Gebran, o magnífico que aterrizou na lama


O material mais recente divulgado pelo The Interncetp/Veja demonstra o grau de promiscuidade que existia entre Deltan Dellagnol e um desembargador do TRF-4:

“Os diálogos mostram, de um lado, que João Gebran Neto, relator da Lava Jato em segunda instância (TRF-4), conversava sobre seus votos ainda não concluídos com os procuradores que atuam na operação. As conversas de Telegram denotam, ainda, que a turma de Curitiba quis agilizar a negociação de um acordo de delação premiada com um réu que possivelmente seria absolvido porque as provas foram consideradas “fracas” por Gebran.”
https://jornalggn.com.br/noticia/vazajato-joga-1a-bomba-sobre-trf-4-com-conversas-que-implicam-gebran-e-a-industria-da-delacao/

Tudo o que foi dito até aqui sobre a necessidade de Sérgio Moro ser imparcial https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/lei-de-excecao-num-tribunal-medieval-quanta-modernidade-so/ também se aplica aos desembargadores do TRF-4. Entretanto, há algo mais que merece ser dito em relação ao material publicado pelo The Intercep/Veja.

Quando julga recursos, o TRF-4 funciona como instância revisora do que foi feito na primeira instância. O que é válido para a atividade judicial propriamente dita, também o é para a atividade do MPF, pois o procurador que funciona na segunda instância não é o mesmo que atuou na primeira.

O membro do órgão acusatório para o qual o caso for distribuído na instância superior pode tanto concordar quanto discordar do que foi feito pelo seu colega da primeira instância. Portanto, mesmo que o procurador de primeira instância insista na condenação do réu, por exemplo, a tese dele pode ser descartada se o procurador que atua na segunda instância não estiver convencido de que o réu merece ser condenado.

Para ilustrar esse fenômeno, menciona aqui um Habeas Corpus em que eu mesmo fui o paciente https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI197075,91041-Advogado+nao+respondera+acao+penal+por+acusacao+de+calunia+a+juiz. No meu caso, entretanto, quem funcionou como segunda instância foi o STJ.

Quando o HC em meu favor foi impetrado no TJSP, o Ministério Público opinou pela não concessão da segurança e a tese dele foi acolhida pelo Tribunal. Meus advogados recorreram dessa decisão. O processo foi então remetido para o STJ e o novo procurador responsável pelo caso opinou pela concessão da ordem de segurança. A tese dele foi acolhida pelo Tribunal e o processo criminal movido contra mim foi trancado.

Juízes e procuradores que atuaram na primeira instância não podem e não devem interferir no funcionamento da segunda instância. O desembargador da instância revisora somente se comunicará com a instância inferior num caso: quando entender que os autos devem ser devolvidos à Vara de origem após o trânsito em julgado do Acórdão ou, excepcionalmente, quando alguma providência essencial tenha que ser tomada antes do julgamento do recurso. A comunicação entre as duas instâncias (originária e revisora) é feita apenas de maneira formal e no processo.

O material divulgado pelo The Intercept demonstra que no Paraná a primeira e a segunda instância da Justiça Federal e do MPF foram transformadas numa mixórdia, numa panelinha política. Violentando todas as regras de organização judiciária, Deltan Dellagnol tinha acesso direto ao desembargador João Gebran Neto.

Além das obrigações funcionais impostas pela Lei Orgânica da Magistratura http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp35.htm, o desembargador tem que cumprir e fazer cumprir o Regimento Interno do Tribunal a que está vinculado https://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/apg_regimento_interno_2019_05_04.pdf.

Na qualidade de relator da Lava Jato, João Gebran Neto deveria preservar sua imparcialidade. Ele não tinha competência funcional para entregar antecipadamente, a um procurador de primeira instância, os votos que daria nos processos em que estava atuando. A conduta dele revelada pelo The Intercept é indigna e indecorosa. Em tese, Gebran poderia até ser punido por “proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções” (art. 66, § 5º, inciso II, do Regimento Interno do TRF-4).

Não é normal a promiscuidade processual entre juízes e procuradores na primeira instância. É inadmissível a relação processualmente comprometedora entre o referido desembargador do TRF-4 e um procurador vinculado à primeira instância. Ao devido processo legal, que deve ser respeitado inclusive e principalmente pelos agentes do Estado, repugna tanto a conspiração entre Sérgio Moro e Deltan Dellagnol quanto a interferência deste procurador no resultado dos processos da Lava Jato na segunda instância.

O escândalo envolvendo João Gebran Neto é gravíssimo e pode resultar tanto numa intervenção no TRF-4 quanto no afastamento do desembargador. Em qualquer dos casos será inevitável a anulação de todos os processos da Lava Jato em que ele atuou.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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