Democracia para inglês ver, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O primeiro grande ato de Boris Johnson como Primeiro Ministro foi solicitar e obter da Rainha o fechamento do Parlamento da Inglaterra.

Foto The Guardian

Democracia para inglês ver, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O primeiro grande ato de Boris Johnson como Primeiro Ministro foi solicitar e obter da Rainha o fechamento do Parlamento da Inglaterra. Na prática ele se tornou um “ditador temporário”, com poderes absolutos para decidir sozinho a política interna e externa do seu país.

A imprensa classificou esse ato como um golpe de estado. Segundo a tradição constitucional inglesa o fechamento do Parlamento só é possível em razão de uma situação excepcionalmente grave, ou seja, durante uma crise interna ou externa que coloque em risco a existência do governo ou do Estado inglês. A realidade fática não justifica a decisão da Rainha ou o pedido do Primeiro Ministro, pois a Inglaterra não está em perigo.

Impossível não comparar o que acontece na Inglaterra ao que ocorreu no Brasil. Assim como a substância da nossa democracia foi destruída por uma fraude jurídica (Dilma Rousseff não cometeu crime de responsabilidade e não deveria ter sido removida da presidência), o regime democrático inglês foi suspenso por um desnecessário ato de vontade do Primeiro Ministro e da Rainha.

Nos dois casos podemos ver a influência deletéria da economia sobre política. Essa característica marcante do neoliberalismo (e seu desprezo pela democracia) já havia provocado a derrocada de um governo de esquerda eleito na Grécia. Como a política não pode mudar a economia (como foi dito a Yanis Varoufakis durante as negociações da dívida grega), segue-se que a democracia precisa ser flexibilizada sempre que os interesses econômicos se considerem em risco. A decadência do parlamentarismo inglês equivale, portanto, a mais uma vitória da corrupção.

O principal líder da oposição disse que está fazendo o possível para contornar o golpe de estado que foi dado na Inglaterra. Manifestações ocorreram e foram convocadas em várias cidades inglesas, mas a verdade é que “a força da grana que ergue e destrói coisas belas” (como diz uma música de Caetano Veloso) está se fazendo sentir na terra da Rainha. As coisas irão se complicar ainda mais para os ingleses se o “ditador temporário” Boris Johnson decidir comprometer tropas inglesas num conflito de grandes proporções iniciado pelos EUA no Oriente Médio ou na Ásia.

Duas últimas observações. Uma deputada inglesa da oposição postou um Twitter comparando Boris Johnson aos tiranos latino-americanos. Ela precisava nos ofender? Não poderia comparar o ditador inglês à um rei medieval da própria Inglaterra?

O Primeiro Ministro da Inglaterra é um grande admirador da civilização grega. Ele ficará especialmente surpreso se os ingleses resolverem defender sua democracia aplicando o Decreto de Demofanto de 410 aC?

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário
  1. Foi de Boris Johnson que deu um golpe?
    No Reino Unido há determinadas tradições que mesmo surpreendentes e os Ingleses de tão condicionados desde sua infância nem notam quão anacrônicas e fora do tempo que eles estão.
    O último exemplo do “golpe” que o primeiro ministro inglês aplicou sobre todo o sistema é produto de um destes anacronismos da legislação inglesa, ou seja, uma rainha bloquear o funcionamento do parlamento por um dado período. Porém os poderes dos Reis da Inglaterra não são limitados a este ponto, havendo os chamados Queen’s “Order in Council” que quando emitidos pelo palácio de Buckingham só podem ser contestados pela “House of Lords” e não pela câmara dos Comuns (os eleitos pelo povo inglês) que para revoga-la terão que fazer uma lei específica contra ela.
    Para ver que este anacronismo persiste até os dias de hoje, é a “Order in Council” que foi emitida em 2002 também a pedido do primeiro ministro para impedir que os Chagossianos, habitantes por três séculos das ilhas em que há a base norte-americana de Diogo Garcia no oceano índico que voltassem para sua casa. Este tipo de legislação pode ser emitido a pedido do primeiro ministro ou simplesmente por vontade do palácio de Buckingham.
    Este tipo de lei, também foi utilizada para o início de uma guerra que é totalmente esquecida, a guerra de 1812 entre a Inglaterra e os Estados Unidos, e geralmente é utilizada para assuntos da Região da Commonwealth onde a rainha Elizabeth II é formalmente um monarca constitucional e chefe de Estado. Dentro desta região está incluído o Canadá, Austrália, Nova Zelândia e naturalmente o Reino Unido. Certamente para os países citados a ação da Rainha da Inglaterra respeita os parlamentos locais, entretanto para o caso dos Chagosianos e outra ilhas pequenas o respeito aos nativos é inversamente proporcional a área que possuem as possessões inglesas e diretamente proporcional aos interesses estratégicos do país ou de seus aliados mais próximos como os USA, por exemplo.
    As pessoas podem perguntar o por quê deste anacronismo de um país que é considerado como uma grande democracia, há duas razões básicas, a primeira e mais importante é a presença da rainha da Inglaterra como chefe de Estado dos países de Commonwealth, mas a segunda e mais sutil é a doutrinação que os ingleses recebem desde pequenininhos sobre a Realeza. Para dar destaque a isto, conto um evento anedótico das filhas de um professor da minha universidade que estavam numa creche inglesa, enquanto ele fazia doutorado (com bolsa e pagamento de taxas da universidade pelo governo brasileiro), a mãe das meninas soube que todos os dias eles faziam uma cerimônia de lealdade a rainha a Inglaterra, ela como uma boa brasileira sem complexo de vira-lata, foi até a creche e exigiu que suas filhas fossem retiradas desta cerimônia, coisa que foi feita pela diretora. Porém o importante é destacar que desde a mais tenra idade os Ingleses são condicionados a simplesmente VENERAREM algo anacrônico e totalmente irreal como uma monarquia hereditária.
    A partir do texto, a pergunta do título retorna: Foi Boris Johnson que deu um golpe? Ou simplesmente a aceitação de uma sociedade anacrônica em que alguém tem uma forma de poder simplesmente porque nasceu filha de alguém!

Comentários fechados.

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