Feminicídio: ‘O que não se nomeia, não se discute’, destaca juíza em palestra

do CEE-Fiocruz

Feminicídio: ‘O que não se nomeia, não se discute’, destaca juíza em palestra

A violência contra a mulher e o feminicídio têm raízes sociais e funcionam como uma mensagem às demais mulheres que confrontam a ideia de subordinação, destacou em palestra realizada em 18/9/2017, a juíza Adriana Mello, titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ). O evento, da série Futuros do Brasil do CEE-Fiocruz, foi realizado no Salão Internacional da Ensp/Fiocruz, fruto de parceria com o Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Ensp (DHIS/Ensp/Fiocruz).

Ponto culminante da violência contra a mulher, o feminicídio deriva principalmente da assimetria de poder nas relações domésticas, explicou Adriana. “Muitas vezes, tentativas da mulher no sentido de romper com uma relação de poder desigual desencadeiam a violência, visto que o homem atua para punir e corrigir o comportamento feminino, conduzindo a mulher de volta ao lugar de subordinação historicamente estabelecido para ela”, observou, destacando a diferença entre o feminicídio e outros tipos de assassinatos de mulheres. “Nos casos de feminicídio, a mulher morre por ser mulher, na maioria das vezes, em âmbito doméstico, por conta do confronto, seja rompendo relacionamentos ou reivindicando a liberdade de se vestir, de agir etc. Crimes assim diferem de uma morte feminina por assalto, por exemplo, que não se enquadra como feminicídio”.

Segundo a juíza, “o crime de feminicídio é um ato de comunicação, mensagens emanadas de um sujeito autor, como uma ameaça”. O corpo feminino, observou Adriana, torna-se “um território demarcado pelo ato de violência; a individualidade é apagada, as vítimas não têm nome, idade, endereço”. A não punição, destacou, agrava o cenário. “A não punição desses crimes revela a permissibilidade do Estado. Trata-se da retirada de um direito humano, o direito das mulheres à justiça”.

Assista ao final vídeo com Adriana Mello. Clique aqui para assitir à integra da palestra.

Adriana apresentou dados das Nações Unidas indicando que sete em cada dez mulheres já foram ou serão violentadas em algum m#omento da vida. Para ela, o cenário mais preocupante, no Brasil, é o do feminicídio cometido por parceiros íntimos, vide dados do Dossiê Mulher 2017, do Instituto de Segurança Pública, que aponta que 61% das agressões contra mulheres ocorrem dentro da própria residência, e da Organização Mundial da Saúde (OMS) – 35% dos assassinatos de mulheres foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros. Entre as vítimas de lesão corporal, destacou, 72,5% estão na faixa etária entre 18 e 44 anos.

Para a juíza, a Lei do Feminicídio, implementada em 2015, apoia a discussão e o combate à violência. “Se o feminicídio não existisse como categoria analítica, não se conseguiriam coletar dados, implementar políticas públicas. Nomear o fenômeno dá corpo, torna-o visível, concreto”, considerou, estabelecendo um paralelo com o crime do estupro coletivo, que ainda não é entendido como uma categoria. “O estupro coletivo está no imaginário da população, está nos jornais, mas não existe como categoria analítica judicial”.

De qualquer forma, aponta Adriana, as mulheres ainda enfrentam dificuldades ao tentar denunciar as agressões que sofrem. “Se não denunciam, sofre a violência sem aparo do Estado. Se denunciam, vivem sob a ameaça de represália. Mesmo quando vão às delegacias, as mulheres são desencorajadas de denunciar. Perguntam: ‘Você quer mesmo fazer a denúncia?’”, observa. “A Lei Maria da Penha não fala só em punição, trata também da prevenção da violência, com debates, palestras, nas escolas, na sociedade. Mas isso não é divulgado. Só podemos combater aquilo que conhecemos. Conhecer é poder”.

Redação

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Desculpem-me …

    Desculpem-me  mas se trata violência no “varejo” , morreram 103 policiais no RJ este ano , crianças morrem de tiro na escola , mulheres morrem , gays morrem , padeiros morrem , temos no Brasil é um problema de violência que é geral , fruto de uma policia má aparelhada para investigar , uma justiça que ainda é parcial , uma imprensa perdida em ideologia seja de direita ou esquerda.

    Ou saímos do “varejo” ou não tem saída.

    1. Entenda feminicídio primeiro

      Sem entender o conceito jurídico vai ficar achando que é “ideologia” da imprensa: feminicídio é uma circunstância qualificadora do crime de homicídio. É o crime de homicídio cometido contra a mulher por sua própria condição de mulher, ou seja, a violência decorre exclusivamente da condição de mulher, em situações de violência doméstica e familiar ou de menosprezo/discriminação contra a mulher.

      Está previsto no art. 121, § 2°, VI e § 2°A, do Código Penal Brasileiro, introduzido pela Lei n° 13.104/2015. O Brasil foi bem atrasado nesse ponto, já que duas convenções internacionais (ONU, 1993; OEA, 1994), trtaram do assunto sob essa perspectiva. Peru e Bolívia (2013), Nicarágua (2012), Chile (2010), Guatemala (2008) e Costa Rica (2007) tipificaram o crime de feminicídio muito antes do Brasil. A União Europeia tem diretiva sobre o assunto desde 2012, e o Paralmento Europeu trata do assunto desde 2011.

      Não é, portanto, uma invenção ideológico-midiática qualquer pra vender jornal…

      1. Não discuto

        Não discuto isto , apenas digo que estamos em um país com mais mortos por assassinato que em guerras , morrem policiais , julgado um assassino por 30 mortes ele cumprirá no máximo trinta anos , mate mulheres , crianças ou um time de futebol , a questão da violência no nossa país é maior é precisa sair do “varejo”.

        Não sou tolo a ponto de negar a condição da mulher que muitas vezes sendo vítima ainda julgam sua “culpa” , mas não adianta mudar nomes quando a estrutura da justiça forca mesma.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador