Lista de Livros: Fenomenologia do Espírito (V. I, Parte II), de G.W.F. Hegel

Lista de Livros: Fenomenologia do Espírito (V. I, Parte I), de G.W.F. Hegel

Editora: Vozes

ISBN: 85-326-0687-3

Tradução: Paulo Meneses

Opinião: bom

Páginas: 272

Sinopse: Ver Parte I

 

“64 – Uma dificuldade a evitar é a mistura do modo especulativo e do modo raciocinante quando o que se diz do sujeito, ora tem a significação de seu conceito, ora tem apenas a significação de seu predicado ou acidente. Um procedimento estorva o outro, e só conseguirá plasticidade aquela exposição filosófica que excluir rigorosamente a maneira como habitualmente são relacionadas as partes de uma proposição.

65 – De fato, o pensar não especulativo tem também seu direito, que é válido mas não é levado em conta no modo da proposição especulativa. A suprassunção da forma da proposição não pode ocorrer só de maneira imediata, nem mediante o puro conteúdo da proposição. No entanto, esse movimento oposto necessita ter expressão: não deve ser apenas aquela frenagem interior, mas esse retomar do conceito a si tem de ser apresentado.

Esse movimento – que constitui o que a demonstração aliás devia realizar – é o movimento dialético da proposição mesma. Só ele é o Especulativo efetivo, e só o seu enunciar é exposição especulativa. Como proposição, o especulativo é somente a frenagem interior, o retomo não aí-essente da essência a si mesma. Por isso, vemos que as exposições filosóficas com frequência nos remetem a essa intuição interior, e desse modo ficamos privados dessa exposição dialética que reclamávamos. A proposição deve exprimir o que é o verdadeiro; mas essencialmente, o verdadeiro é o sujeito: e como tal é somente o movimento dialético, esse caminhar que a si mesmo produz, que avança e que retoma a si. Em qualquer outro conhecer, a demonstração constitui esse lado da expressão da interioridade. Porém, desde que a dialética foi separada da demonstração, o conceito da demonstração filosófica de fato se perdeu.

66 – Pode-se lembrar a respeito que o movimento dialético tem igualmente proposições como partes ou elementos seus: a dificuldade indicada parece assim voltar sempre, e ser uma dificuldade da Coisa mesma. É semelhante ao que sucede na demonstração ordinária: os fundamentos que utiliza precisam por sua vez de uma fundamentação, e assim por diante até o infinito. Mas essa forma de fundar e de condicionar pertence àquele demonstrar que é diferente do movimento dialético; portanto, pertence ao conhecer exterior. No que toca o movimento dialético, seu elemento é o conceito puro, e por isso tem um conteúdo que em si mesmo é absolutamente sujeito. Assim, nenhum conteúdo ocorre que se comporte ao modo de um sujeito posto como fundamento, e ao qual advenha sua significação como um predicado: a proposição, imediatamente, é só uma forma vazia. Excetuando o Si intuído sensivelmente ou representado, é sobretudo o nome como nome que indica o sujeito puro, o Uno vazio e carente de conceito. Por esse motivo pode ser útil, por exemplo, evitar o nome “Deus“, porque essa palavra não é, ao mesmo tempo, imediatamente conceito, mas o nome propriamente dito: o repouso fixo do sujeito que está no fundamento. Ao contrário, por exemplo, o ser, o uno, a singularidade, o sujeito etc. designam eles mesmos imediatamente também conceitos.

Aliás, se forem enunciadas verdades especulativas sobre aquele sujeito, seu conteúdo carece de conceito imanente, pois o sujeito só está presente como sujeito em repouso, e por essa circunstância tais verdades recebem facilmente a forma de mera edificação. Sob esse aspecto também o obstáculo reside no hábito de entender, segundo a forma da proposição, o predicado especulativo, e não como conceito ou essência; e pode aumentar ou diminuir por culpa da própria exposição filosófica. A apresentação, fiel à visão da natureza do especulativo, deve manter a forma dialética e nada incluir a não ser na medida em que é concebido e que é o conceito.”

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“67 – (…) Para se ter qualquer ciência, arte, habilidade, ofício, prevalece a convicção da necessidade de um esforço complexo de aprender e de exercitar-se. De fato, se alguém tem olhos e dedos e recebe couro e instrumentos, nem por isso está em condições de fazer sapatos. Ao contrário, no que toca à filosofia, domina hoje o preconceito de que qualquer um sabe imediatamente filosofar e julgar a filosofia, pois tem para tanto padrão de medida na sua razão natural – como se não tivesse também em seu pé a medida do sapato.”

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“70 – (…) Os pensamentos verdadeiros e a intelecção científica só se alcançam no trabalho do conceito. Só ele pode produzir a universalidade do saber, que não é a indeterminação e a miséria correntes do senso comum, mas um conhecimento cultivado e completo; não é a universalidade extraordinária dos dotes da razão que se corrompe pela preguiça e soberba do gênio; mas sim, é a verdade que se desenvolveu até sua forma genuína, e é capaz de ser a propriedade de toda a razão consciente de si.

71 -É pois no automovimento do conceito que eu situo a razão de existir da ciência.”

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“78 – (…) Seguir sua própria opinião é, em todo o caso, bem melhor do que abandonar-se à autoridade; mas com a mudança do crer na autoridade para o acreditar na própria convicção não fica necessariamente mudado o conteúdo mesmo; nem a verdade, introduzida em lugar do erro. A diferença entre apoiar-se em uma autoridade alheia, e firmar-se na própria convicção – no sistema do visar e do preconceito – está apenas na vaidade que reside nessa segunda maneira. Ao contrário, o cepticismo que incide sobre todo o âmbito da consciência fenomenal torna o espírito capaz de examinar o que é verdade, enquanto leva a um desespero, a respeito de representações, pensamentos e opiniões pretensamente naturais. É irrelevante chamá-los próprios ou alheios: enchem e embaraçam a consciência, que procede a examinar diretamente a verdade, mas que por causa disso é de fato incapaz do que pretende empreender.”

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“89 – A experiência que a consciência faz sobre si mesma não pode abranger nela, segundo seu conceito, nada menos que o sistema completo da consciência ou o reino total da verdade do espírito. Seus momentos se apresentam assim nessa determinidade peculiar, de não serem momentos abstratos ou puros, mas sim, tais como são para a consciência ou como a mesma aparece em sua relação para com eles; por isso os momentos do todo são figuras da consciência.

A consciência, ao abrir caminho rumo à sua verdadeira existência, vai atingir um ponto onde se despojará de sua aparência: a de estar presa a algo estranho, que é só para ela, e que é como outro. Aqui a aparência se torna igual à essência, de modo que sua exposição coincide exatamente com esse ponto da ciência autêntica do espírito. E, finalmente, ao apreender sua verdadeira essência, a consciência mesma designará a natureza do próprio saber absoluto.”

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“98 – O mesmo sucede com a outra forma do isto, com o aqui. O aqui, por exemplo, é a árvore. Quando me viro, essa verdade desvaneceu, e mudou na oposta: o aqui não é uma árvore, mas antes uma casa. O próprio aqui não desvanece, mas é algo que fica, no desvanecer da casa, da árvore etc.; e indiferente quanto a ser casa ou árvore. Assim o isto se mostra de novo como simplicidade mediatizada, ou como universalidade.

99 – Portanto, o puro ser permanece como essência dessa certeza sensível, enquanto ela mostra em si mesma o universal como a verdade do seu objeto; mas não como imediato, e sim como algo a que a negação e a mediação são essenciais. Por isso, não é o que ‘visamos’ como ser, mas é o ser com a determinação de ser a abstração ou o puro universal. Nosso ‘visar’, para o qual o verdadeiro da certeza sensível não é o universal, é tudo quanto resta frente a esses aqui e agora vazios e indiferentes.

100 – Comparando a relação, em que o saber e o objeto surgiram primeiro, com a relação que estabelecem, uma vez chegados a esse resultado, vemos que a relação se inverteu. O objeto, que deveria ser o essencial, agora é o inessencial da certeza sensível; isso porque o universal, no qual o objeto se tornou, não é mais aquele que deveria ser essencialmente para a certeza sensível; pois ela agora se encontra no oposto, isto é, no saber que antes era o inessencial. Sua verdade está no objeto como meu objeto, ou seja, no ‘visar’: o objeto é porque Eu sei dele. Assim, a certeza sensível foi desalojada do objeto, sem dúvida, mas nem por isso foi ainda suprassumida, se não apenas recambiada ao Eu. Vejamos o que a experiência nos mostra sobre sua realidade.”

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“105 – (…) Vejamos assim como está constituído o imediato que nos é indicado.

O agora é indicado: – este agora. Agora: já deixou de ser enquanto era indicado. O agora que é, é um outro que o indicado. E vemos que o agora é precisamente isto: enquanto é, já não ser mais. O agora, como nos foi indicado, é um que-já-foi – e essa é sua verdade; ele não tem a verdade do ser. E porém verdade que já foi. Mas o que foi é, de fato, nenhuma essência. Ele não é; e era do ser que se tratava.

Vemos, pois, nesse indicar só um movimento e o seu curso – que é o seguinte:

1) indico o agora, que é afirmado como o verdadeiro; mas o indico como o que já foi, ou como um suprassumido. Suprassumo a primeira verdade, e:

2) agora afirmo como segunda verdade que ele foi, que está suprassumido.

3) mas o que foi não é. Suprassumo o ser que foi ou o ser suprassumido – a segunda verdade; nego com isso a negação do agora e retorno à primeira afirmação de que o agora é.

O agora e o indicar do agora são assim constituídos que nem o agora nem o indicar do agora são um Simples imediato, e sim um movimento que contém momentos diversos. Põe-se este, mas é um Outro que é posto, ou seja, o este é suprassumido. Esse ser-Outro, ou suprassumir do primeiro, é, por sua vez, suprassumido de novo, e assim retoma ao primeiro. No entanto, esse primeiro refletido em si mesmo não é exatamente o mesmo que era de início, a saber, um imediato; ao contrário, é propriamente algo em si refletido ou um simples, que permanece no ser-Outro o que ele é: um agora que é absolutamente muitos agoras; e esse é o verdadeiro agora, o agora como simples dia que tem em si muitos agoras ou horas. E esse agora – uma hora – é também muitos minutos, e esse agora igualmente muitos agoras, e assim por diante.

Assim, o indicar é ele mesmo, o movimento que exprime o que em verdade é o agora, a saber: um resultado ou uma pluralidade de agoras rejuntados; e o indicar é o experimentar que o agora é um universal.

108 – O aqui indicado, que retenho com firmeza, é também um este aqui que de fato não é este aqui mas um diante e atrás, um acima e abaixo, um à direita e à esquerda. O acima, por sua vez, é também esse múltiplo ser-Outro, com acima, abaixo etc. O aqui que deveria ser indicado desvanece em outros aquis; mas esses desvanecem igualmente. O indicado, o retido, o permanente, é um este negativo, que só é tal porque os aquis são tomados como devem ser, mas nisso se suprassumem, constituindo um complexo simples de muitos aquis.

O aqui que foi ‘visado’, seria o ponto; mas ele não é. Porém ao ser indicado como essente, o indicar mostra que não é um saber imediato, e sim um movimento, desde um aqui ‘visado’, através de muitos aquis, rumo ao aqui universal; e, como o dia é uma pluralidade simples de agoras, esse aqui universal é uma multiplicidade simples de aquis.

109 – É claro que a dialética da certeza sensível não é outra coisa que a simples história de seu movimento ou de sua experiência; e a certeza sensível mesma não é outra coisa que essa história apenas. A consciência natural por esse motivo atinge sempre esse resultado, que nela é o verdadeiro, e disso faz experiência; mas torna sempre a esquecê-lo também, e começa de novo o movimento desde o início.”

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“A certeza sensível não se apossa do verdadeiro, já que a verdade dela é o universal, mas a certeza sensível quer captar o isto. A percepção, ao contrário, toma como universal o que para ela é o essente. Como a universalidade é seu princípio em geral, assim também são universais seus momentos, que nela se distinguem imediatamente: o Eu é um universal, e o objeto é um universal.

Para nós esse princípio emergiu como resultado; por isso, nosso apreender da percepção não é mais um apreender aparente, fenomenal, como o da certeza sensível, mas sim um apreender necessário. No emergir do princípio, ao mesmo tempo vieram-a-ser os dois momentos que em sua aparição fenomenal apenas ocorriam fora, a saber – um, o movimento do indicar; outro, o mesmo movimento, mas como algo simples: o primeiro, o perceber, o segundo o objeto. O objeto, conforme a essência, é o mesmo que o movimento: este é o desdobramento e a diferenciação dos momentos, enquanto o objeto é seu Ser-reunido-num-só. Para nós – ou em si -, o universal como princípio é a essência da percepção, e frente a essa abstração os dois momentos diferenciados – o percebente e o percebido – são o inessencial.

