Greenwald e a merdocracia fascista brasileira

Apenas alguns dias separam o desabafo político de um Juiz do Trabalho da denúncia esdrúxula feita contra Greenwald por um membro do Ministério Público. Os dois episódios confirmam a decadência do discurso jurídico https://jornalggn.com.br/justica/do-seppuku-da-oab-ao-ativismo-xamanico-do-mp-so-foram-necessarios-tres-pulinhos/ , mas convém julgar qual deles é mais pernicioso.

Ao sentenciar um processo o juiz deve se ater aos limites do caso. Ele pode acolher ou rejeitar o pedido. Mas se conceder ao autor algo diferente do que foi pedido a parte prejudicada poderá recorrer. Ao revisar a sentença o Tribunal poderá reformá-la total ou parcialmente. O prejuízo nesse caso será mínimo, pois geralmente os recursos suspendem a execução do julgado.

O desabafo político do juiz fere a técnica processual e provoca muito estranhamento. Ele não diz respeito ao próprio processo e deveria ser feito em outro lugar. Todavia, se a manifestação ideológica impertinente do magistrado não interferiu no resultado da decisão a afirmação de que nós vivemos numa merdocracia neoliberal neofascista pode muito bem ser ignorada.

No próprio processo o desabafo político do juiz só terá relevância jurídica se causar um dano à parte. Fora dele, entretanto, a situação é diferente. O juiz poderá sofrer uma punição administrativa do CNJ em virtude de ter utilizado um documento público para expressar suas opiniões privadas sobre a situação do país.

Uma denúncia feita por razões politica produz consequências jurídicas e processuais diferentes de um desabafo ideológico lançado indevidamente na sentença. O juiz causou um mal apenas a si mesmo. A conduta dele é qualitativamente diferente da do promotor que criminalizou o jornalismo para perseguir criminalmente causou o jornalista.

Nunca é demais citar um especialista do próprio MPF:

“O Ministério Público é, na previsão do art. 129 da Constituição, o único detentor da legitimidade ativa para a ação penal pública. é, nessa seara, o dominus litis, o dono do litígio. Isso não é pouca coisa. é enorme responsabilidade. Só ele pode formar o juízo de reprovabilidade concreta de uma conduta para subsumi-la à norma penal. Mas nisso, ele não tem qualquer discricionariedade.

O oferecimento da denúncia é um poder-dever. No nosso sistema, ao constatar a prática de crime, o Ministério Público é obrigado a propor a ação penal. Ele não tem a possibilidade de relevar a conduta e promover ‘sua’ política criminal à margem da lei. A hipótese geral é descrita pelo legislador. É este que avalia se um determinado bem jurídico é de tal monta que mereça a tutela da lei penal. Violado esse bem, a que a lei atribui tal tutela, não há outra saída para o promotor de justiça senão promover a persecução penal. Não o fazer por motivos de sentimento, ‘ponto de vista’ particular significa prevaricar. É crime funcional.

A persecução contra alguém na justiça criminal é um ato gravíssimo. Por si só, a instauração da instância criminal implica submeter alguém a intensa estigmatização. Ser alvo do Ministério Público para eventualmente lhe ser atribuída a prática de crime significa para o réu ser mal visto por pessoas de seu convívio, por mais que apele para a presunção de inocência. é uma indiscutível violência psicológica que se agrava se, ademais, forem impostos ao acusado medidas de caráter cautelar que lhe restrinjam a liberdade pessoal ou a disposição dos bens.

O estado persecutório pode tudo isso porque detém o chamado monopólio da violência. só ele pode legalmente coagir indivíduos para se submeterem à lei. E o direito penal é a expressão mais dura do uso desse monopólio, Ideologicamente (ou ‘dogmaticamente’ como preferem juristas), esse monopólio, além de ser materialização da soberania estatal, é justificado como sendo instrumento para garantir a ‘paz social’.” (Relações Obscenas, coordenadores Wilson Ramos Filho, Maria Inês Nassif e outros, texto Não há nada de ilegal nas conversas – a prova da degeneração institucional do Ministério Público no Brasil de autoria de Eugênio José Guilherme de Aragão, editora Tirant Bloc, São Paulo, 2019, p. 253/254)

A criminalização do jornalismo viola frontalmente a liberdade de imprensa amplamente garantida pela Constituição Cidadã. A perseguição de jornalistas não pacifica a sociedade, apenas cria uma maior tensão entre a sociedade civil e as autoridades públicas que cometem abusos ao transformar seu “múnus público” num instrumento de vingança privada.

Greenwald está sendo tratado indevidamente como criminoso. Ele terá que contratar um advogado para se defender. O custo da defesa não poderá ser cobrado do promotor. Se for condenado, o jornalista sofrerá um dano profissional irreparável mesmo que o Tribunal reforme a sentença.

O processo criminal não pode ser transformado numa arma política. O abuso cometido pelo promotor não deve ficar impune. A infração que ele praticou é muito mais grave que a cometida pelo juiz que criticou a merdocracia fascista brasileira.

A denúncia político-ideológica contra Greenwald é interessante por outro motivo. De certa maneira ela comprova a tese política que o juiz lançou na sentença.

A perseguição criminosa imposta ao jornalista norte-americano pode ser considerada uma evidente materialização do fascismo merdocrático brasileiro. Ao protocolar a denúncia o promotor tinha absoluta certeza de que sua conduta abusiva seria premiada e não punida pelo governo. O ciclo está completo. A valorização institucional da decadência do discurso jurídico compromete o próprio Sistema de Justiça.

Ao receber o processo contra Greenwald o juiz pode fazer duas coisas:

1- Aceitar a denúncia e mandar citar o réu para os atos do processo.

2- Rejeitar a denúncia por ausência de justa causa para a persecução criminal.

Qualquer que seja a decisão ele será intensamente atacado na imprensa. Se rejeitar a denúncia (decisão juridicamente correta, pois a criminalização do jornalismo é inconstitucional) o juiz será crucificado pelos bolsomitos, evangélicos e robôs da familícia com a ajuda de alguns veículos de comunicação que tem se sentido incomodados em razão da estatura jornalística merecidamente conquistada pelo gringo. Se não fizer isso, o juiz será malhado pelos defensores da legalidade que criticam aquilo que outro juiz corretamente nomeou como “merdocracia neoliberal neofascista” brasileira.

Ao decidir, entretanto, o juiz não deve considerar o que é melhor para ele. A decisão mais correta também não é aquela que causa menos dado à imagem do Judiciário. Considerações extraprocessuais (políticas, ideológicas, jornalísticas, etc…) não devem ser levadas em consideração no ato de decidir. A função do juiz é cumprir e fazer cumprir a Lei. Ele goza de prerrogativas profissionais suficientes para não sentir qualquer temor reverencial pela turba.

A multidão nunca está em condições de julgar. Ela apenas expressa suas preferências, muitas das quais são manifestamente ilegais e autoritárias. A Lei exige que o juiz seja imparcial e observe fielmente a legislação de maneira impessoal. Passional, a turba exige julgamentos parciais e, portanto, ilegais.

O problema da judicialização da política é a politização do Judiciário. Mergulhado em disputas políticas ele não consegue mais se manter distante. E para piorar não são poucos os juízes que já demonstram uma predileção neurótica pelo espetáculo.

O que podemos esperar desse juiz em especial? É impossível responder essa pergunta. Uma coisa é certa. A decisão juridicamente correta é a mais fácil. Só faz história num regime de exceção o jurista que se recusa a alimentar a passionalidade da turba que dominou a arena política e ameaça invadir o campo jurídico.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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