Estudantes de Direito podem ensinar algo ao CNMP?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Os procuradores federais são regiamente pagos para realizar uma atividade essencial de interesse público. A Lei que regulamenta a atividade deles não pode ser ignorada como se sua observância fosse apenas facultativa.

Estudantes de Direito podem ensinar algo ao CNMP?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Antes de entrar propriamente no assunto me permito uma pequena digressão que será fundamental para concluir esse texto.

Em 1985 comecei minha carreira como estagiário e depois advogado do Departamento de Assistência Jurídica do Diretório Acadêmico XVII de Abril (rebatizado CAJ), uma instituição privada sem fins lucrativos mantida pelos alunos e ex-alunos da Faculdade de Direito de Osasco que prestava assistência jurídica gratuita à população carente de Osasco.

Nenhum estagiário ou advogado do CAJ recebia qualquer tipo de remuneração. Os honorários de sucumbência recebidos nos processos eram revertidos em favor da entidade, pois além da colaboração eventual dos seus membros ela não tinha qualquer fonte de sustento. As doações feitas ao CAJ por empresas da cidade quase sempre se limitavam ao material de escritório utilizado pela entidade. Em meados de 1991 um membro daquela entidade foi acusado de obter vantagem pessoal qualquer em razão de um processo acompanhado pela instituição.

O caso foi tratado com a devida seriedade. A acusação foi reduzida a termo, determinando-se a abertura de um processo administrativo. O acusado foi chamado a se defender. Todos os envolvidos (estagiários, advogados, assistidos, etc…) prestaram depoimento. Depois que o acusado apresentou suas alegações finais o processo foi julgado pela comissão processante. O acusado foi expulso da entidade.

Citei esse episódio ocorrido em Osasco há quase três décadas para ilustrar como uma instituição que presta um serviço público, seja ela privada ou pública, deveria se comportar diante de irregularidades. Vamos agora ao assunto que interessa.

O Decreto-Lei n० 75/1993 , é absolutamente cristalino http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp75.htm. Compete ao procurador federal “declarar-se suspeito ou impedido” sempre que tiver algum interesse pessoal na causa (art. 236, VI), sendo-lhe absolutamente vedado obter “a qualquer título e sob qualquer pretexto” lucro em razão de sua atuação no processo. Ele também está proibido de “exercer atividade político-partidária” (art. 237, I e V).

Os documentos divulgados pelo The Intercept/Folha comprovam que Deltan Dellagnol não só tinha interesse pessoal na prisão de Lula (fato que o obrigava a dar-se por suspeito no processo), como se vangloriou de ter criado condições para obter lucro financeiro em razão da condenação do ex-presidente petista. O chat comprova uma suspeita que já havia sido levantada pela defesa de Lula. A representação por esse motivo foi arquivada, pois o CNMP considerou legítima a realização de palestras para fins filantrópicos https://www.conjur.com.br/2017-nov-28/cnmp-palestras-dallagnol-foram-corretas-filantropicas.

A tese suposta filantropia Deltan Dellagnol, entretanto, é destruída pelo dolo específico revelado pelo documento publicado pelo The Intercept, pois “…Dallagnol e um colega da Lava Jato discutiram a constituição de uma empresa na qual eles não apareceriam formalmente como sócios, para evitar questionamentos legais e críticas. A ideia era usar familiares.” https://theintercept.com/2019/07/14/dallagnol-lavajato-palestras/

Esse caso deveria ser desarquivado e reapreciado pelo CNMP. Afinal, as novas provas que vieram a público não só confirmam a denúncia feita contra o procurador como sugerem que ele pode ter cometido outra infração: enganar o CNMP com uma versão dos fatos que não correspondia à verdade.

Os demais procuradores envolvidos neste caso também deveriam ser investigados.Eles tinham obrigação funcional de “adotar as providências cabíveis em face das irregularidades” de que tiveram conhecimento (art. 236, VI, do referido Decreto-Lei n० 75/1993) e não reportaram às autoridades do MPF e do CNMP a conduta inadequada do colega que pretendia lucrar com a prisão de Lula.

Os procuradores federais são regiamente pagos para realizar uma atividade essencial de interesse público. A Lei que regulamenta a atividade deles não pode ser ignorada como se sua observância fosse apenas facultativa. O CNMP é um órgão estatal cuja missão é investigar e, eventualmente, punir as infrações cometidas pelos procuradores federais e promotores estaduais.

Não devemos esperar do CNMP uma seriedade pelo menos igual àquela que foi empregada pelo CAJ num caso semelhante? A conferir.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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