Uma grande vitória para o Extinction Rebellion

Aqui mesmo no GGN comentei a sentença condenatória de um membro do movimento Extinction Rebellion https://jornalggn.com.br/artigos/militantes-do-extinction-rebellion-sao-condenados-em-the-westminster-magistrates-court/. Volto ao assunto por causa de uma notícia recente https://www.theguardian.com/environment/2020/feb/27/heathrow-third-runway-ruled-illegal-over-climate-change.

Nós vimos que no caso de Jeremy Parker o principal argumento da defesa mencionado sentença condenatória foi o seguinte:

“Todos os Réus argumentam que agiram por necessidade, pois acreditam que as mudanças climáticas já causaram perda de vidas, ferimentos à saúde e danos às casas, meios de subsistência e propriedades. Além disso, o aumento da temperatura resultará em efeitos irreversíveis, mais destruição e danos ao ecossistema, causando danos e morte a animais e seres humanos.

Em particular, o governo falhou em tomar medidas suficientes para impedir o aquecimento global e que um “ponto de inflexão” será alcançado, a menos que sejam tomadas medidas urgentes e imediatas. Eles consideram que a agenda da Conferência do Petróleo incluiu o planejamento de novos desenvolvimentos e explorações de petróleo que contribuiriam para o impacto significativo existente da extração e consumo de combustíveis fósseis.

Eles acreditam que é necessária uma ação IMEDIATA para interromper o aquecimento global irreversível. Eles argumentam, portanto, que suas ações eram razoáveis ​​e proporcionadas para proteger a propriedade e a vida e necessárias devido à inação e à falta de ação. Eles argumentam a defesa da necessidade.”

Esse argumento foi rejeitado pelo juiz com a seguinte fundamentação:

“Para analisar referida defesa, revi as autoridades relevantes.

Em Hutchinson / Newbury Magistrates ‘Court (2000) 122 ILR 499, onde uma manifestante procurou justificar danos a uma cerca em Aldermaston, alegando que estava tentando interromper a produção de ogivas nucleares, disse Buxton LJ:

‘Não houve necessidade imediata e instantânea de agir como a Sra. Hutchinson, no momento em que ela agiu ou de todo: levando em consideração que existem outros meios disponíveis para ela alcançar o objetivo pretendido, chamando a atenção para a ilegalidade das atividades e se for necessário tomar medidas legais em relação a elas. Nestas circunstâncias, a auto ajuda, particularmente a auto ajuda criminosa do tipo concedida pela senhora Hutchinson, não pode ser razoável.’

Não acho que a ameaça relativa ao aquecimento global caia na defesa da necessidade, mesmo nos fatos que os réus acreditavam neles. Acho que na verdade não havia ‘necessidade imediata e imediata de agir’, nem ‘perigo iminente de morte ou ferimentos graves ao réu, ou àqueles a quem ele tem responsabilidade’. Não há iminência e, de qualquer forma, a ameaça não era iminente para o réu ou para uma pessoa próxima. Acho que é esse o caso, embora os próprios acusados percebam uma crise imediata. A defesa simplesmente não está disponível para eles sobre os fatos deste caso.”

Seguindo a tradição inglesa, a Westminster Magistrates Court julgou a conduta do militante Jeremy Parker apoiando-se na autoridade de um precedente. O juiz entendeu que a mudança climática não acarreta uma ameaça “…iminente para o réu e para uma pessoa próxima.” Essa interpretação foi por mim desafiada, pois as “… maiores autoridades científicas dizem exatamente o oposto: se não agir imediatamente a humanidade começará a enfrentar catástrofes climáticas cada vez mais frequentes e devastadoras, que podem acarretar tanto prejuízos econômicos colossais quanto perdas de vidas.”

Segundo o Guardian, a Corte rejeitou a ampliação do aeroporto de Heathrow com o seguinte fundamento:

“For the first time judges have said that plans for a major infrastructure project are illegal because they breach the UK’s commitments to reduce greenhouse gas emissions to tackle the climate crisis. This is a groundbreaking legal decision that could effect future infrastructure developments and puts the UK’s commitment to cut emission to net zero by 2050 at the forefront of future policymaking.”

Tradução:

Pela primeira vez, os juízes disseram que os planos para um grande projeto de infraestrutura são ilegais porque violam os compromissos do Reino Unido de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para enfrentar a crise climática. Esta é uma decisão legal inovadora que pode afetar futuros desenvolvimentos de infraestrutura e coloca o compromisso do Reino Unido de reduzir as emissões para zero até 2050 na vanguarda das políticas a serem adotadas no futuro. ”

A “necessidade imediata e instantânea de agir” [em razão das mudanças climáticas e dos compromissos internacionais da Inglaterra, podemos acrescentar], levou o Judiciário inglês a rejeitar a ampliação do aeroporto de Heathrow. Essa decisão pode ser considerada um procedente importante que produzirá reflexos não somente nas políticas públicas inglesas.

O reconhecimento judicial da emergência imposta pela mudança climática certamente será utilizado em casos criminais semelhantes ao de Jeremy Parker. À medida que os militantes do Extinction Rebellion começarem a ser absolvidos em virtude do reconhecimento de que eles agem movidos por uma “necessidade imediata e instantânea” ocorrerá o fortalecimento e a legitimação das ações diretas pacíficas para compelir os protagonistas econômicos e o Estado inglês a adotarem um paradigma econômico compatível com as limitações impostas à atividade econômica pelo colapso ecológico que foi antecipado pelos cientistas.

O neoliberalismo jurídico que tem feito tanto sucesso no Brasil levou um severo golpe judiciário na Inglaterra. Os cientistas que estudaram e comprovaram a existência de uma mudança climática induzida pela humanidade estão certos. Foi isso o que disseram os juízes ao impedir novas obras no aeroporto de Heathrow. Estamos diante de uma grande virada jurisprudencial? Só o tempo dirá.

Fábio de Oliveira Ribeiro

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador