Onda regressiva provoca desmantelamento das políticas ambientais e traz incertezas para a Agenda Azul brasileira, por Franklin Jr.

As investidas com repercussão mais direta sobre a água, já se faziam presentes por meio da atuação intensiva das corporações privadas do hidronegócio e crescentes tentativas de ‘commoditização’ da água

Ilustração Duke

Onda regressiva provoca desmantelamento das políticas ambientais e traz incertezas para a Agenda Azul brasileira

por Franklin Jr

 

O desmantelamento das políticas ambientais [1], em geral, com incidências preocupantes na política de recursos hídricos (águas), em particular, entrepõe-se à trama do assédio generalizado ao princípio do não-retrocesso, que, no aglomerado tétrico de desacontecimentos, também abarca o desmonte do estado brasileiro e a corrosão das políticas públicas de viés socioambiental.

 

Este cenário regressivo, impulsionado pela grave crise político-institucional de 2016 (o golpe de estado parlamentar-midiático-judicial), também explicitou a cobiça internacional sobre os ativos e sobre o patrimônio natural brasileiro.

 

Potência econômica emergente na última década (quando se associou ao BRICS e trabalhava na perspectiva de uma inserção geopolítica afinada com o multilateralismo e a integração sulamericana), o Brasil virou a bola da vez de uma ofensiva de envergadura geopolítica (imperialista) e geoeconômica (do capital financeiro global e de corporações petrolíferas estrangeiras, dentre outras). 

 

Esse tipo de investida já atingiu outros países, inclusive por meio de guerras convencionais (com agressões bélicas devastadoras), mas, por aqui, parece bem sucedida apenas com o emprego de subornos financeiros (para bancar supostos “movimentos sociais” de natureza fascista, criados da noite para o dia, para comprar a aprovação do impeachment ilegal etc); com a cooptação de setores da plutocracia nacional (que o sociólogo Jessé Souza denomina “A Elite do Atraso”, aquela afeita à rapinagem e que padece do “complexo de vira-latas”), refratários às ideias de soberania popular, democracia e de soberania nacional; com a captura de figuras inseridas em postos estratégicos do aparelho estatal, movidos pela tentação autoritária; com a utilização de táticas fascistas de psicologia das massas, assim como desinformação e manipulação da opinião pública (apologia ao ódio e à intolerância), dentre outros estratagemas.

 

A ARREMETIDA SOBRE OS RECURSOS HÍDRICOS (ÁGUA)

 

Dotado de colossal extensão territorial, com a maior biodiversidade do mundo, recursos minerários e energéticos em abundância, o Brasil é também visado por se constituir na maior potência hídrica do planeta (embora apresente contrastes significativos de abundância e escassez na distribuição territorial de suas águas, sobretudo na relação com as dinâmicas de ocupação territorial).

 

 

 

O território brasileiro dispõe de cerca de 13% do total de água doce superficial presente globo terrestre, encontra-se inserido nas duas maiores bacias hidrográficas transfronteiriças da América do Sul (Amazônica e Platina), com aproximadamente 200 rios de águas transfronteiriças. Também conta com aquíferos gigantescos (Alter do Chão, Guarani etc) e os extraordinários “rios voadores”, constituídos a partir da floresta amazônica, capazes de assegurar o regime de chuvas do Cone Sul e promover o equilíbrio climático, além de outros inestimáveis benefícios ambientais, sociais e humanitários.

 

As investidas com repercussão mais direta sobre a água, já se faziam presentes por meio da atuação intensiva das corporações privadas do hidronegócio e crescentes tentativas de ‘commoditização’ [2] da água; das pressões por mudanças no Código Florestal; das incursões, em maior escala, no sentido da reprimarização da economia (modelo primário-exportador baseado na superexploração de recursos naturais e na dependência da exportação de produtos primários, abrindo mão de processar e agregar valor aos mesmos, e com altos custos sociais e ambientais), etc.  

 

 

A greve dos caminhoneiros, ocorrida no ano passado, e a guerra da água em Correntina, na Bahia, são dois exemplos (existem inúmeros outros) – um envolvendo a água (o “ouro azul”) e o outro o petróleo (o “ouro negro”) – de conflitos gerados pelo processo de reprimarização da economia.

 

No caso do petróleo, o então governo golpista mudou a política de preços [3] praticados pela Petrobras [4], abrindo mão da autonomia para a “mão(boba) invisível” das flutuações financeiras do mercado internacional, numa dinâmica que deixa o país refém de um jogo ardiloso (de desinvestir e sucatear as suas refinarias), a fim de vender óleo bruto para o estrangeiro e depois importar, por preços estratosféricos, o mesmo óleo (refinado lá fora), impactando o preço final do diesel, da gasolina e do gás de cozinha para o consumidor nacional. Sem contar o deplorável processo entreguista paralelo, de alienação do Pré-sal e isenção fiscal de R$ 1 trilhão/ano [5] para as petroleiras estrangeiras.

 

No caso da guerra pela água em Correntina, oeste da Bahia, a pressão sobre o uso dos recursos hídricos se intensificou nos últimos 20 anos, secando vários rios e corpos d´água, “a partir da chegada do agronegócio internacional”. Como mencionado em reportagem sobre o caso [6], “A conta pelo uso desenfreado das águas é alta e está sendo paga pelo povo brasileiro, especialmente pelas comunidades e povos tradicionais, que sempre produziram seus alimentos ao mesmo tempo em que cuidam dos recursos naturais. Agora esses povos têm sido privados de usufruir desses recursos, quando não perdem também seus territórios e, junto, a sua identidade.”

 

Desde o golpe (que parece ter autorizado e encorajado as arremetidas neoliberalizantes), acentuaram-se as incursões em relação à água, a exemplo da tentativa de privatização do sistema Eletrobrás [7], o que pode acarretar na privatização dos rios brasileiros [8]; de aprovação da Medida Provisória 868, que altera a Lei de Saneamento Básico, visando a privatização dos serviços essenciais de água e esgoto, o que pode agravar as desigualdades sociais; da tramitação do Projeto de Lei 495/2017, que prevê a criação de um mercado de águas [9] (compra e venda de outorgas), restabelecendo a propriedade privada da água no país; dentre outros absurdos.

 

Explicitam-se, assim, tensões e conflitos que decorrem da disputa pelo controle da água, conectados a outras expressões de colonialidade engendradas pelo controle dos territórios, dos imaginários e dos corpos (alteridades).

 

Conforme endereça Boaventura de Sousa Santos [10],

“O pensamento ocidental cartesiano sobre a natureza é tão dominante quanto excepcional. Todas as culturas com que a expansão colonial europeia se encontrou a partir do século XVI tinham da natureza uma concepção mais próxima da de Espinosa do que da de Descartes: a natureza como ser vivo (a natura naturans) a que pertencemos e cujo bem estar é condição do nosso próprio bem estar; a natureza não nos pertence, nós é que pertencemos à natureza. A dicotomia ocidental natureza-sociedade esconde uma hierarquia nos termos da qual tudo o que é natural ou está mais próximo da natureza é considerado inferior, incluindo os seres humanos, sejam eles mulheres ou negras e negros. Essa hierarquia justificou e continua a justificar a opressão, a exclusão social, a discriminação, em suma, o sofrimento injusto.”.

 

A recente Declaração da Red WaterlatGobacit [11] (acesse aqui) denuncia a sistemática violação dos direitos fundamentais das pessoas, incluindo o Direito Humano à Água. Conforme a mesma, essas violações se expressam de diversas maneiras, tais como a “apropriação violenta das fontes de água, a mercantilização e privatização da água e dos serviços baseados na água, a contaminação da água por atividades pouco reguladas ou, inclusive, não reguladas, quando não ilegais, dos agronegócios, da mineração, do fracking, dos monocultivos ilícitos e outras atividades extrativas que afetam gravemente aos ecossistemas e aos seres vivos”.

 

 

O DESLOCAMENTO DA AGENDA AZUL DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

 

No repertório de ofensivas, o lance mais recente foi a edição da Medida Provisória nº 870/2019 (e dos Decretos nº 9.666 e 9.672), de janeiro de 2019, por meio da qual o atual governo federal (2019-2022) gerou um quadro de incertezas críticas acerca da continuidade de programas e ações do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e, em particular, da coordenação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH).

 

Além do desmantelamento geral do MMA, com o esvaziamento de várias de suas funções precípuas e deslocamento de órgãos essenciais, a MP nº 870/2019 e os decretos a ela associados vaticinam a transferência (usurpação) completa da coordenação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), assim como, de maneira drástica, de toda a estrutura organizacional (no âmbito da União) do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH), incluindo o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e a Agência Nacional de Águas (ANA), para a estrutura de um outro ministério (de Desenvolvimento Regional).

 

Este infortúnio compromete a concepção elementar de que a água é um bem essencialmente ambiental (de domínio público e de uso comum da coletividade) e impacta a interpretação já historicamente consolidada, relacionada à vinculação direta das políticas hídricas às estruturas institucionais do MMA e das respectivas secretarias estaduais/distrital de Meio Ambiente, pois a água, vale repetir, é elemento da natureza.  

 

Outrossim, essas medidas provocam, de imediato, uma série de implicações, tais como o comprometimento dos fluxos já estabelecidos entre os órgãos do MMA (a antiga Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, a ANA) e as instituições de Meio Ambiente dos estados e do DF (aos quais se vinculam os respectivos órgãos de recursos hídricos), o desarranjo geral do quadro institucional da gestão hídrica no país, gerando insegurança jurídica, incertezas para a carreira de servidores do MMA, dentre outras instabilidades e riscos, ainda não dimensionados.

 

Uma das mais graves implicações do deslocamento da estrutura completa da PNRH e do SINGREH para a pasta do Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) remonta ao flagrante conflito de interesses no que diz respeito aos usos múltiplos dos recursos hídricos (um dos fundamentos da “Lei de Águas”, Lei Federal 9.433/97).

 

De acordo com o Decreto nº 9.666 de 02 de janeiro de 2019, também é competência do MDR a implementação das políticas de saneamento e de irrigação. E, conforme argumenta Daniela Maimoni de Figueiredo [10], estes “são dois setores usuários da água que precisam de outorga”, e aí reside um grande problema.

 

Os usuários de água para o saneamento e a irrigação são, portanto, competidores entre si e com os demais usos (geração de energia, indústria, navegação etc), comprometendo a condição de isenção ou de ‘campo neutro’ inerentemente desfrutada pelo MMA, que é, por excelência, o guardião institucional dos bens ambientais (inclusive das águas).

 

Embora enfrente dificuldades ao longo dos anos (decorrentes do tratamento tendencialmente acessório dado às questões ambientais por governos de diferentes matizes), mas apresentando conquistas paulatinas durante o período da redemocratização e nas últimas décadas, o MMA reúne as melhores condições de mediação dos conflitos relacionados aos usos múltiplos dos recursos hídricos.

 

Por mais que o MDR consiga aproveitar parte da equipe de servidores e gestores do MMA, comprometidos com a perspectiva socioambiental e da sustentabilidade, isto não é suficiente para assegurar as vantajosas condições acumuladas pelo MMA. Não se trata de uma questão pessoal, mas institucional, legal, política e social.

 

Conforme Daniela Figueiredo “os recursos hídricos, historicamente e intrinsecamente, estão relacionados ao Meio Ambiente… (…) a abordagem dos rios como ecossistemas é fundamental na gestão dos recursos hídricos”.

 

Figueiredo (idem) elenca outros aspectos preocupantes contidos na MP nº 870/2019, e ainda avalia que “se forem concretizados, sem dúvida ampliarão crises, conflitos e tragédias relacionados à água, que já ocorrem nos dias atuais e que penalizam a população brasileira”. E, importa ressaltar que penaliza, principalmente, as pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica, vítimas históricas de uma das estratificações sociais mais assimétricas e perversas do mundo.

 

 

ÁGUA E/OU RECURSOS HÍDRICOS: CONCEPÇÕES DE MUNDO PARA ALÉM DAS DIFERENÇAS SEMÂNTICAS

 

Para além das diferenças semânticas entre água e/ou recursos hídricos, explicitam-se valores, visões mundo, formas de relação com a água e interesses contrastantes, senão antagônicos, embora seja fundamental valorizar e fortalecer os campos (instâncias) de coexistência democrática (de governança), numa perspectiva de fortalecimento da esfera pública, para que os conflitos encontrem locus apropriados de expressão e de gestão.

 

Literalmente universal, a água está presente nos confins do Universo, em nuvens moleculares interestelares, estrelas, cometas, asteroides, meteoritos, planetas (como Marte e Júpiter) e exoplanetas, estabelecendo sutis e misteriosas conexões siderais entre mundos aparentemente alheios.

 

Elemento essencial e indispensável à vida, a água é multidimensional, possuindo valor ecológico, social, ambiental, econômico, político, cultural-antropológico, espiritual e simbólico.

 

Enquanto recurso hídrico, a água é reduzida à sua dimensão econômica, o que não é, necessariamente, sinônimo de mercadoria. Significa que, por ser um bem público inalienável e relativamente escasso, ela não pode ser usada à revelia, principalmente pelos grandes usuários (empresas e aglomerados econômicos).

 

 

Neste sentido, é fundamental que estes setores econômicos – que utilizam a água como insumo produtivo (quando autorizados pelo poder público, por meio do instrumento da outorga) – internalizem com os custos de preservação, recuperação e conservação dos mananciais, assegurando a sua resiliência e comprometendo-se com as condições de uso para as gerações atuais e futuras.

 

O recurso hídrico poderia se transformar em mercadoria se fosse permitida a compra e venda de outorga (do direito de uso), o que levaria à criação de um mercado de águas (como pretende o PL 495/2017, de autoria do senador Tasso Jereissati), afrontando a Constituição e infringindo a Lei 9.433/97. Sobre o referido projeto de lei, que tramita no Senado Federal com o interesse de criar um mercado de águas no Brasil, foi aberta uma “consulta pública”, disponível neste link (até o momento, contabilizando 102 mil votos contrários contra 1 mil favoráveis).

 

Tecnicamente, a diferenciação semântica também serve para distinguir a água bruta (chamada de recursos hídricos) da água tratada ou águas servidas (saneamento básico). Então, existe o risco de mercantilização das águas servidas quando as companhias são privatizadas (outra ameaça latente evidenciada pela MP 868/2018, que altera marco legal do saneamento básico, visando a privatização dos serviços essenciais de água e esgoto). O Senado também abriu consulta pública sobre esta medida provisória, acesse aqui. É oportuno frisar que esta sanha privatista em relação às companhias de saneamento encontra-se na contramão da tendência mundial, que é de desprivatização e reestatização dos serviços de água e saneamento.

 

 

Como intercede Leonardo Boff [13], a água é as duas coisas, “bem da natureza e recurso hídrico, mas nessa ordem, primeiro como bem da natureza e só a partir daí recurso hídrico”.

 

Não é incomum ouvir de representantes dos setores econômicos, usuários dos recursos hídricos, o argumento de que o Ministério do Meio Ambiente não teria isenção para a coordenação da PNRH, exatamente por ele ser, institucionalmente, o protetor dos bens ambientais, em especial dos ecossistemas, confabulando que os ecossistemas são um mero usuário de água, na mesma condição e da mesma forma que, por exemplo, o setor industrial, o setor de irrigação ou o setor e geração energia.

 

A articulação tácita e subterrânea para o deslocamento da coordenação da PNRH do MMA para outra pasta ministerial, pode, inclusive derivar de movimentos oriundos desta concepção.

 

Por esta lógica, se aceitarmos que os ecossistemas são meros usuários de água, também é preciso dizer que esta relação não é tão unilateral assim, como gostariam de fazer parecer aqueles que vêem a água meramente como insumo produtivo ou bem econômico (e, pior ainda, como mercadoria). É preciso dizer que se os ecossistemas necessitam de água para a sua própria manutenção, eles também são, em grande medida, provedores de água, pois sem floresta (sem vegetação) não há água (potável) disponível, o desmatamento, a erosão e outros processos de supressão ecossistêmica produzem escassez de água, a exemplo das crises severas vivenciadas por grandes centros urbanos do país.

 

 

A par disso, é fundamental operar a ressignificação da gestão de recursos hídricos numa perspectiva de relação com a água, reconhecendo as suas várias dimensões e os múltiplos valores a ela associados, para isso assegurando a expressão de diferentes lógicas, olhares, saberes e vozes representativas de diferentes sujeitos no processo de governança hídrica (inclusive os afetados por intervenções e obras de infra-estrutura hídrica).

 

É por ser a água constitucionalmente reconhecida como um bem público e ambiental, que a PNRH e o SINGREH foram devidamente amparados pela institucionalidade das políticas ambientais, integrando, em nível federal, os arranjos institucionais do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e, em nível estadual e distrital, das secretarias estaduais/distrital de meio ambiente (várias delas denominadas, por isso, “de meio ambiente e de recursos hídricos”).

 

A própria Lei de Águas (Lei Federal 9.433/97) expressa, de forma cristalina, em seus objetivos, o compromisso com a promoção do desenvolvimento sustentável e (ipsis litteris) com a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental.

 

Esta vinculação histórica da coordenação da Política Nacional de Recursos Hídricos e do SINGREH pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pelas secretarias estaduais de meio ambiente representa a salvaguarda de uma condição essencial da água enquanto bem ambiental, essencial à vida e à manutenção dos ecossistemas, que antecede e condiciona todas as outras implicações, de uso social e, inclusive, a de insumo produtivo ou de bem econômico (recursos hídricos).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A par do cenário evidenciado, é intrigante o aparente silêncio dos “parlamentos das águas”, ou seja, dos colegiados gestores e formuladores da política de recursos hídricos, a começar do próprio Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), considerado o órgão máximo do SINGREH (e que sequer foi consultado sobre as mudanças previstas na MP nº 870/2019), assim como dos conselhos estaduais/distrital e dos mais de 200 comitês de bacias hidrográficas (CBH), estaduais e interestaduais (federais), atualmente existentes no país. Em todos os níveis (nacional, federal, estadual e de bacias hidrográficas) os colegiados de recursos hídricos são órgãos consultivos, deliberativos e normativos, e possuem composição tripartite (poder público, usuários e sociedade civil).

 

Seriam necessários estudos mais aprofundados para melhor compreender esta posição defensiva dos colegiados, entretanto, é possível cogitar algumas hipóteses relacionadas ao excesso de burocratização, à escassez de politização (descolamento da realidade, do grave contexto sócio-político e ambiental do país), à fragilização da cultura democrática e participativa, à acentuação das assimetrias estruturais presentes na composição dos mesmos (num jogo de forças desfavorável, sobretudo, à sociedade civil, às comunidades tradicionais e aos movimentos sociais), dentre outros fatores.

 

As alterações previstas na MP nº 870/2019 e nos decretos mencionados, podem precarizar, inclusive, o cumprimento de acordos internacionais e o desenvolvimento da Agenda 2030, especialmente das metas relacionadas à água que integram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), as quais representam condicionantes fundamentais para assegurar um desenvolvimento humano inclusivo e sustentável.

