Bolsonaro declarou guerra ao cinema, cumpre aos artistas combater a teocracia sem piedade

O ataque ao cinema nacional não é apenas uma vingança de Jair Bolsonaro contra os artistas que sempre rejeitaram seu autoritarismo, machismo e sexismo. Ele também é parte de um projeto teológico-político, pois os evangélicos pretendem controlar a produção cultural para impor seus dogmas enquanto expandem seu poder se apropriando de recursos públicos.

A sociedade está em risco, pois o governo ignora deliberadamente os objetivos fundamentais da república: a construção de uma sociedade livre e; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e religião (art. 3º, I e IV, da CF/88). A produção cultural não pode e não deve ser submetida a um filtro religioso, pois a diversidade das expressões culturais deve ser garantida pelo Estado (ar. 216-A, §1º, inciso I, da CF/88).

Ao submeter a produção cultural a um viés evangélico Jair Bolsonaro afronta o disposto 19, I, da CF/88. Ele também impede os artistas que praticam outras religiões (ou que não tem nenhuma) de exercer sua atividade profissional com a necessária liberdade, o que caracteriza uma afronta ao disposto no art. 5º, VIII, da CF/88. Ao privar cidadãos de seus direitos por razões teológico-políticas, o presidente da república pode sofrer um processo de Impeachment (art. 85, III, da CF/88).

Expresso aqui minha solidariedade total aos artistas e faço uma provocação. Há algum tempo escrevi o esboço de roteiro de um filma para ridicularizar os dogmas evangélicos. O texto publicado aqui entra no domínio público. Quem quiser utilizá-lo total ou parcialmente recebe desde já minha autorização. Não estou interessado em ganhar dinheiro, apenas em estimular os artistas a desafiar a teocracia que está sendo construída no Brasil.

JESUS EM TARIQUÉIA
(por Fábio de Oliveira Ribeiro)

Cena 1- Tomada 1

O crepúsculo é acelerado até que os últimos raios de sol banhem a terra. Corta. No alto de um monte ao longe se divisam três cruzes. Lentamente a câmara se aproxima dos supliciados. Corta.

Cena 1 – Tomada 2

Três soldados jogam dados à luz de uma fogueira. Estão vestidos com suas couraças. Seus escudos, lanças, espadas e elmos encontram-se encostados às três vigas próximas. Um deles faz a aposta.

Vibélio – Estou cansado de disputar moedas. Que tal aumentarmos as apostas?

Cneu Hostilio – É tarde. Está muito escuro.

Vibélio – Justamente por ser tarde é que devemos nos arriscar mais. E nas horas medonhas que nossos antepassados velam mais por nós. Vamos lá Flavius, faça jus à sua estirpe ou agora deixou de ser um romano para comportar-se como um reles judeu.

Gargalhadas

Cneu Hostílio – Está bem Vibélio. Mas o que apostaremos?

Caio Letório – Que tal se apostarmos o prêmio que receberemos ao fim da guerra?

Vibélio- Tolice Letório. O prêmio será magro e nem todos nós retornarmos a Roma para recebê-lo. Penso em algo mais imediato. Algo como os despojos que conquistaremos em Gamala.

Caio Letório – Gamala? Pensei que marcharíamos para Jerusalem.

Vibélio – Não. Não. Publio Levino, centurião do quarto manípulo da 2ª Legião, me garantiu ontem que o conselho de guerra decidiu evitar atacar uma praça tão poderosa deixando atras de si outra forte o bastante para socorrê-la. É por isto que não vamos mais direto para Jerusalem.

Cneu Hostílio – Jerusalem. Gamala… Tanto faz. Para simplificar, porque não apostamos os despojos da primeira cidade que conquistarmos a contar de hoje.

Vibélio e Caio Letório – Feito.

Cena 1 – Tomada 3

Retoma no ponto em que parou na cena 1 – tomada um. As três cruzes são focalizadas mais de perto, até o close fechar no rosto do moribundo que está crucificado ao centro. Trata-se de um homem forte, cabeludo e com mais ou menos 35 anos de idade. Está prestes a morrer. Num último esforço, ergue-se, olha o firmamento e solta suas últimas palavras.

Yeshua – Pai, porque você me entregou!

Yosef- Cala-te Yeshua. Se não tem mais coragem para enfrentar a morte, pelo menos aja como um homem fiel a Deus. Depois de ter enfrentado tantos perigos e realizado grandes proezas não morra agora como um covarde que lamenta-se como um garoto ou como uma mulher.

Yago – Todo homem ao morrer tem o direito de lamentar o que quiser, desde que tenha mostrado coragem e valor enquanto estava vivo. O que não é o seu caso. Então cale-se ou morra logo. Ei soldado, tenha piedade de um homem às portas da morte. Crava pregos em meus ouvidos ou na língua deste cretino falador para que eu possa morrer sossegado.

Yosef – Porco. Covarde. Estamos aqui por sua culpa.

Yago – Ah! Como lamento não ter encurtado seus dias quando tive oportunidade.

Durante a discussão, corta para os soldados.

Cena 1 – Tomada 4

Um dos soldados levanta-se interpelando os condenados.

Vibélio – Calem-se já. Não vêm que estamos no meio de algo importante.

Yosef – Vocês romanos são mesmo arrogantes. Pensam que podem intimidar-nos a nós que servindo a Deus morremos mais felizes porque sabemos que justa e terrível será sua vingança. Vocês e seu império serão destruídos assim como o foram aqueles que usurparam nossa liberdade no passado.

Caio Letório (Cutucando o Vibélio com a lança que apanhou) Não dê atenção a este derrotado. Toma (entregando-lhe a lança). Assegura-te de que o do meio está morto enquanto quebro as pernas deste linguarudo. E você (olhando para o outro crucificado) quer acompanhar o outro até seu Deus agora ou prefere ficar calado?

Yago – Bem cara nos custou sua vitória romano. Permita-me agora pelo menos desfrutar o prazer de ver este aí sucumbir antes de morrer. Ficarei calado.

Yosef – Traidor. Pérfido…

Caio Letório – Assim será feito (quebrando as pernas do judeu 2)

Corta para o Yosef, que solta alguns gritos lancinantes e depois passa a gemer baixinho porque já não consegue-se sustentar alto o bastante para gritar. Corta para o Vibélio, que enterra a lança abaixo do mamilo esquerdo de Yeshua desviando-se de seu sangue.

Cneu Hostílio – Você está com medo do sangue do inimigo? (rindo)

Vibélio – Absolutamente. É que aprendi que só há honra em se banhar com o sangue no inimigo no calor da batalha.

Cneu Hostílio – Bobagem. Vamos. A noite, os manes e os deuses infernais nos protegem. Decidamos qual de nós três ficará rico em Gamala como nosso imperador decide a sorte do mundo. Aos dados.

Cena 2 – Tomada 1

Um homem de maduro e gordo, vestido de toga viril purpura e ostentando uma coroa de louros feita de ouro, passeia entre os leitos e as mesas provando os manjares e verificando se o banquete está sendo bem preparado. Senta-se em um dos leitos, apanha uma lira e começa a tocá-la recitando um trecho da Eneida em latim. É interrompido pelos aplausos de dois homens que acabaram de entrar.

Nero- “Quem poderá contar o estrago horrendo
Quem dessa noite as fúnebres tragédias,
Ou lágrimas terá que a pena igualem?

Ninfídio- Tigelino. Aplausos.

Tigelino – Quando meu Imperador canta Virgílio até os deuses invejam…

Nero (pondo a lira de lado e interrompendo Tigelino)- Como vão meus libertos?

Tigelino – Bem, graças à generosidade do imperador e à prosperidade de seu império.

Ninfídio – Quando o fio de sua existência for cortado, o mundo certamente perderá o maior de todos os artistas. Por Hércules, não desperdice seu valioso talento em silêncio. Continue, a Eneida se torna sempre mais doce recitada ao som de sua augusta voz.

Uma mulher ricamente vestida adentra ao recinto. Ajoelha-se em frente a Nero e beija sua mão. Tigelino e Ninfídio se afastam.

Nero – Popéia, meu amor. Quando a vejo sempre tão amável e solicita não posso deixar de reconhecer que sou o mais feliz dos homens, pois todos me obedecem e eu só obedeço a você, que, no entanto, é a mais dócil e gentil de todas as criaturas. O que deseja minha esposa.

Corta

Cena 2 – tomada 2

Tigelino (a parte para Ninfídio) – Precisamos fazer algo Ninfídio. A cada dia que passa Popéia se torna mais poderosa.

Corta.

Cena 2 – tomada 3

Um soldado da guarda imperial adentra ao recinto e posta-se diante do imperador.

Cneu Lucio – Ave Nero, magnífico imperador de toda terra e senhor de todos os povos…

Nero – Sei, sei. A que se deve tamanho incômodo?

Cneu Lúcio – Há na ante sala um mensageiro enviado por Céstio, governador da Judéia. Ele diz que tem uma mensagem importante e urgente para entregar-lhe.

Nero – Que dizem os meus libertos? Devo ou não atendê-lo?

Ninfídio – O que pode ser mais importante que o lazer do imperador?

Tigelino – Nada… A não ser o brilho que ele confere à Eneida ao recitá-la.

Nero – O que você acha Popéia?

Popéia – Creio que a integridade do império é mais importante do que qualquer divertimento. Afinal, sem ela os romanos não seriam os senhores do mundo e você o imperador.

Nero (rindo) – Apesar de mulher, Popéia tem razão.

Tigelino (batendo palmas) – Não demora e Roma será governada por uma mulher. Se tivesse nascido homem certamente seríamos seus servos Popéia.

Popéia – Você é sempre tão gentil Tigelino. Chegará o dia em que poderei retribuir suas cortesias.

Nero – Silêncio. Tigelino (rindo), receba-o como se fosse o imperador enquanto represento ser Ninfídio (entregando-lhe a coroa e a citara). Venha Popéia, apreciemos o espetáculo. Ninfídio, será que pode representar Tigelino.

Ninfído – Melhor do que ele representa-se a si mesmo.

Nero- Centurião… faça entrar o mensageiro e leve-o ao novo imperador (rindo).

Cena 2 – tomada 4

A câmara acompanha a entrada do mensageiro. Ele ajoelha-se diante do leito daquele que presume ser o imperador.

Tigelino (tocando-o com a citara) – Levante-se e sê breve.

Semprônio Galo – Da parte de Céstio, governador da Judéia, venho informar que a província por ele governada encontra-se sublevada. Céstio reuniu as legiões da Judéia e as da Síria e marchou contra os revoltodos, tomou-lhes várias praças, mas foi obrigado a recuar diante de Jerusalem, onde o inimigo derrotou os nossos e concentrou um poderoso exército.

Tigelino- E?

Semprônio Galo – Durante a retirada fomos emboscados e submetidos a grande carnificina. Pouco depois fui despachado para comunicar-lhe o ocorrido e entregar-lhe esta carta.

Tigelino – Que acham meus libertos? Ninfídio…

Nero – Se os judeus estão sublevados unamo-nos à eles. Não há revolta que resista à existência de um único partido.

Tigelino – E você Tigelino, que acha?

Ninfídio – Dizem que os judeus são muito fiéis à sua religião, a qual não permite que eles trabalhem ou combatam aos sábados. Se o imperador decretar que todos os dias da semana serão sábados, poderemos submetê-los mais facilmente.

Tigelino (dirigindo-se ao mensageiro com desprezo teatral)- O império agradece seus serviços e o imperador saberá premiar sua lealdade.

O mensageiro visivelmente espantado retira-se.

Cena 2 – tomada 5

Nero – Tigelino… Você tem muitas qualidades mas é um péssimo ator. Se me permitir, agora voltarei a representar ser eu mesmo. Ninfídio, você esteve soberbo. Nem mesmo Tigelino consegue representar-se tão bem a si mesmo. Continuem, e então decidirei qual dos dois Tigelinos é o mais autêntico, o verdadeiro ou o falso (rindo).

Popéia- Se meu imperador me permitir vou retirar-me.

Nero – Fique Popéia. O espetáculo ainda não terminou.

Popéia – Estou com um pouco de dor de cabeça.

Nero – Então repouse um pouco. Mas retorne para o banquete.

Popéia – Assim será meu senhor.

Cena 2 – tomada 6

Nero sorri para os libertos. Toma uma taça de vinho e atira-a longe. Pega a carta das mãos de Tigelino e a lê com atenção.

Nero – Gastamos uma fortuna mantendo nossas legiões estacionadas naquele deserto para protegê-los e o que recebemos em troca:- cristãos e revoltosos. Céstio pede reforços, mas não sei se merece ser atendido. Ele cometeu três erros imperdoáveis:- escondeu de mim o que estava ocorrendo, permitiu que a situação se agravasse e foi derrotado. Mas quem devo nomear para conduzir esta guerra. Galba?

Ninfídio – Galba é experiente, mas muito ambicioso. Se vencesse uma guerra tão importante almejaria tornar-se mais que simples general.

Tigelino – Ninfídio tem razão Nero. A menos que providenciemos a morte de Galba logo após sua vitória creio que é arriscado adjudicar-lhe esta guerra.

Nero – Quais são nossas outras opções?

Tigelino- Vitélio é o único que ainda ama mais o dinheiro que a política. É nosso único escudo contra Galba. Deve, portanto, permanecer à frente das legiões na Gália cisalpina para contê-lo caso ele queira aproveitar-se de uma rebelião na Espanha e na Gália transalpina.

Nero – E Oton?

Ninfídio – Oton encontra-se na Germânia e deve permanecer lá, pois Galba não permitiria que ele fosse à Judéia porque acredita que ele também ambiciona o império.

Nero – Resta-nos apenas Tito.

Tigelino- Tito é um jovem talentoso. Sua vitória não nos afetaria muito, mas sua derrota poderia nos custar muito caro. Se isto acontecesse, Galba aproveitaria a oportunidade sublevar as legiões alegando que o imperador colocou em risco o império adjudicando uma guerra importante a um general tão jovem e inexperiente. Oton poderia se sentir tentado a fazer uma aliança com ele contra nós. A união de ambos faria Vitélio mudar de partido para não deixar de ganhar com nossa queda. Creio que não precisamos correr um risco tão grande.

Ninfídio – Resta-nos Vespasiano, o pai de Tito. É velho, experiente e há bastante se mantém neutro.

Nero- Não se fie na neutralidade dele Ninfídio. De todos é o mais ambicioso.

Tigelino- E por isto mesmo o mais solitário. Mas ele ama Tito, a quem pretende fazer imperador caso não consiga ele mesmo vir a sê-lo.

Nero- Então ele serve. Vespasiano comandará as tropas. Ordenarei expressamente para que leve Tito com ele. Na melhor das hipóteses um dos dois não retornará da guerra. Se retornarem ambos, o filho se sentirá tentado a caminhar com as próprias pernas após eu nomeá-lo governador da Judeia.

Cena 3 – Tomada 1

Dois homens caminham pelas ruas de Jerusalem. O mais velho está visivelmente contrariado com Yeshua, que aparenta vinte e poucos anos e ostenta uma formosa cabeleira. Yeshua diverte-se com os transeuntes. Cumprimenta e sorri para todos.

Yeshua – Bom dia sol da minha vida (para uma bela jovem que passa). Deus esteja convosco irmã (para uma velha que pragueja contra o marido). A fortuna sorri para quem cedo levanta (para um artificie que abre sua oficina).

Tobias- Meu filho… Já não lhe disse que você deve concentrar-se no seu trabalho.

Yeshua – O que o senhor disse pai?

Após fazer esta pergunta, Yeshua adianta-se e ampara um homem bem vestido que tropeça e vai ao solo. O estranho, que está bem vestido, levanta-se com o auxílio de Yeshua. Em virtude da dor no tornozelo, não percebe que ele enfia a mão na sua sacola pegando algo e colocando dentro da própria túnica. A vítima do acidente aparenta ser um homem rico e importante pelas suas maneiras e pelo seu jeito de falar.

Velho – Obrigado filho. Deus há de pagar-lhe seus bons modos. Orarei por você durante os sacrifícios amanhã.

Yeshua – O senhor é sacrificador?

Yosef bem Jair – Com a graça de Deus. Chamo-me Yosef bem Jair. E você?

Yeshua – Yeshua, Yeshua de Tariquéia. E este é Tobias, meu pai.

Yosef bem Jair- Prazer senhor Tobias.

Tobias- O prazer é todo meu. Vamos, Yeshua não temos o dia todo.

Yosef bem Jair- O senhor é cristão?

Tobias- Cristão? Depende. O que é ser cristão?

Yosef ben Jair- Desculpe-me. Pensei que fosse um, por causa do nome de seu filho.

Tobias –Que tem o nome do meu filho?

Yosef ben Jair (sorrindo) – Nada meu senhor. É um belo nome. Não preocupe, orarei pelo senhor também. Vê-se que é um homem fiel e ainda não foi corrompido pelas nova religião fundada pelo galileu (afastando-se sem alongar a conversa).

Tobias- Sacrificadores, homens santos, profetas… Não dê ouvidos a eles Yeshua, senão aliviam sua bolsa antes que…

Yeshua – Não antes que eu alivie-os das suas… (mostrando uma saco de moedas que furtou de Yosef ben Jair).

Tobias – Muito bem. Muito bem (esfregando as mãos). Mais um pouco e você será o melhor ladrão da Judeia.

Yeshua – Ladrão não… O que eu faço é redistribuir a renda. Afinal, vivemos numa sociedade injusta e é preciso corrigir as distorções sociais… (um tumulto chama a atenção de Yeshua). Espere aqui e cuide disto (dando a bolsa de moedas ao pai).

Cena 3 – tomada 2

Multidão – Prostituta, adultera…

Uma mulher- Ela merece morrer apedrejada como manda a Lei.

Yeshua se interpõe entre a bela jovem e a multidão. Apavorada, ela agarra-o por traz e fala nos seus ouvidos.

Maria – Por favor salve-me. Eles vão me matar.

Yeshua (fala dirige-se à ela enquanto a multidão continua gritando) – Se ajudá-la o que ganho?

Maria – O que você quiser.

Yeshua- Feito. Fique aqui.

Multidão- Adultera… Morte ao infiel que protege a criminosa.

Yeshua (adianta-se, abaixa-se, pega algo e abre os braços) – Pelo que vejo esta jovem pecou. A Lei é clara, ela deve ser apedrejada. Aqui temos uma pedra, uma que bem pode ser a primeira de muitas outras. Eu a darei àquele dentre vocês que não tiver pecado algum. Quem for inteiramente puro que atire a primeira pedra.

A multidão silencia. Um homem velho vestido de saco e com cinzas na cabeça adianta-se. Ele está em prantos.

Velho – Não deem ouvidos a ele (para a multidão). Como pode você defendê-la (para Yeshua). Ela deitou-se com meu próprio irmão no leito que deveria ser o nosso ninho de amor.

Yeshua- Você tem certeza disto?

Velho – Se tenho? Eu os vi, com estes olhos que Deus deveria ter cegado antes deles serem tão ultrajados.

A multidão avança.

Yeshua (gritando) – Alto lá! Não vem que este homem estava cego antes mesmo de se casar. Como poderia um homem velho e acabado satisfazer uma esposa tão jovem. Pode não ter sido muito justo o comportamento dela, mas também não seria justo querer que ela ficasse sem gozar os prazeres da vida mantendo-se fiel a um esposo inválido (movendo o braço para indicar a impotência do velho). Quem dentre vocês (apontando para as mulheres) trocaria a virilidade dos seus esposos pelo amor deste velho?

A multidão murmura, sorri e começa a se dispersar. O velho continua a prantear sua má sorte. Alguns começam a desdenhar sua fortuna.

Uma jovem (ao passar pelo velho) – Pensando bem, você os mereceu. Fique com seus chifres, que são o justo prêmio de sua vaidade…

Dois homens armados de punhais, que chegaram pouco antes e assistiam o discurso de Yeshua, ajudam a dispersar a multidão. Yeshua se aproxima de Maria. Segreda algo em seu ouvido. Ela sorri, concorda movendo a cabeça e fala algo no ouvido dele. Os dois se separam depois de Yeshua abraça-la fraternalmente. Corta. Os dois são filmados de costas e vê-se claramente Yeshua apalpar as nádegas da jovem.

Cena 3 – tomada 3

Tobias aplaude cinicamente o filho enquanto ele vê a garota afastar-se.

Tobias- Não demora e ela também colocará chifres em sua cabeça Yeshua.

Yeshua- Paciência pai. Quem há de concertar as mulheres ou de nos fazer ficar longe delas por muito tempo.

Tobias- Tem razão filho. E na pior das hipóteses podemos sempre abandoná-las.

Yeshua- Pois é.

Tobias- Faça como quiser. Mas tem uma coisa filho (agarrando-o pelos cabelos). Que você não tenha amor à sua própria vida é perfeitamente admissível, afinal você não vale nada mesmo. Só que se você continuar a agir de forma tão imprudente e colocar em risco a minha vida juro que o mato ou o abandono à própria sorte.

Yeshua – Mas pai…

Tobias (soltando o cabelo do filho e sorrindo) – Agora vamos. Uma boa refeição nos espera (jogando a sacola para o alto).

A imagem fecha na sacola. Corta.

Cena 3 – tomada 4

É noite. Yeshua troca carícias com a jovem que salvou durante o dia. Alguém bate na porta.

Yeshua (vestindo-se) – É seu marido?

Maria – Não. Ele foi até a aldeia onde residem meus pais pra repudiar-me.

Alguém bate mais violentamente na porta. Escuta-se o barulho de cavalos.

Yeshua – É seu amante.

Maria- Não. Ele fugiu esta manhã com medo da ira do senhor meu marido, seu irmão.

Alguém bate ainda mais violentamente na porta e grita. Além do barulho de cavalos escuta-se o desembainhar de espadas.

Simão- Abram esta porta ou a arrombaremos.

Yeshua (escondendo-se debaixo da cama) – São os soldados. Abra mas não diga que estou aqui.

A jovem abre a porta. Alguns judeus armados entram, dentre eles os dois que viram Yeshua defender a jovem adultera. Após eles, entra um nobre.

Simão- Onde está Yeshua.

Maria- Debaixo da cama.

Simão (abaixando-se)- Então este é o grande homem. Saia daí Yeshua. Não fica bem para um homem talentoso e corajoso esconder-se como um covarde. Sou Simão (estendendo para ajudá-lo a levantar-se).

Yeshua- Yeshua, Yeshua de Tariquéia.

Simão- É realmente um prazer conhecê-lo. Fiquei impressionado quando me contaram o que você fez para salvar esta jovem hoje e… (rindo)

Yeshua- E?

Simão- Ao descobrir também foi você quem aliviou a bolsa de um sacrificador momentos antes. E não adianta negar. Tobias confessou tudo e entregou-o.

Yeshua- Mentira. Foi ele que roubou o tal Yosef bem Jair. Eu sou apenas um carpinteiro, estava passando e…

Simão – Yeshua… Yeshua. Você deve estar achando que sou um tolo. Yosef bem Jair me disse que você o amparou, que foi o único que tocou nele.

Yeshua permanece em silêncio. Simão senta-se ao seu lado, coloca os braços em volta de seu pescoço e continua em tom cordial.

Simão- Yeshua… Yeshua. Sua situação é muito complicada. Yosef é um homem muito, muito importante. Se souber que você foi preso, tudo fará para crucificá-lo. A obstinação é uma de suas piores qualidades.

Yeshua apenas observa Simão.

Simão- Seria uma pena. Seus talentos bem que poderiam me ser úteis…

Yeshua- Como?

Simão- Uma rebelião contra os romanos está sendo organizada Yeshua. Eu sou um dos lideres. Em Jerusalém as coisas já estão mais ou menos adiantadas. Contudo, em outras cidades encontramos alguma dificuldade para convencer o povo a levantar-se.

Yeshua- E daí?

Simão (irritado)- Daí que se você não quiser morrer posso mandá-lo até Tariquéia.

Yeshua – Mas eu não conheço ninguém em Tariquéia.

Simão- Como? Você acabou de dizer que era de lá.

Yeshua- É. Mas não sou não. Sou de Tiberíades.

Simão- Melhor ainda. Também precisamos de gente em Tiberíades.

Yeshua (franzindo o senho)- Só que não posso retornar tão cedo à Tiberíades.

Simão- Compreendo. Façamos o seguinte. Meus homens o levarão a Tariquéia, lá você será apresentado a alguns dos nossos. Eles providenciarão tudo que for necessário para que você possa fazer seu trabalho. Mas se tentar fugir, eles o matarão.

Yeshua- Que devo fazer?

Simão- Apenas convencer o povo que é chegou a hora de recuperarmos nossa liberdade, que o Império Romano está fragilizado pelas lutas internas, que Nero é um imperador fraco, louco e incompetente e que em Jerusalém os revoltosos já são a maioria.

Yeshua observa Simão bestificado. Corta.

Cena 4 – Tomada 1

Yeshua segue para Tariquéia acompanhado dos homens de Simão.

Cena 4 – Tomada 2

Estoura a rebelião em Jerusalém. A guarnição da cidade é atacada na Torre, a qual é ligada por um túnel ao Templo. Nas portas da cidade, parte da guarnição sustenta sua posição possibilitando uma rota de fuga para os demais. O oficial que comanda este destacamento é ferido por uma lança mas não abandona seu posto.

Nas muralhas da cidade, os soldados romanos tentam resistir a avalanche de dardos que são atirados pelos judeus postados em cima das casas. Tentam manter a posição mas não conseguem. Através de escadas encostadas nas muralhas pelo lado de dentro da cidade, os judeus ocupam as muralhas. Aqueles que não se jogam das muralhas para tentar se salvar são mortos ou atirados para fora da cidade.

Uma pequena companhia de cavaleiros combate nas ruas da cidade. Alguns cavaleiros romanos dispersos incendeiam o que podem para provocar o pânico e dispersar atenção dos judeus.

Próximo dali, o general que comanda a guarnição procura salvar o que é possível de seus valiosos pertences e retira-se da cidade escoltado por um pequeno destacamento de cavaleiros que abre passagem na multidão. Depois que a cavalaria e o general ultrapassam as portas da cidade, os soldados que combatem para sustentar esta posição jogam fora os escudos e as couraças. Somente com suas espadas nas mãos viram as costas para o inimigo e fogem em desabalada carreira. Parte dos cavaleiros ocupam as portas e dão combate aos judeus possibilitando a fuga dos infantes.

Toda esta cena é muito rápida. Não há diálogos audíveis. O som da batalha abafa todas as falas.

Cena 4 – Tomada 3

Na cidade os judeus comemoram a vitória despojando os corpos dos romanos mortos e matando aqueles que ficaram apenas feridos. Do alto das muralhas vê-se ao longe a retirada desordenada do que restou da guarnição romana e o retorno dos judeus que perseguiam os fugitivos.

Em cima de um escudo romano segurado por alguns homens, Simão discursa aos seus comandados.

Simão- Deus olhou por nós hoje. Finalmente conseguimos sacudir o julgo romano. Entretanto, não devemos descuidar de nossas obrigações. É preciso fortificar melhor a cidade, forjar armas e conjurar nossos irmãos e aliados a tomarem armas para enfrentar novamente o inimigo. A guerra apenas começou. Logo que a notícia do que aqui ocorreu chegar à Roma os romanos armarão um poderoso exército para enviar contra nós. Temos que estar prontos para defender nossa liberdade e afastá-los definitivamente do solo que Deus deu aos nossos ancestrais. Mas hoje é dia de festa. Festejemos a vitória. Amanhã sacrifiquemos à Deus agradecendo sua divina ajuda. Depois de amanhã começaremos a trabalhar.

A multidão reage favoravelmente ao discurso. As armas e elmos dos soldados romanos são jogados para cima. Corta.

Cena 4 – Tomada 4

Yeshua demonstra cansaço. Ele e seus acompanhantes estão chegando às portas de Tariquéia. Os dois homens de Simão adiantam-se um pouco.

Yago- Ande logo Yeshua, não temos muito tempo. Falta pouco para começar o levante em Jerusalem. Cumpre levantar Tariquéia imediatamente, antes que as tropas que escaparem do massacre em Jerusalém cheguem aqui alertando e reforçando a guarnição romana na cidade.

Yeshua (levantando-se) – Estou logo atras de vocês.

Yosef- É melhor você retornar. Simão nos mata se ele fugir.

Yago retorna até onde Yeshua está. Yosef adianta-se um pouco mais.

Os soldados romanos que guardam as portas estão cochilando em pé apoiados nas suas lanças. Ao passarem a porta da cidade, um mendigo pede uma esmola a Yeshua. Ele volta-se para o pobre diabo, sorri, abre os braços e diz.

Yeshua- Deus olhará por nós irmão. No momento nada tenho que possa dar-lhe além de uma palavra de conforto.

Espantado, o mendigo arrasta-se até ele, beija seus pés. Yago coloca a mão na túnica, retira uma faca e coloca a mão para traz.

Mendigo (murmurando baixinho para Yeshua)- Bendito seja, Jesus. Agora que você finalmente retornou para nos guiar até o reino dos céus ficaremos todos bem.

Sem saber o que dizer, Yeshua apenas afaga a cabeça do mendigo e o ajuda a levantar-se. O mendigo o abraça e sai em disparada gritando.

Mendigo- Ele voltou. Ele voltou. Jesus Cristo está em Tariquéia.

Yosef- Você conhece este homem?

Yeshua (apressando-se para chegar ao acompanhante) – É claro que não. Nunca estive nesta cidade.

Yago – Você pode não conhecê-lo. Mas é certo que ele o conhece ou pensa que o conhece (rindo).

Caminham.

Yeshua (colocando a mão no ombro do Yago) – O que você sabe sobre este tal Cristo.

Yago- Não muito. Parece que foi um jovem rabino que fundou uma nova religião. Se dizia o Messias, mas parece que o Pai o abandonou (rindo) e ele foi crucificado em Jerusalém no tempo em que Pilatos era procurador romano. Dizem que era o filho de Deus, aquele que libertaria os judeus conforme as profecias antigas. Apesar de ter morrido sem nos libertar (rindo) alguns dos nossos irmãos ainda o seguem. Acreditam que ele vai retornar.

Caminham. Yeshua permanece em silêncio coçando a barba.

Cena 4 – Tomada 5

Yosef- Chegamos.

Um homem bem vestido atende a porta demonstrando estar muito temeroso.

Yosef- Simão o saúda João.

João – Entrem, entrem logo. Quem é este?

Yago- Este é Yeshua. Simão o enviou para nos ajudar a convencer o povo a revoltar-se.

João (para Yeshua) – Muito prazer. João.

Yeshua – Igualmente.

João (para Yago) – Acho que teremos que desistir de sublevar esta praça. Desde que vocês estiveram aqui ano passado as coisas pioraram. O povo não só não nos tem dado ouvidos, como também parece estar aderindo em massa a uma nova causa. Até mesmo os rabinos e sacrificadores que não são favoráveis à rebelião estão preocupados (faz uma pausa para tomar fôlego).

Yosef- Vamos. Fale homem. Não temos a noite inteira. Que novo partido é este.

João – Não é um novo partido. É uma nova religião.

Yeshua- A do Cristo?

João- Exatamente. Seus adeptos pregam uma espécie de pacifismo militante.

Yeshua e Yago se entreolham.

Yago- O que você acha Yeshua?

Yeshua- Pode dar certo, mas terei que me informar um pouco mais acerca desta nova religião.

Yosef – Do que vocês estão falando?

Yago- Quando chegamos Yeshua (tocando-lhe o ombro) foi confundido com este tal de Cristo. Acho que podemos tirar proveito disto para convencer o povo a nos apoiar.

João- O povo crédulo pode até acreditar nesta história, mas o que diremos aos rabinos e sacrificadores? Nãos esqueçam que até mesmo os que nos apoiam são contrários à esta nova religião.

Yeshua – Reúna os rabinos e sacrificadores, os que nos apoiam numa casa e os que não nos apoiam e outra. Direi a uns que pretendo sublevar o povo e a outros que farei de tudo para convencer o povo a abandonar a nova religião. Que acham?

João – É perigoso.

Yago- Vamos homem. Deixe de ser medroso. Que temos a perder?

João olha Yosef, que por sua vez se mantém em silêncio.

João (dando de ombros)- Seja feita a vontade de vocês. Fiquem aqui e não saiam. Os romanos andam desconfiados e revistam todos os estranhos.

Cena 5 – Tomada 1

Os rabinos e sacrificadores saem da casa onde Yeshua estava. Escutam-se comentários favoráveis e desfavoráveis ao plano de reconquistar os cristãos através de sua credulidade. A câmara acompanha os sacrificadores, que são filmados apenas de perfil.

Rabino 1 – Não fiquem apreensivos. Este Yeshua servirá bem aos nossos propósitos. Ele afastará nossos irmãos dos lideres cristãos lançando o messias deles no descrédito.

Rabino 2 – Ainda acho muito perigoso deixar estes malucos agirem. E os romanos? Que farão conosco quando perceberem que facilitamos a sedição.

Rabino 1 – Fique calmo irmão. Dê tempo ao tempo. Quando entregarmos Yeshua aos romanos eles nos perdoarão. Se não perdoarem, sempre podemos contar com a ganância do comandante da guarnição.

Cena 5 – Tomada 2

Em um dos aposentos da casa de João, Yeshua e os outros conversam. A câmara passeia pelo aposento e fecha em close sobre o rosto de Yeshua.

Yeshua – Estamos combinados?

Yago – Onde está a muleta.

Yosef – Aqui (entrega a muleta para Yago). E não se esqueça. A partir de agora você é um aleijado.

Yeshua – Estarei na praça onde os cristãos se reúnem. Me encontrem lá duas horas depois do meio dia.

Yosef – Está certo. Encontro vocês lá. Preciso rodar as tabernas e os becos anunciando a chegada do Cristo. E você não esqueça de sair daqui usando as muletas.

Cena 5 – Tomada 3

Yeshua está cercado de admiradores na praça central da cidade. Discursa. Uma câmara filma a multidão, outra Yeshua cercado por ela. Uma terceira câmara filma toda a cena sendo observada por um oficial romano.

Yeshua – Me perguntaram se sou o Cristo. Como poderia responder esta pergunta? O Cristo foi crucificado porque acreditava que os homens devem ser julgados pelas suas ações e não pelas suas palavras.

Um homem na multidão- Então como saberemos que você é o Deus encarnado?

Yeshua (aproximando-se de um aleijado, que é Yago disfarçado) – Fé irmãos. Tudo é uma questão de fé. Vejam este irmão… (retirando as muletas do aleijado)

Yago (cai no chão como se fosse um aleijado) – Minhas muletas. Não posso andar sem elas…

Yeshua (para o aleijado) – Não pode andar sem elas. Mas porque irmão. Suas pernas estão curadas (tocando levemente a cabeça de Yago). Agora levante-se e ande, você não precisa de muletas.

O aleijado faz um esforço tremendo e fica em pé. Depois, com alguma dificuldade dá alguns passos e cai novamente sentado.

Yeshua – Levante-se irmão (amparando Yago). Continue. Você pode até desistir de andar, mas não de viver. O que é melhor? Viver e andar com alguma dificuldade ou apenas viver?

Yago – Viver e andar (levantando-se novamente e apoiando-se numa parede).

Yeshua- Então faça o que é necessário. Ande.

Yago dá alguns passos apoiado na parede. Logo depois começa a andar entre os demais, primeiro mancando e depois perfeitamente.

Yago – Milagre. Milagre. Estou curado.

Cena 5- Tomada 4

Um cego que estava trocando segredos com o homem que interpelou Yeshua aproxima-se dele e o toca.

Cego 1 – Luz irmão. Luz para meus olhos.

Yeshua – Você verá irmão. Verá nitidamente tudo o que quiser.

Cego 1 – Mas ainda não vejo.

Yeshua – Tenha fé e verá

Yeshua segura as mãos do cego e entrega-lhe uma moeda.

Yeshua – Diga-me irmão. O que coloquei em suas mãos?

Cego 1 (tateando a moeda com atenção) – É uma moeda (coloca a moeda entre os dentes e morde). Uma moeda de ouro. Deus seja louvado. Cem dracmas gregos…

Yeshua – Estão vendo irmãos. Isto explica porque ele não vê com os olhos. Não precisa, pois é capaz de ver com as mãos. Não há cura para você irmão. Você já está curado. Agora dê o fora daqui (retira a moeda das mãos do cego e passa-a da mão direita para a esquerda, a qual depois levantou bem alto)…

Cego 1 – Dê-me-a. Ela já me pertence (esticando os braços para tomar a moeda da mão de Yeshua).

Um homem na multidão – Porque tiras a moeda de um cego. Jesus Cristo pregou o desapego e a caridade…

Yeshua – A caridade para os que carecem. Não para impostores (livrando-se do importuno cego). Este homem nunca foi cego. Se fosse não seria capaz de ver onde a moeda estava depois que a tirei dele.

A multidão ri. Alguns empurram o homem. Outros chutam o Cego 1, que sai em desabalada carreira como se cego não fosse. Yeshua afaga a cabeça de um outro cego, que percebe ser realmente cego.

Yeshua – E você irmão… Não gostaria de ver novamente?

Cego 2 – Obrigado irmão. Mas estou muito bem assim.

Yeshua – Por que?

Cego 2 – Porque nasci assim. Além do mais, já estou velho e nada sei fazer a não ser esmolar. Se fosse curado como sobreviveria?

Yeshua – Deus seja louvado (olhando para o céu). Tariquéia merece ser salva. Aqui ainda existem homens honestos (colocando a moeda nas mãos do cego).

Cego 2- Você é um bom homem. Deus lhe pague.

Multidão – Ele voltou. Jesus Cristo voltou. Jesus está em Tariquéia. Estamos salvos…

Cena 6 – Tomada 1

O oficial que observa a reunião na praça procura o comandante da guarnição.

Oficial – Vou me misturar a eles (tirando a couraça, o elmo e armas e entregando a outro soldado). Você fica aqui. Se as coisas piorarem, avise o comandante. E você (para outro soldado), diga ao comandante o que está ocorrendo e que eu acredito que é melhor mandar fechar as portas e colocar o resto dos homens em prontidão.

Os dois soldados cumprem suas ordem sem questioná-las.

Cena 6 – Tomada 2

Yeshua continua a pregar aos habitantes de Tariquéia. O oficial romano infiltra-se entre eles, aproxima-se de Yeshua e dirige-se à multidão.

Oficial – Não deem ouvidos a este agitador. Os romanos não gostarão nada se descobrirem que há entre vocês um líder que promete salvar Tariquéia.

Yeshua – Fique tranqüilo irmão. Eu não disse que lideraria os habitantes contra os romanos. A Roma o que é de Roma.

Oficial – Sei sei… A Roma o que é de Roma. Aos judeus o que é dos judeus. Roma é dos romanos e a Judeia dos judeus…

Yeshua – Você é que está dizendo isto. Não eu.

Um homem na multidão (Yosef) – Traidor. Traidor. Tirem este traidor daqui. Está tão dominado pela águia romana, que já se esqueceu dos feitos de nossos ancestrais. Não precisamos judeus covardes como você, mas de novos macabeus.

Yeshua observa a multidão, que espera ansiosa sua reação. Corta

Cena 6 – Tomada 3

No interior de um salão, diante de uma ampla mesa o comandante da guarnição transmite suas ordens aos oficiais.

Marcio Varrão – Fecharemos todas as saídas da praça. Aqui, aqui e aqui (apontando para um mapa da cidade). Os soldados devem ser divididos em cinco destacamentos. Você, Antonio, levará um destacamento até este ponto. Severo… você levará outro até aqui. Marco, você ocupará viela. As fileiras devem ser cerradas. Quero os melhores homens na primeira fila. Cneu Fulvio comandará a reserva, que aguardará no mercado. Mânlio… você se incumbe do destacamento que vigiará as muralhas e as portas da cidade.

Mânlio – Devo ordenar o fechamento das portas?

Márcio Varrão – Só depois que a cavalaria retornar para a cidade. Já despachei um soldado com a incumbência de chamar os cavaleiros no sítio onde eles estão treinando. O que estão esperando? Mexam-se. Não temos muito tempo.

Os oficiais saem da sala. A câmara acompanha-os. Corta

Cena 6 – Tomada 4

Na praça a multidão ainda espera a reação de Yeshua.

Yosef – Macabeus, macabeus…

A multidão adere ao coro. O oficial romano disfarçado é cercado. Temendo por sua vida, ele retira um punhal escondido sobre a túnica. Um rapaz na multidão tenta detê-lo e é mortalmente ferido. Yeshua o domina. Procura acalmar a multidão.

Um homem na multidão (apontando para Yeshua) – Este não é Jesus Cristo. O filho do homem pregou a paz entre os homens de boa vontade, que devemos dar a outra face ao inimigo. Impostor…

A multidão começa a revoltar-se contra Yeshua. Ele calmamente entrega o oficial romano a Yosef.

Yeshua – Obrigado irmão. Irmãos…

Yosef – Este homem é romano. Eu o conheço. É um dos oficiais da guarnição.

Yago– Morte ao romano. Macabeus, macabeus…

Yeshua – Irmãos… Nosso irmão tem razão. Eu preguei a paz entre os homens de boa vontade (erguendo nos braços o corpo do rapaz morto pelo romano). Mas que boa vontade podemos atribuir aos romanos se eles se infiltram entre nós armados e matam nossos filhos? O que dizer destes homens sequiosos de poder, glória e riquezas que fazem o sangue da Judeia verter nas escadas de nossas cidades? (faz uma pequena pausa esperando a reação da multidão). É verdade que devemos dar aos inimigos a outra face. Mas como poderíamos dar a estes assassinos profissionais a mesma face cordial, sorridente e amistosa que um dia demos aos filhos que encontraram a morte através de suas mãos? Não irmãos. Nossos inimigos não podem e não devem ser tratados da mesma forma que nossos amigos. Para eles nossa face deve ser outra, irada, impassível, exatamente aquela com que Judas Macabeu encarava nossos inimigos antes de exterminá-los.

Multidão- Macabeus. Macabeus.

Um homem na multidão – Não escutem esse impostor. Cristo foi pregado na cruz em virtude de pregar o amor e não o ódio.

Yeshua – Exatamente. Mas agora retornei para mostrar-lhes irmãos que o caminho que leva à liberdade é outro, diferente daquele que me levou à cruz. Se os romanos não querem a paz (levantando o punhal ensanguentado). A Roma o que é de Roma. Os romanos querem sangue, então que nadem no sangue de suas próprias legiões. Sigam-me eu sou o caminho, a verdade e a vida.

Um homem na multidão – Cordeiro de Deus, que tirai os pecados do mundo… (é atacado Yosef e Yago)

Yeshua – Deixem-no irmãos. Ele é um igual, mesmo que não queira me seguir deve ser bem tratado. Irmãos. Eu sou o cordeiro de Deus… Como cordeiro já fui sacrificado pelos romanos. E para que? Para que vocês não sejam mais cordeiros. Como cordeiros vocês continuarão sendo sempre sacrificados pelos romanos. É por isto que retornei. Não como cordeiro, mas como Leão. E é como leão que vou conduzi-los ao paraíso da liberdade (cravando o punhal no peito do romano). Mas a liberdade irmãos… A liberdade é um fruto doce que nasce em árvore espinhosa. Aos espinhos irmãos… Deus olhará por nós.

Cena 6- Tomada 5

A multidão ergue Yeshua. Um homem aparece conduzindo uma carroça cheia de armas. É acompanhado por outros rebeldes. Rapidamente a multidão é armada. Os romanos seguem em ordem para fechar as saídas da praça. Mas antes que a batalha se inicie, os romanos são forçados a se render. O restante dos rebeldes, liderados por João, corta as rotas de fuga dos romanos forçando a guarnição inteira a capitular. A multidão ensandecida ataca furiosamente os romanos. Os lideres da rebelião tentam evitar o massacre mas não são ouvidos. Segue-se a carnificina.

Cena 6 – Tomada 6

Uma criança e algumas mulheres vagam na penumbra procurando despojos entre os corpos dos romanos. A comemoração dos rebeldes pode ser ouvida à distância.

Cena 7 – Tomada 1

Narrador:- A rebelião espalha-se rapidamente pela Judeia. Vespasiano aceitou o encargo lhe atribuído por Nero. Após realizar os preparativos necessários partiu a para a Síria com as tropas recrutadas na Itália. Em Antióquia, fez a junção com o exército armado pelo Rei Agripa seguindo até Toleimada, onde encontrou Tito, seu filho, à frente das legiões que vieram de Alexandria. À frente deste poderoso exército, Vespasiano penetra na Judeia atacando Jotapat, uma das maiores e mais poderosas praças em poder dos rebeldes. A resistência dos judeus é vigorosa, mas eles não tem condição de enfrentar o poderio romano. Depois que as muralhas da cidade foram derrubadas pelos arietes, a cidade foi invadida, saqueada e queimada. Sem dar tempo para o inimigo reforçar suas outras posições, as legiões romanas seguem adiante, atacando Joppe e Tiberíades, que são facilmente conquistadas. Pouco tempo depois a águia imperial romana é ostentada diante das portas de Tariquéia. (pausa) Os judeus aguardam os romanos fora das portas organizados em ordem de batalha. Yeshua comanda a ala direita do exército improvisado em Tariquéia. Segue-se violenta batalha campal, em que os judeus infringem pesadas perdas aos romanos mas são derrotados e fogem para a cidade. Quando chegam às portas, elas estão fechadas. Aqueles que ficaram na cidade se amotinaram seguindo o partido daqueles que eram favoráveis à capitulação. Tariquéia abre suas portas para os romanos e Vespasiano resolve poupar a cidade. Yeshua e alguns rebeldes conseguem fugir para o lado de Genesaré , onde, após imporem algumas perdas aos romanos, são derrotados em uma batalha naval. Yeshua é preso e levado a julgamento junto com outros líderes rebeldes.

Enquanto o narrador fala, uma animação é projetada na tela possibilitando ao espectador visualizar todo o movimento das tropas romanas. Quando, na animação, os romanos chegam a Tariquéia começam a ser projetadas cenas dos dois exércitos perfilados em ordem de batalha e de Yeshua à frente do flanco direito. Segue-se o ataque dos judeus e começa a batalha campal, sustentada com ordem pelos romanos.

Cena 7 – Tomada 2

Vespasiano está sentado em sua cadeira curul (cadeira alta) no centro da praça onde começou a rebelião em Tariquéia. Segura o machado (símbolo de sua autoridade). Ao seu lado estão seus litores. Atrás dele e ocupando duas das saídas da praça estão suas legiões. Diante dele há um pequeno espaço vago. Logo adiante, apertada na outra rua que dá acesso à praça, está a multidão dos habitantes da cidade. Alguns soldados romanos fecham a da praça, impedindo que a multidão a ocupe.

Litor (lendo uma tabuleta) – Yeshua, data e local de nascimento ignorados. Foi visto comandando a ala direita do exército dos rebeldes diante da cidade e liderou a resistência dos judeus no lago de Genesaré.

Vespasiano – O que tem a dizer em sua defesa?

Yeshua – Apelo para vossa clemência meu senhor. Fui obrigado a ajudar os rebeldes meu senhor. Eles me prenderam em Jerusalém, me trouxeram até aqui à força e prometeram me matar se eu não os ajudasse.

Vespasiano – A clemência é uma virtude tipicamente romana. Roma sabe distribuí-la com generosidade, mas apenas para aqueles que não contestam os legítimos direitos de guerra injusta e violentamente. Após a derrota nas portas da cidade você poderia ter se rendido, mas preferiu liderar a resistência no lago obrigando-nos a construir embarcações para combatê-lo. É culpado. Litores… Vergastem e decapitem este homem para que ele sirva de exemplo.

Um judeu rompe o bloqueio dos soldados e se coloca de joelhos diante de Vespasiano, que afasta seus homens com um simples aceno.

Vespasiano – O senhor tem algo a dizer em benefício deste condenado.

Quando o judeu levanta o rosto, descobre-se que é um dos rabinos que participou da reunião com Yeshua. O mesmo que disse que o entregaria caso fosse necessário.

Rabino 1 (apontado para Yeshua) – Não meu senhor. Ao contrário. Ele é o grande responsável por tudo que ocorreu aqui. Merece um castigo mais severo. Foi ele que se disse Jesus Cristo e incitou os cristãos a se rebelarem e convencerem os judeus a pegarem em armas contra nossos legítimos senhores. Foi ele que se fez passar pelo falso messias…

Vespasiano – Ele se fez passar por Jesus Cristo, o falso messias que foi condenado no tempo em que Pilatos era o procurador romano e Otávio o Imperador?

Rabino 1- Sim meu senhor. E mais, foi ele que apunhalou um oficial romano diante da multidão dando a todos um exemplo odioso de sua religião odiosa e pervertida.

Vespasiano – Isto é verdade Yeshua?

Yeshua – É mentira… É mentira. Quem matou o romano foi João. Eu nem estava presente quando tudo ocorreu.

Alguns na multidão – Ele mente. Ele mente. Crucifiquem-no.

Vespasiano (após meditar um pouco) – Além de clementes, os romanos são generosos. Sempre que podemos atendemos os clamores de nossos aliados. Crucifiquem este também.

Aplausos. Yeshua é colocado ao lado de outros que também foram condenados a crucificação, que são Yago e Yosef.

Vespasiano – O próximo. Não tenho o dia todo.

Corta para a cena do início do filme. Os corpos dos crucificados estão em decomposição e servem de alimento para os abutres. Já não há mais nenhum soldado junto às cruzes. Ao longe vêem-se as legiões romanas marchando.

Narrador:- Pouco tempo depois da tomada de Tariquéia, os romanos seguiram para Gamala. Conquistada esta cidade e outras menos importantes, as legiões romanas apertaram o cerco a Jerusalém. A cidade resistiu aos romanos por muito tempo, mas acabou sendo invadida e arrasada. O Templo dos judeus foi incendiado e demolido. Mas antes que isto acontecesse, Nero morreria e Vespasiano se tornaria o novo imperador romano.

FIM

Fábio de Oliveira Ribeiro

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador