O que Snorri Sturluson tem a ensinar para Joaquim Barbosa?

A febre desencadeada pela estréia e duradoura temporada de Thor-2 nos cinemas, fez-me fuçar na minha biblioteca a procura de meu volume “Textos Mitológicos de Las Eddas”, de Snorri Sturluson, Miraguano Ediciones, Madri, 1987. O livro, que foi adquirido por mim há mais de 10 anos num sebo, está em perfeito estado. Trata-se de uma brochura bem encadernada, com o formato 11,2 cm x 19,2 cm e 253 páginas. Acompanha o livro um encarte com 15 páginas redigidas pelo tradutor espanhol Enrique Bernárdez, nas quais ele destaca algumas características históricas, literárias e mitológicas da obra recolhida e registrada por Snorri Sturluson (1179-1241).

Além dos nomes dos personagens (Thor, Odin, Heimdall, Frigg, Freyja, Loki, etc…) e algumas de suas funções dramáticas, os dois filmes de Thor pouco se inspiraram em “Las Eddas”. A verdadeira fonte de inspiração dos filmes foram as HQs, através das quais as narrativas mitológicas registradas por Sturluson foram reinterpretadas e os seus personagens transformados em heróis palatáveis (e parcialmente cristianizados) para o consumo de crianças e adolescentes nos EUA e, por importação, pelos habitantes dos outros países. Das produções cinematográficas muito tem se dito. Portanto, falarei aqui um pouco de “Las Eddas”.

Os textos que compõe “Las Eddas” são variados. Alguns abordam a criação do mundo, a origem dos deuses e seus feitos memoráveis. Outros transmitem a sabedoria, a ética e os preceitos morais dos povos germânicos que partilharam aquela mitologia. Os textos foram transmitidos oralmente por séculos e séculos até serem registrados por Snorri Sturluson.

Alguns dos textos foram escritos em poesia, outros em prosa. Há diálogos que aparentemente foram compostos para serem recitados por vários homens ao redor de uma fogueira enquanto eles festejavam e se embriagavam (como, por exemplo, “Os Sarcasmos de Loki”). O tradutor espanhol nos adverte, porém, que alguns destes textos provavelmente já haviam sofrido influências de outras culturas e mitologias quando foram reunidos e finalmente escritos pelo autor de “Las Eddas”. Sobre “Os Sarcasmos de Loki”, por exemplo, Enrique Bernárdez afirma que o texto foi escrito por um cristão para burlar os deuses antigos.

Da Primeira notícia de Odin, texto “O discurso do altíssimo”, selecionamos o seguinte fragmento:

“..Palabras de doncella nadie ha de creer,

ni tampoco de casada

pues en rueda giratoria su corazon se creó

con la inconstancia en el pecho”

Em Português:

“Em palavras de donzela, ninguém tem que acreditar,

nem tampouco de casada

porque numa roda giratória, seu coração se criou

com a inconstância no peito”

Não vou entrar no mérito deste fragmento. Nem é preciso. A inconstância feminina está presente em todas as mitologias antigas. Helena trocou seu marido por um amante e provocando a Guerra de Tróia. Dalila seduziu Sansão e, apaixonado, o herói hebreu contou a ela qual era a origem de seu poder sendo traído, aprisionado e cegado por seus inimigos. Os germânicos, a exemplo dos outros povos antigos, provavelmente tinham problemas com suas mulheres, razão pela qual transmitiam aos seus filhos homens o conhecimento registrado por Sturluson.

Ainda em “O discurso do altíssimo”, I, podemos destacar os seguintes fragmentos:

1- “…cuide de su trabajo;

en mucho se atrasa quien duerme hasta tarde,

será rico el activo”

2- “Muere la riqueza, mueren los parientes,

igual morirás tú;

pero la fama no muere nunca

en quiem buena la tiene”

Em Português:

1- “… Cuide do seu trabalho;

em muito fica para trás quem dorme até tarde

o ativo vai ser rico”

2- “Morre a riqueza morrem os parentes,

também morrerá tu mesmo;

mas a boa fama não morre nunca

naquele que a tem”

No primeiro fragmento de “Las Eddas” a preguiça é desaconselhada (a riqueza advém do trabalho e do esforço), no segundo recomenda-se o desapego da vida, dos entes queridos e da própria riqueza (apenas a boa fama não morre). Impossível não comparar estes dois fragmentos da tradição germânica com a sabedoria transmitida pela Bíblia (com o suor ganhará o teu pão; não cultue o bezerro de ouro). Os temas humanos são os mesmos, as soluções encontradas são bastante parecidas. Nos dois casos o altíssimo, a divindade mais poderosa (Odim e Jeová, respectivamente), confere autoridade ao texto de maneira a incutir respeito nos ouvintes/leitores germânicos e hebreus. A diferença entra ambos é sutil.

No texto registrado por Snorri Sturluson é dada uma grande enfase a necessidade de “boa fama”. Esta é implicitamente considerada melhor que a “má fama” atraída por aquele que não respeitar o conselho para se desapegar das pessoas e da riqueza. Nós, que vivemos numa “sociedade do espetáculo” cuja característica principal é premiar “a fama” compelindo as pessoas a procurá-la (independentemente dela ser má ou boa) devíamos prestar atenção a este pequeno fragmento da sabedoria milenar germânica. Quantas tragédias e amarguras seriam evitadas se as pessoas meditassem sobre a necessidade de “boa fama” antes de agir e construir para si uma “fama má”?

Joaquim Barbosa, por exemplo, procurou e encontrou “a fama” ao mandar prender alguns réus do Mensalão no dia da Proclamação da República com máxima visibilidade jornalística. Mas “a fama” que ele construiu não é nada boa, pois para consumar seu ato o presidente do STF atropelou a legislação que deveria cumprir e fazer cumprir gerando intenso debate nos meios jurídicos e jornalísticos. Em reação à sua conduta, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello disse em entrevista amplamente divulgada pela imprensa escrita e digital que “Joaquim Barbosa é um homem mau, com pouco sentimento humano.” Estas são palavras duras que ecoarão por décadas e provavelmente reverberarão ainda mais se Joaquim Barbosa decidir processar criminalmente Celso Antônio Bandeira de Mello. O ex-presidente Lula também já começou a dar sinais de que se arrependeu por ter nomeado Joaquim Barbosa para Ministro do STF. É evidente, portanto, que Joaquim Barbosa ganhou “má fama” semana passada e que a mesma poderá se ligar a ele pelo resto de sua carreira.

O presidente do STF é um homem culto. É fato notório que ele já viajou várias vezes para a Alemanha. Ao proferir seu voto, Joaquim Barbosa foi muito erudito e citou um jurista alemão cuja teoria empregou para responsabilizar os réus pelos atos criminosos sem que houvessem provas cabais da autoria (teoria do domínio do fato). Se tivesse meditado sobre as palavras do altíssimo registradas em “Las Eddas”, uma preciosidade da cultura germânica, talvez ele tivesse sido mais prudente, cuidado melhor do seu trabalho e construído para si a necessária “boa fama”.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

4 Comentários

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  1. Boa ou má fama

    Pelo visto isso não importa para ele, o que me remete a historia mais recente e vivida por nós aqui mesmo no Brasil.

    JB é um paradoxo, assim como o Maluf.

    O Maluf sempre mencionava a frase, “Fale bem ou fale mal, mais falem de mim”.

    Sempre terão seguidores, serão amados e odiados, assim como Deus e o diabo.

    Assim a boa fama e a má fama tras bons frutos para seus protagonistas.

  2. Os comentaristas tem razão,

    Os comentaristas tem razão,  mas suas observações são feitas levando em conta o curto prazo.

    Há longo prazo, a relatividade da fama desaparece e a  má fama surge cristalina e sempre adere ao personagem histórico de maneira imorredoura.

    Joaquim Barbosa pode acabar tendo o mesmo destino que Pierre Cauchon. 

  3. Ora! Ora! Já fui várias vezes

    Ora! Ora! Já fui várias vezes à Alemnaha e, nem por isso, sou culto. Duvido muito da cultura dele. Se uma pessoa tem dificuldade para ler todo e qualuqer texto, esse cara está longe, MUITO LONGE, de ser culto. Deve sim ter bons – bons para ele – assessores.

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