Os 160 anos da publicação de um clássico, por Felipe A. P. L. Costa

Darwin se preocupava com a divulgação de sua obra, mas se preocupava também com a fidelidade com que isso ocorria. Logo passou a se corresponder com editores estrangeiros e possíveis tradutores.

Os 160 anos da publicação de um clássico

Por Felipe A. P. L. Costa [*]

Com uma tiragem de 1.250 exemplares, a 1ª edição de Sobre a origem das espécies veio a público em 24/11/1859.

Todos os exemplares colocados à venda (1.170) foram comercializados naquele dia, a maioria para livreiros. Uma 2ª edição saiu dois meses depois. Outras quatro edições apareceriam nos 12 anos seguintes: 1861 (3ª), 1866 (4ª), 1869 (5ª) e 1872 (6ª). Em 1876, apareceu a Sexta edição, com acréscimos e correções em relação a 1872, abrigando aquele que é tido como o texto final da obra.

As seis edições foram publicadas pela editora londrina John Murray.

Ora introduzindo, ora removendo material, Darwin fez ajustes em todas elas. Nesse processo, o conteúdo aumentou e a obra amadureceu. No cômputo final, o conteúdo da 6ª edição é uns 20% maior que o da 1ª, embora o número de páginas seja inferior. Isso foi possível porque o tamanho do tipo usado na impressão foi reduzido. Para alegria do autor, o preço do volume caiu pela metade, de 15 xelins (1859) para pouco mais de sete (1872).

O título das cinco primeiras edições é Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural, ou A preservação das raças favorecidas na luta pela vida [1] – observando que a palavra raça foi usada aí no sentido de variedade, como na frase “Diversas raças de batata são cultivadas nos Andes”. Na 6ª edição, o On (Sobre) inicial foi abolido, de sorte que o título mudou de Sobre a origem das espécies para A origem das espécies. (Alguns autores, tentando talvez contornar esta diferença, rotulam o livro de Origem das espécies.)

Todavia, a mudança mais substantiva trazida pela 6ª edição foi o acréscimo de um 15º capítulo – o sétimo (em português): Objeções variadas à teoria da seleção natural. Como o título indica, o propósito da novidade era rebater algumas críticas que haviam sido levantadas contra as ideias do autor, em especial as que apareceram no livro Sobre a gênese das espécies (1871), do naturalista e advogado inglês George Jackson Mivart (1827-1900). Embora Darwin evitasse discussões e bate-bocas, as reiteradas críticas de Mivart à seleção terminaram fazendo com que o velho naturalista aproveitasse a oportunidade para reafirmar e detalhar alguns aspectos da sua teoria.

Tudo isso contribuiu para que o livro – com perdão pelo trocadilho – evoluísse. Nem todos os estudiosos, porém, concordam que as modificações tenham sido sempre para melhor. Seja como for, o fato é que o livro teve um impacto profundo e duradouro, não só na esfera científica, mas também em outras áreas do conhecimento. Neste sentido, Sobre a origem das espécies se tornou um marco na história do pensamento e da cultura universal.

Darwin em português

Darwin se preocupava com a divulgação de sua obra, mas se preocupava também com a fidelidade com que isso ocorria. Logo passou a se corresponder com editores estrangeiros e possíveis tradutores. Versões em outros idiomas não tardaram a aparecer; a primeira delas, em alemão, já em 1860. Durante o tempo de vida do autor, foram publicadas várias traduções – alemão e francês, além de versões em neerlandês, russo e italiano, entre outros idiomas. Nenhuma em português, contudo [2].

A primeira edição em português só seria publicada em 1913, pela Livraria Lello & Irmão Editora (antiga Livraria Chardron), da cidade do Porto (Portugal). O tradutor foi o professor e médico português Joaquim [Marques] Dá Mesquita [Montenegro] Paúl (1875-1946). Por estranho que pareça, a fonte usada por ele não foi nenhuma das edições originais. Sem poder ou sem querer consultá-las, Dá Mesquita Paúl usou como fonte uma versão francesa correspondente à 6ª edição (1872).

Opção justificável apenas em casos excepcionais, as traduções indiretas costumam ser uma dor de cabeça. No caso em questão, a triangulação (inglês / francês / português) ajudaria a explicar a profusão de erros, mal-entendidos e escolhas ruins presentes ao longo dessa primeira versão em português, a ponto de transformar o texto em uma caricatura do original. Essa versão afetou – e continua a afetar – sucessivas gerações de leitores brasileiros, pois a edição da Lello foi – e continua a ser – republicada por editoras daqui. É uma pena.

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Notas

[*] Artigo extraído e adaptado do livro O que é darwinismo (2019), assim como 21 artigos anteriores – ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. (A versão impressa contém referências bibliográficas.) Para detalhes e informações adicionais sobre o livro, inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato com o autor pelo endereço [email protected]. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Sugestão do editor. O título sugerido por CD era Resumo de um ensaio sobre a origem das espécies e variedades por meio da seleção natural.

[2] Durante o tempo de vida de Darwin, três tradutores verteram a obra para o francês, a começar por Clémence-Auguste Royer (1830-1902). Sob o título (em port.) Da origem das espécies, ou das leis do progresso entre os seres organizados, sua tradução da 3ª ed. inglesa para o francês apareceu em 1862 (republicada em 1866 e 1870). A versão trazia um longo prefácio explicativo e inúmeras notas de rodapé, todas de autoria de Royer. Darwin não gostou de nada disso, passando a ansiar por uma segunda versão. Em 1873, sob o título A origem das espécies por meio da seleção natural, ou A luta pela existência na natureza, apareceu uma tradução da 5ª ed. feita por Jean-Jacques Moulinié (1830-1872). Em 1876, sob o mesmo título, apareceu uma tradução da 6ª ed. feita por Edmond Barbier (1834-1880). Em suma, entre 1862 e 1883, os franceses produziram nada menos do que oito edições do livro. Outras surgiriam depois e, com base em uma delas, Dá Mesquita Paúl fez o seu trabalho. As traduções para o português (Brasil e Portugal) têm sido objeto de estudo de Cristina de Amorim Machado e seu grupo (UEM, Maringá).

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Redação

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