 

Contudo, como o elefante foi colocado na cristaleira, e o problema mais recente suscita respostas emergenciais, dado que a MP está para ser apreciada e votada pelo parlamento brasileiro nos próximos dias, é preciso sensibilizar a sociedade em geral e, particularmente, os atores do SINGREH (sobretudo os colegiados) e os demais atores atuantes no campo das políticas públicas socioambientais, além do próprio parlamento nacional, a fim de tentar reverter os riscos de retrocesso.

 

NOTAS:

[1] A anatomia do desmonte das políticas socioambientais. Instituto Socioambiental. Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/a-anatomia-do-desmonte-das-politicas-socioambientais.

 

[2] De acordo com o professor Luiz Fernando Scheibe (UFSC), “Empresas como a Nestlé e a Coca-Cola querem aumentar o controle sobre o mercado da água não só por se tratar de matéria-prima fundamental para seus principais produtos, mas também para explorá-la enquanto commodity”. Saiba mais em: https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2018/01/para-especialista-da-ufsc-privatizacao-da-agua-no-brasil-esta-mais-presente-na-agenda-de-temer.

 

[3] Quem ganha e quem perde com a política de preços da Petrobrás. AEPET Nacional. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=w8ZqdkvVBq0.

 

[4] Petrobrás: uma riqueza nacional abdicada. Roberta Pereira de Lima no Le Monde Diplomatique Brasil. Disponível em: https://diplomatique.org.br/petrobras-uma-riqueza-nacional-abdicada/.

 

[5] País terá perdas de mais de R$ 1 trilhão com isenções a petroleiras. Senado Notícias. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/06/22/pais-tera-perdas-de-mais-de-r-1-trilhao-com-isencoes-a-petroleiras-diz-consultor.

 

[6] Correntina: as Guerras da Água chegam ao Brasil. Outras Palavras. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/correntina-as-guerras-da-agua-chegam-ao-brasil/.

 

[7] Privatização da Eletrobrás: vendendo o almoço para pagar o jantar. Entrevista com Renato Queiroz (engenheiro Elétrico, mestre em Planejamento Energético). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=M_qaI2vyqLA.

 

[8] Segundo Roberto Malvezzi, a privatização da Eletrobrás “transfere ao poder privado o direito de ‘vida e morte’ sobre os rios brasileiros”. Saiba mais em: https://outraspalavras.net/brasil/privatizar-eletrobras-e-entregar-as-aguas/.

 

[9] O ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, alerta que o PL 495 “restabelece a propriedade privada da água do Brasil, através da mercantilização das outorgas de uso de água entre os usuários de uma bacia”. Saiba mais em: https://jornalggn.com.br/noticia/o-pl-495-17-e-a-privatizacao-da-agua-por-vicente-andreu.

 

[10] Boaventura de Sousa Santos. Da Ilha da Maré a outro mundo possível. IHU-Unisinos, 2018. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/578078-da-ilha-da-mare-a-outro-mundo-possivel-artigo-de-boaventura-de-sousa-santos

 

[11] Declaración de la Red WATERLAT-GOBACIT para el Día Mundial del Agua 2019. Disponível em: https://www.facebook.com/RedWATERLATGOBACIT/posts/2410722382507065.

 

 [12] Daniela Maimoni de Figueiredo. As incertezas na gestão dos recursos hídricos com os novos arranjos institucionais. Observatório das Águas, 14/01/2019. Disponível em: http://www.observatoriodasaguas.org/artigos/id-830378/as_incertezas_na_gestao_dos_recursos_hidricos_com_os_novos_arranjos_institucionais__.

 

[13] Leonardo Boff. Ética e gestão das águas. Palestra proferida no Dia Mundial da Água, Brasília – março de 2003.

 

http://www.aguaevida.net.br/

http://waterlat.org

https://www.facebook.com/aguasualinda/

 

 

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Redação

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