mais democrática e menos apátrida :

        [video:https://youtu.be/Jtgb4AfHY10%5D

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