De fato porém por serem ambos o universal ou a essência, os dois são essenciais. Mas enquanto se relacionam como opostos um ao outro, somente um pode ser o essencial na relação; e tem de se repartir entre eles a distinção entre o essencial e o inessencial. Um, determinado como o simples – o objeto – é a essência, indiferente a ser ou não percebida; mas o perceber, como o movimento, é o inconsistente, que pode ser ou não ser, e é o inessencial.”

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“117 – Vejamos agora que experiência faz a consciência em seu apreender efetivo. Para nós, essa experiência já está contida no desenvolvimento, antes exposto, do objeto e do procedimento da consciência para com ele; vai ser apenas o desenvolvimento das contradições ali presentes.

O objeto que eu apreendo apresenta-se como puramente Uno; também me certifico da propriedade que há nele, que é universal mas que por isso ultrapassa a singularidade. O primeiro ser da essência objetiva como um Uno não era pois seu verdadeiro ser. Como o objeto é o verdadeiro, a inverdade recai em mim: o apreender é que não era correto. Devido à universalidade da propriedade, devo tomar a essência objetiva antes como uma comunidade em geral.

Além disso, percebo agora a propriedade como determinada, oposta a Outro e excluindo-o. Logo, eu não tinha de fato apreendido corretamente a essência objetiva, ao determiná-la como uma comunidade com outros, ou como a continuidade. Devo, melhor, por motivo da determinidade da propriedade, separar a continuidade e pôr a essência objetiva como Uno excludente. No Uno separado encontro muitas propriedades dessas, que mutuamente não se afetam, mas são indiferentes umas às outras. Assim eu não percebia o objeto corretamente ao apreendê-lo como algo excludente; porém, como antes o objeto era só a continuidade em geral, agora ele é um meio comum universal, onde muitas propriedades estão como universalidade sensíveis, cada uma para si, excluindo as outras enquanto determinadas.

Mas sendo assim, o simples e verdadeiro que eu percebo não é um meio universal, e sim a propriedade singular para si. Porém a propriedade desse modo nem é propriedade nem um ser determinado, pois não está nem em um Uno, nem em relação com outras. No entanto, somente é propriedade em um Uno, e só é determinada em relação às outras. Permanece como esse puro relacionar-se consigo mesma, apenas Ser sensível em geral, pois já não tem em si o caráter da negatividade. A consciência, para a qual existe agora um ser sensível, é somente um visar, isto é, saiu totalmente para fora do perceber, e regressou a si mesma. Só que o ser sensível e o visar passam, eles mesmos, para o perceber: sou relançado ao ponto inicial, e de novo arrastado no mesmo circuito – o qual se suprassume em cada momento e como todo.

118 – A consciência, portanto, percorre necessariamente esse círculo, mas ao mesmo tempo não é do mesmo modo que na primeira vez. Ela fez, justamente, sobre o perceber a experiência de que o resultado e o verdadeiro dele é sua dissolução ou a reflexão sobre si mesma, a partir do verdadeiro. Sendo assim, ficou determinado para a consciência como é que seu perceber está constituído, isto é: não consiste em ser um puro apreender simples, mas em ser seu apreender ao mesmo tempo refletido em si a partir do verdadeiro. Esse retorno da consciência a si mesma, que – por se ter mostrado essencial ao perceber – se insere imediatamente no puro apreender, altera o verdadeiro. A consciência reconhece igualmente esse aspecto como o seu, e o toma sobre si; e assim fazendo, manterá puro o objeto verdadeiro.

Com isso, sucede agora o que ocorria na certeza sensível; pois no perceber se apresenta o aspecto de ser a consciência repelida sobre si mesma. Mas não como se a verdade do perceber incidisse na consciência – como era o caso na certeza sensível-, pois aqui o perceber reconhece, ao invés, que a inverdade que ali ocorre recai nele. A consciência, porém, através desse reconhecimento é capaz, ao mesmo tempo, de suprassumir essa inverdade: distingue seu apreender do verdadeiro, da inverdade de seu perceber; corrige-o. E, enquanto assume, ela mesma, essa correção, a verdade – como verdade do perceber – recai decerto na consciência. O comportamento dessa consciência, a ser tratado de agora em diante, é de tal modo constituído que a consciência já não percebe, simplesmente; senão que também é cônscia de sua reflexão sobre si, e a separa da simples apreensão.

119 – Assim primeiro me dou conta da coisa como Uno e tenho de mantê-la nessa determinação verdadeira; se algo lhe ocorrer de contraditório no movimento do perceber, isso deve ser reconhecido como reflexão minha. Agora surgem na percepção também diversas propriedades – propriedades essas que parecem ser da coisa. Só que a coisa é Uno, e estamos conscientes de que recai em nós essa diversidade pela qual a coisa deixa de ser Uno.

De fato, essa coisa é branca só para nossos olhos, e também tem gosto salgado para nossa língua, é também cúbica para nosso tato etc. Toda a diversidade desses aspectos, não tomamos da coisa, mas de nós. Para nós, em nossos olhos, incidem totalmente diversos um do outro, do que são para nosso paladar etc. Somos assim o meio universal onde esses momentos se separam e são para si. Por conseguinte, já que consideramos como nossa reflexão a determinidade de ser meio universal, mantemos a igualdade consigo mesma e a verdade da coisa: a de ser Uno.”

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“124 – Embora a contradição da essência objetiva se distribua, assim, entre coisas diversas, a diferença, no entanto, deve situar-se na própria coisa singular e isolada. Desse modo, as coisas diversas são postas para si, e o conflito recai nelas com tal reciprocidade que cada uma é diversa não de si mesma, mas somente da outra. Ora, com isso, cada coisa se determina como sendo ela mesma algo diferente, e tem nela a distinção essencial em relação às outras; mas ao mesmo tempo não tem em si essa diferença, de modo que fosse uma oposição nela mesma. Ao contrário: é para si uma determinidade simples, a qual constitui seu caráter essencial, distinguindo-a das outras. De fato, já que a diversidade está na coisa, sem dúvida está nela necessariamente como diferença efetiva de constituição multiforme. Sendo porém que a determinidade constitui a essência da coisa – pela qual se diferencia das outras e é para si, essa constituição diversa e multiforme é o inessencial. Decerto, a coisa tem por isso, na sua unidade, o duplo enquanto, mas com desigual valor; pelo que esse ser-oposto não se torna assim oposição efetiva da própria coisa; mas, à medida que ela chega à oposição através de sua diferença absoluta, tem a oposição em confronto com outra coisa exterior a ela. Aliás, a múltipla variedade está também na coisa, necessariamente, de modo que não é possível ficar separada dela; e contudo lhe é inessencial.

125 – Agora essa determinidade – que constitui o caráter essencial da coisa, e a diferencia de todas as demais – se determina assim: por ela a coisa está em oposição às outras, mas nessa oposição deve manter-se para si. Porém somente é coisa – ou Uno para si essente – enquanto não está nessa relação com as outras, pois nessa relação o que se põe é antes a conexão com o Outro; e a conexão com Outro é o cessar do ser para si. Mediante o caráter absoluto, justamente, e de sua oposição, ela se relaciona com outras, e, essencialmente, é só esse relacionar-se. A relação porém é a negação de sua independência, e a coisa antes desmorona através de sua propriedade essencial.

126 – A necessidade da experiência para a consciência – de que a coisa desmorona justo através da determinidade que constitui sua essência e seu Ser para si – pode ser tratada brevemente conforme seu conceito simples. A coisa é posta como ser para si, ou como negação absoluta de todo ser Outro; portanto, como negação absoluta que só consigo se relaciona. Mas a negação que se relaciona consigo é o suprassumir de si mesma; ou seja, é ter sua essência em um Outro.

127 – De fato, nada mais contém a determinação do objeto tal como ele se apresentou: deve possuir uma propriedade essencial que constitui seu ser para si simples, porém nessa simplicidade deve também ter nele mesmo a diversidade que sem dúvida é necessária mas não deve constituir a determinidade essencial. Contudo, essa é uma distinção que só reside nas palavras: o inessencial que ao mesmo tempo deve ser necessário suprassume a si mesmo. Ou seja: é aquilo que acima se chamou “negação de si mesmo”.

128 – Sendo assim, fica descartado o último enquanto, que separava o ser para si e o ser para Outro. O objeto é, antes, sob o mesmo e o único ponto de vista, o oposto de si mesmo: para si, enquanto é para Outro; e para outro, enquanto é para si. E para si, em si refletido, Uno; mas esse para si, em si refletido, ser-Uno, está em unidade com seu oposto – o ser para outro. É portanto posto apenas como suprassumido, ou seja: esse ser para si é tão inessencial quanto aquele, que só deveria ser o inessencial, isto é, a relação com Outro.

129 – O objeto é, por conseguinte, suprassumido em suas puras determinidades – ou nas determinidades que deveriam constituir sua essencialidade -, assim como em seu ser sensível se tinha tornado um suprassumido. Tornou-se um universal a partir do ser sensível; porém esse universal, por se originar do sensível, é essencialmente por ele condicionado, e por isso, em geral, não é verdadeiramente igual a si mesmo, mas é uma universalidade afetada de um oposto; a qual se separa, por esse motivo, nos extremos da singularidade e da universalidade, do Uno das propriedades e do também das matérias livres. Essas determinidades puras parecem exprimir a essencialidade mesma, mas são apenas um ser para si que está onerado de um ser para Outro. No entanto, já que ambos estão essencialmente em uma unidade, assim está presente agora a unidade absoluta incondicionada – e só aqui a consciência entra de verdade no reino do entendimento.

130 – Assim, a singularidade sensível desvanece, sem dúvida, no movimento dialético da certeza imediata e se torna universalidade – mas só universalidade sensível. Desvaneceu o visar da certeza sensível e o perceber toma o objeto tal como ele é em si, ou como universal em geral. A singularidade ressalta, pois, nele como a singularidade verdadeira, como ser em si do Uno, ou como ser-refletido em si mesmo. Mas ainda é um ser para si condicionado, ao lado do qual outro ser para si aparece: a universalidade oposta à singularidade e por ela condicionada. Porém esses dois extremos, que se contradizem, não apenas estão lado a lado, mas estão em uma unidade, ou, o que é o mesmo, o ser para si – o que há de comum a ambos – está onerado em geral por seu oposto; quer dizer: ao mesmo tempo não é um ser para si.

A sofistaria da percepção procura salvar de sua contradição esses momentos e mantê-los por meio da diferenciação dos pontos de vista, por meio do também e do enquanto, assim como procura finalmente apreender o verdadeiro mediante a distinção entre o inessencial e uma essência que lhe é oposta. Só que tais expedientes, em vez de afastar a ilusão no ato de apreender, antes se revelam mesmo como nulos. O verdadeiro que deve ser obtido por essa lógica da percepção mostra ser o oposto, sob o mesmo e único ponto de vista; e assim, mostra ter por sua essência a universalidade indistinta e indeterminada.”

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“132 – Para a consciência, na dialética da certeza sensível, dissiparam-se o ouvir, o ver etc. Como percepção chegou a pensamentos que primeiro reúne no Universal incondicionado. Se esse incondicionado fosse agora tomado por essência inerte e simples, nesse caso não seria outra coisa que o extremo do ser para si, posto de um lado; em confronto com ele se colocaria a inessência; mas nessa relação à inessência seria também ele inessencial. No entanto surgiu como algo que a si retomou a partir de tal ser para si condicionado.

Esse Universal incondicionado, que de agora em diante é o objeto verdadeiro da consciência, ainda está como objeto dessa consciência – a qual ainda não apreendeu o conceito como conceito. Importa fazer uma distinção essencial entre as duas coisas: para a consciência, o objeto retomou a si mesmo a partir da relação para com um outro, e com isso tornou-se em si conceito. Porém a consciência não é ainda, para si mesma, o conceito; e por causa disso não se reconhece naquele objeto refletido.

Para nós, esse objeto, mediante o movimento da consciência, passou por um vir a ser em que a consciência está de tal modo implicada que a reflexão é a mesma dos dois lados, ou seja, é uma reflexão só. No entanto a consciência nesse movimento tinha apenas por conteúdo a essência objetiva, e não a consciência como tal, de tal sorte que para ela o resultado tem de ser posto numa significação objetiva e a consciência deve retirar-se do resultado que veio a ser – o qual, como algo objetivo, é para ela a essência.

133 – Sem dúvida que o entendimento suprassumiu com isso sua própria inverdade e a inverdade do objeto; e o que lhe resultou em consequência foi o conceito do verdadeiro: como verdadeiro em si essente, que não é ainda o conceito, ou seja, ainda está privado do ser para si da consciência: é um verdadeiro que o entendimento, sem saber que está ali dentro, deixa mover-se à vontade. Esse verdadeiro leva sua vida como lhe apraz, de modo que a consciência não tem participação alguma em sua livre realização; mas, ao contrário, simplesmente o contempla e puramente o apreende.

Nós devemos por isso, antes de tudo, pôr-nos em seu lugar e ser o conceito que modela o que está contido no resultado: somente nesse resultado completamente modelado – que se apresenta à consciência como um essente – ela se torna para si mesma consciência concebente.”

134 – O resultado foi o Universal incondicionado; de início, no sentido negativo e abstrato, de que a consciência negava seus conceitos unilaterais e os abstraía; e, a bem dizer, os abandonava. Mas o resultado tem em si a significação positiva de que nele está posta imediatamente, como a mesma essência, a unidade do ser para si e do ser para outro, ou a oposição absoluta. À primeira vista, parece que isso concerne só a forma dos momentos, um em relação ao outro; porém o ser para si e o ser para outro são também o próprio conteúdo, pois a oposição, em sua verdade, não pode ter nenhuma outra natureza a não ser a que se revela em seu resultado, a saber: que o conteúdo, tido por verdadeiro na percepção, pertence de fato somente à forma e se dissolve em sua unidade.

Esse conteúdo é, ao mesmo tempo, universal: não pode haver outro conteúdo que por sua constituição peculiar se subtraísse ao retorno a essa universalidade incondicionada. Tal conteúdo seria qualquer modo determinado de ser para si e de se relacionar com outro. Só que, ser para si e relacionar-se com outro, em geral constituem a natureza e a essência de um conteúdo cuja verdade é ser Universal incondicionado; e o resultado é meramente universal.

135 – Porém a diferença entre forma e conteúdo emerge nesse Universal incondicionado, por ser ele objeto para a consciência. Na figura do conteúdo, os momentos têm o aspecto sob o qual inicialmente se apresentavam: o aspecto de serem, por um lado, um meio universal de muitas “matérias” subsistentes; e, por outro lado, o uno em si refletido, no qual sua independência se aniquila. O primeiro momento é a dissolução da independência da coisa, ou a passividade que é um ser para Outro. O segundo momento é o ser para si.”

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“143 – (…) O meio-termo que encerra juntos os dois extremos – o entendimento e o interior – é o ser da força desenvolvido, que doravante é para o entendimento mesmo, um evanescente. Por isso se chama fenômeno; pois aparência é o nome dado ao ser que imediatamente é em si mesmo um não ser. Porém, não é apenas um aparecer, mas sim fenômeno, uma totalidade do aparecer. Essa totalidade como totalidade ou universal é o que constitui o interior: o jogo de forças com sua reflexão sobre si mesmo.

Para a consciência, as essências da percepção estão nele postas de maneira objetiva, tais como são em si, isto é: como momentos que se transmudam imediatamente em seu contrário, sem descanso nem ser: o Uno, imediatamente no universal; o essencial, imediatamente no inessencial, e vice-versa, Esse jogo de forças é, pois, o Negativo desenvolvido; mas sua verdade é o positivo, a saber, o universal, ou o objeto em si essente.

Para a consciência, o ser deste objeto é mediado pelo movimento do fenômeno; movimento em que o ser da percepção e o Sensível objetivo têm, em geral, somente uma significação negativa; e assim, a consciência a partir dele se reflete em si como no verdadeiro. Mas como é consciência, torna a fazer do verdadeiro um Interior objetivo: distingue, de sua reflexão sobre si mesma, a reflexão das coisas; como também, para ela, o movimento mediador é ainda um movimento objetivo.

Portanto, esse interior é para a consciência como um extremo a ela oposto. Mas é também, para ela, o verdadeiro porque nele tem como no Em si, ao mesmo tempo, a certeza de si mesma, ou o momento do ser para si; embora não esteja ainda consciente desse fundamento, pois o ser para si, que o interior deveria ter nele, não seria outra coisa que o movimento negativo. Para a consciência, porém, esse movimento negativo ainda é o fenômeno objetivo evanescente – não ainda seu próprio ser para si. O interior, portanto, é para ela o conceito; mas a consciência ainda não conhece a natureza do conceito.

144 – Nesse Verdadeiro interior, como no Absoluto-Universal – que expurgado da oposição entre universal e singular veio a ser para o entendimento – agora, pela primeira vez, descerra-se sobre o mundo sensível como o mundo aparente, um mundo suprassensível como o verdadeiro. Patenteia-se sobre o aquém evanescente o além permanente: um Em si que é a primeira, e portanto inacabada, manifestação da razão; ou seja, apenas o puro elemento, em que a verdade tem sua essência.”

Redação

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