Fernando Horta
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Os Vermelhos, os Rosas e os Roxos, por Fernando Horta

Os Vermelhos, os Rosas e os Roxos

por Fernando Horta

É preciso que paremos de assemelhar a Lava a Jato com a Operação Mani Pulite, na Itália. A Lava a Jato é o Macartismo brasileiro.

Nos anos 50, o senador norte-americano por Wisconsin, Joseph McCarthy, dava forma a um movimento muito maior chamado “Red Scare” (Medo vermelho). Muita gente acha que Macartismo e o “Medo Vermelho” são a mesma coisa, e não são. Apesar de Wisconsin ser um estado do norte dos EUA (na região dos Grandes Lagos) e não do Sul (normalmente visto como mais agrário e conservador), McCarthy se elegeu com a maioria dos votos de agricultores e operários conservadores já tomados pelo “Medo Vermelho”, que vinha sendo propalado desde a Crise de 1929 e o New Deal de Roosevelt.

O Macartismo é, portanto, o resultado de uma intensa campanha contra os direitos sociais e qualquer forma contrária ao capitalismo mais selvagem. E todas as acusações de “paternalismo”, “ajudar vagabundos”, “ser comunista” foram lançadas originalmente contra Roosevelt e seu plano de recuperação da economia norte-americana. Entre 1945 e 1950, os EUA viram a URSS vencerem a guerra contra os nazistas, a China fazer sua revolução comunista (1949), a URSS explodir a sua primeira bomba nuclear (1949) e as Coréias entrarem em guerra, com vantagem decisiva para o norte comunista.

Assim, no prazo de cinco anos, o número de pessoas que viviam sob regimes comunistas saltou de pouco mais de 150 milhões em 1945 para mais de 850 milhões em 1950. O comunismo parecia imparável e o desespero norte-americano se fez sentir. Daí surge o bordão “Reds, Pinks and Lavanders” com o qual McCarthy (e inúmeros outros políticos como o governador de Nova Iorque na época Thomas Dewey) ganhou imenso poder político. Segundo o senador, era preciso livrar os EUA da ameaça vermelha (os comunistas), dos rosas (social democratas ou qualquer outro pensamento assemelhado à terceira via europeia) e os roxos (homossexuais). Desde o início a temática de unir os comunistas e os “depravados moralmente” esteve na gênese da propaganda macarthista.

McCarthy criou comitês de investigação comunista nos EUA e começou sua escalada ao poder anunciando que tinha uma lista de 57 nomes de altos funcionários do Estado e que eram ou comunistas ou informantes. Nesta lista estava até o nome do Secretário de Estado norte-americano Dean Acheson, que havia, junto com Roosevelt e depois Truman, participado de toda a orquestração internacional do final da guerra.

A estratégia do senador McCarthy consistia em acusar sem provas, usar a televisão e os canais de mídia da época para criar um clima de terror e apresentar-se como salvador moral do país. As televisões viam em McCarthy uma forma barata de conseguir audiência. Seus “interrogatórios” eram como shows de auditório, embora com muito mais audiência. Exatamente como é a Lava a Jato hoje. As televisões precisavam gastar milhões de reais com programas de baixo nível (como Big Brother, A fazenda e assemelhados) para conseguir menos audiência do que os shows da vara de Curitiba proporcionam, de graça.

Depois de criar o apoio midiático (bom para o senador e para a mídia), os “processos” se mostravam frágeis e sem nenhuma comprovação. O Macartismo criou a “culpa por associação”, exatamente como a Lava a Jato. Se o senador conseguisse mostrar, por qualquer meio esdrúxulo como uma jararaca picando uma cachorra, que o “réu” estava ligado – de alguma forma – a um núcleo comunista, não havia mais a necessidade de qualquer outra comprovação. O massacre midiático fazia com que o acusado perdesse o emprego e fosse agredido e aviltado. O que impressiona é que a Suprema Corte norte americana apoiou o Macartismo julgando os “Reds, Pinks and Lavanders” como não merecedores da segurança da primeira emenda da constituição (que fala da liberdade de expressão, de pensamento e religiosa). Em vários casos a Suprema Corte avalizou processos criminais e prisões contra professores, enfermeiros, artistas e etc. por cima da constituição. Exatamente como a Lava a Jato.

As gritantes injustiças e inconstitucionalidades tomaram eco pelo país todo, afinal se a Suprema Corte e o Senado podiam agir daquela forma, então, com muito mais violência, agiam os cidadãos e tribunais regionais. Pessoas passaram a ser perseguidas, agredidas em público, suas casas atacadas, filhos e família escorraçados apenas pela “delação” feita por algum desafeto. Bastava que houvesse uma “denúncia anônima” (como as que o MPF usa) para que a vida do denunciado estivesse acabada.

O ataque era violento contra professores (como o Escola sem Partido). Chandler Davis, professor de Matemática da Universidade de Michigan, foi um dos acusados. Levado “coercitivamente” a prestar depoimento, permaneceu em silêncio invocando a quinta emenda (a que constitui garantias contra o abuso de autoridade do Estado e permite o silêncio em qualquer interrogatório). Em 1960, três anos após a morte de McCarthy, a Suprema Corte americana mantinha ainda preso Davis porque entendeu que o silêncio seria comprovação de culpa. Exatamente como fazem juízes da lava a jato e outros hoje no Brasil.

Em 1954, a professora primária Anne Hale, diante do absurdo das acusações, decidiu não se declarar culpada (que era vista como uma forma de diminuir o sofrimento dos acusados injustamente) e disse: “Eu acho que será menor o prejuízo para meus alunos me verem defendendo aquilo que eu acredito ser verdadeiro do que me ver fugindo ou me escondendo”. Ela foi demitida de seu emprego na cidade de Wayland, nunca mais conseguiu qualquer emprego nos EUA. Todas as acusações contra ela se mostraram falsas. Quando morreu, em 1968, Hale trabalhava como professora voluntária ensinando crianças com disfunções cerebrais e fazia faxinas para poder ter o que comer.

Nenhuma acusação macarthista foi provada. Nem nunca precisou ser. Quando na falta de provas criava-se a “culpa por associação”, difamava-se política e socialmente usando a “perversão sexual e moral”  como forma de demonstrar a “depravação” que ameaçava os EUA. Exatamente como temos visto na Lava a Jato e nos movimentos que a apoiam. Todos com forte linguagem messiânica, baseados numa moralidade heterossexual branca e machista, violentos, agressivos e totalmente ignorantes. De Frota a Moro, passando por Dallagnol, Magno Malta ao silêncio do STF (acovardado) o roteiro é o mesmo do que ocorreu nos EUA. Inclusive com os mesmos trejeitos, linguagens, abusos e tudo mais exatamente igual.

McCarthy acusou de serem espiões comunistas Charles Chaplin, Orson Welles, Leonard Bernstein, Dean Acheson e até mesmo Robert Oppenheimer que havia sido o cientista chefe do projeto Manhattan, que criou a bomba atômica para os EUA. Em seguida, McCarthy lançou-se contra as forças armadas, denunciando o comunismo dentro do exército e foi necessário que o herói de guerra, general e presidente Eisenhower entrasse em disputa direta com o doidivano senador para que membros das FAs não fossem submetidos aos métodos da Lava a Jato. Perdão, aos métodos do Macartismo.

Milhares de pessoas agredidas, presas e com suas vidas destruídas. Duas mortes. Um país inteiro paranoico e voltado para o seu umbigo. Um antintelectualismo grosseiro e messiânico. O fortalecimento de políticos conservadores e religiosos espalhafatosos. O domínio dos Republicanos no Congresso. E nenhuma prova. Nenhuma prova. Ilações, relações, suposições, histórias estapafúrdias e o acovardamento inconstitucional da Suprema Corte. Este foi o caminho dos EUA, e está sendo o nosso, de forma assustadoramente idêntica.

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

9 Comentários

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  1. Os Vermelhos, os Rosas e os Roxos, por Fernando Horta

    Confirmação da máxima: a história se repete como farsa.

    O último parágrafo serve à perfeição para o Brasil atual.

    – duas pessoas já morreram diante dos arreganhos persecutórios – dona Marisa e Cancillier. Uma vítima indireta pela perseguição odiosa a uma família, outra diretamente pela vil condução/prisão de inocentes. 

    – as patrulhas diversas exercem sua violência contra tudo e todos que podem siginificar defesa da pluralidade e direitos humanos.

    – um congresso dominado por canalhas, canalhas, canalhas, um executivo dirigido por um bando de ladrões descarados e a justiça dominada pelos farsantes nas instituições públicas.

    O ódio está nas ruas, a intransigência persecutória é insuflada pela mídia, parte interessada e dominante,  os grupelhos disputam o protagonismo a qualquer preço, literalmente, e atacam furiosos quem ou o que imaginam “transgressões”.

    Parte dos eleitores, esquecidos das mais comezinhos valores de nossa humanidade  e incapazes de uma reflexão crítica são dominados pela onda conservadora e reacionária e tornam-se “espuma mental”.

    Descerebrados a bradar pela brutalidade, cinismo e covardia.

     

  2. lava jato

    Matéria espetacular, do Fernando Horta. Parabéns GGN, por nos proporcionar a real origem da lava jato. De Sérgio moro a Frota, passando por magno malta foi um verdadeiro RX mostrando a verdadeira raiz do cancer. O túmulo de Jaseph McCarthy deve estar em festa.

  3. os….

    Como são rasa e simplórias nossas discussões?! E como são mediocres nossas elites esquerdopatas?! Mas deixam tudo muito claro. Explicam o porque nos jogarem de volta a 1964. E as razões desta latrina em pleno 2017. Farsa depois tragédia. O Brasil é de muito fácil explicação. 

  4. No futuro, se futuro houver,

    No futuro, se futuro houver, cineastas brasileiros poderão fazer o remake de “Testa de Ferro Por Acaso”.

    Piedade dos que serão retratados como “autoridades”. Alguns juizes e procuradores poderão ser interpretados por

    Tiririca e Tirulipa, ou algum da nova geração de clowns. 

    Interessante é que Joseph McCarthy não mexeu em sua época com Herbert Hoover. Porque?

    O McCarthy nosso de hoje sabemos quem é. E o nosso Hoover quem seria?

  5. A sociedade brasileira

    A sociedade brasileira comporta-se da mesma forma que à americana. Apalermada, vai sendo levada pelos gritos de pega ladrão e do perigo comunista à entrar na espiral do fascismo. Para sairmos dessa situação, precisamos de personalidades fortes assumindo a luta contra o totalistarismo judicial e de imprensa. Ou que as instituições voltem a funcionar de acordo com suas atribuições. A unica esperança no momento seruia uma mudança do vento nas proximas eleições.

  6. È preciso parar de tratar

    È preciso parar de tratar golpistas cínicos – e a fascistada e a trouxinhada que os apoia – como sujeitos razoáveis ou dispostos a um debate honesto e razoável (à la Habermas).

    Alguém com a mínima disposição de saber que essa lava a jato é uma farsa teve toda chance de saber já em 2014, quando limitaram as “investigações” ao ano de 2002 em diante, mesmo com os ladrões, que foram demitidos nem 2012, diga-se, tendo reiterado que a grana rolava desde 96!

    Quem não quer saber, não adianta.

    Texto inútil.

    1. Texto muito útil. Cada pessoa

      Texto muito útil. Cada pessoa tem uma compreensão diferente. Não podemos colocar golpistas e trouxinhas no mesmo saco. Precisamos convencer os trouxinhas a mudar de lado.

      1. A “trouxinhez” é, na maioria

        A “trouxinhez” é, na maioria dos casos, voluntária. Se você acha que vale o esforço, seja feliz.

        Eu acho que eles precisam ser desmoralizados, para não contagiarem outros de modo irreversível. É bem mais fácil.

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