Procuradores ou Justiceiros?

Após ser intensamente criticado em virtude do acordo bilionário que a Lava Jato fez com a Petrobras, o procurador Deltan Dellagnol postou um vídeo na internet acusando seus adversários de espalhar Fake News. Essa demonstração de desdém pelo jornalismo é uma clara indicação de que o poder subiu na cabeça do moço curitibano.

Dellagnol já não se comporta como se fosse apenas um procurador. Ele acredita que é uma instituição social insuspeita e imune à crítica e aos limites da Lei. Duas delas merecem ser aqui relembradas.

A primeira diz respeito aos limites da atividade dos procuradores federais fixadas pela Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1993 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp75.htm.

Art. 236. O membro do Ministério Público da União, em respeito à dignidade de suas funções e à da Justiça, deve observar as normas que regem o seu exercício e especialmente:

I – cumprir os prazos processuais;

II – guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo ou função;

III – velar por suas prerrogativas institucionais e processuais;

IV – prestar informações aos órgãos da administração superior do Ministério Público, quando requisitadas;

V – atender ao expediente forense e participar dos atos judiciais, quando for obrigatória a sua presença; ou assistir a outros, quando conveniente ao interesse do serviço;

VI – declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei;

VII – adotar as providências cabíveis em face das irregularidades de que tiver conhecimento ou que ocorrerem nos serviços a seu cargo;

VIII – tratar com urbanidade as pessoas com as quais se relacione em razão do serviço;

IX – desempenhar com zelo e probidade as suas funções;

X – guardar decoro pessoal.

Art. 237. É vedado ao membro do Ministério Público da União:

I – receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto; honorários, percentagens ou custas processuais;

II – exercer a advocacia;

III – exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista;

IV – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

V – exercer atividade político-partidária, ressalvada a filiação e o direito de afastar-se para exercer cargo eletivo ou a ele concorrer.

Não compete ao procurador federal usar seu “múnus público” para obter vantagem privada. Nenhuma quantia recebida pelo MPF em virtude de acordo firmado por um procurador federal pode ser administrada por ele. O dinheiro do acordo celebrado pela Lava Jato não pode ser repassada para uma entidade privada como se o procurador pudesse dispor daquela quantia levando em conta seus interesses pessoais.

Essa confusão entre o público e o privado é ilegal. O MPF é um órgão estatal que goza de certa autonomia, mas essa autonomia é limitada pelos princípios do Direito Público. O dinheiro destinado ao funcionamento do órgão é previsto no Orçamento da União e sua utilização deve respeitar as regras orçamentárias. A gestão financeira do MPF está sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União.

Quem fiscalizará a gestão privada da quantia bilionária obtida pelos procuradores do MPF no processo da Lava Jato?

O poder do Estado é limitado. O poder conferido aos agentes públicos também tem limitações. Ao gerir dinheiro público, toda autoridade é obrigada a respeitar os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência (art. 37, caput, da CF/88). A inobservância destes princípios acarreta consequências funcionais, civis e, eventualmente, criminais.

Quais serão os princípios observados pelos procuradores na gestão do dinheiro obtido da Petrobras através da Lava Jato? Como eles poderão ser responsabilizados se esse dinheiro for utilizado de maneira seletiva, imoral, ineficiente e secreta como se não fosse público?

A Lei não confere ao procurador federal o direito de censurar jornalistas ou limitar o exercido da liberdade conferia à imprensa pela CF/88. Não compete ao MPF dizer o que é ou o que não é News. O debate público despertado pelo estranhíssimo acordo firmado entre os procuradores da Lava Jato e a Petrobras pode e deve continuar. Se existirem, as irregularidades jurídicas terão que ser sanadas. E cada qual (procuradores federais, advogados da Petrobras e a juíza federal que homologou o acordo) deverá responder por seus atos na forma da Lei.

Nunca é demais lembrar que o procurador federal não é um justiceiro. O conteúdo da Lei que o procurador tem o dever funcional de respeitar e de exigir o cumprimento em Juízo, nos processos em que atua, não emana da subjetividade dele. A Lei existe como norma objetiva, geral e abstrata. Ela vincula todos os cidadãos, inclusive e principalmente aqueles que foram encarretados pela própria Lei de trabalhar para que ela seja cumprida.

O vídeo de Deltan Dellagnol pode ser considerado indecoroso. Ao atacar os jornalistas e juristas que criticaram o acordo mencionado, o procurador federal pressupõe que apenas ele mesmo tem o poder de julgar os atos que ele praticou. O poder absoluto que Dellagnol deseja exercer é incompatível com os limites impostos aos procuradores pela Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1993.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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