Bolsonaro não vai cair; será banido, por Gustavo Conde

"Trocar um nome marcado de ódio como esse não será apenas uma questão de 'sobrevivência social', mas uma possibilidade de reumanização"

Bolsonaro não vai cair; será banido

por Gustavo Conde

O nome ‘Bolsonaro’ ficará marcado para sempre no lodaçal das más lembranças.

Me lembrei de uma história.

Não se vocês conhecem a revista ‘A Recreativa’, de palavras cruzadas. É uma publicação belíssima, inteligente, em papel comum, que povoa as bancas de jornais desde os ano 50.

É uma espécie de ‘sabonete Phebo’ das revistas.

Tenho uma ligação afetiva com a publicação porque meu pai a amava. Em casa, ele perambulava para lá e para cá com uma revista na mão e uma caneta na cabeça.

Dobrava capa da revista, deixando uma ‘lombada tubular’, o que me causava alguma aflição.

Aprendi a fazer palavras cruzadas aos 6 anos, assim como aprendi a tocar bandolim (que meu pai também tocava).

É uma arte muito brasileira, a arte das palavras cruzadas.

Não há relatos no mundo de tamanho sucesso editorial. Era – e é – um blockbuster de vendas.

O exercício mental de se fazer palavras cruzadas é também uma dimensão pouco explorada nas pesquisas em cognição, infelizmente.

Talvez seja uma das práticas mais poderosas de ativação do cérebro e da inteligência linguística – se feita com o devido ‘prazer’, este último o elemento central para a potencialização de rotinas e processos simbólicos.

Chamar palavras cruzadas de ‘passatempo’ é mais uma isca do que um equívoco: se não a chamassem assim, seu efeito estaria perdido.

Rébus, criptogramas, caça-palavras, cruzadas em branco, herméticas, sem chaves, silábicas, grifogramas…

Fazer palavras cruzadas é praticamente um gesto político – de manter o cérebro ativo e o vocabulário trepidante.

Não à toa, Alan Turing era um amante da arte. Ele apenas criou o computador para decifrar a maior ‘palavra cruzada’ da história até então: a criptografia nazista.

Mas a história que interessa aqui é outra.

A família que edita a revista até hoje – ela é editada em Poços de Caldas-MG – tem o sobrenome Mussolin.

São imigrantes italianos que vieram para o Brasil no começo do século 20.

O nome Mussolin sempre me chama muito a atenção por se parecer demais com ‘Mussolini’. Não havia como não imaginar que a última letra poderia ter sido suprimida em função de possíveis represálias em um período em que ‘Mussolini’ virou sinônimo de fascismo.

Quem faz palavras cruzadas e se depara com um entrelaçamento onomástico desses, quer logo resolver.

Mas só os editores para confirmarem ou não essa história.

A mudança de nomes em cartório para evitar confusões era muito comum naquela época.

A questão é que é este fenômeno está prestes a acontecer de fato com o nome ‘Bolsonaro’. Daqui a alguns anos (ou meses) ninguém terá mais coragem de assinar tamanha lembrança de ódio misturada à tortura e ao genocídio.

E este processo de mudança onomástica é só um dos elementos anti-memória que vão povoar o horizonte social no Brasil dos próximos anos e décadas.

Bolsonaro terá de ser esquecido, pasmem, para ser lembrado (como pária).

Em breve, não se conhecerá nenhum brasileiro que votou nele (como aconteceu com Collor, mas de maneira mais radical).

Não sei se há pessoas não fascistas no Brasil ou na Itália com o sobrenome Bolsonaro. Deve haver. Deixo para elas algumas opções, dentro da arte da criação embutida na arte de cruzar as palavras: Bolsonar, Bolson, Bols, Bolsona.

Trocar um nome marcado de ódio como esse não será apenas uma questão de ‘sobrevivência social’, mas uma possibilidade de reumanização.

Como o gesto inteligente e humanizado da família Mussolin, aqueles que tiverem o azar de um dia terem sido chamados de ‘Bolsonaro’, terão igualmente a sorte de dar um exemplo para o Brasil e para o mundo e dizer: eu não sou um genocida a abomino as práticas de ódio.

Em tempo: a história é perigosa para os assassinos porque ela é furiosamente coletiva. O banimento de Bolsonaro da política será um processo de expurgo que deverá trazer consigo um novo ciclo de humanizações, tal como o day after da Segunda Guerra Mundial.

A amarga lição aos brasileiros está prestes a terminar (para que possamos aprender outras lições que aguardam pacientemente na fila).

Redação

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