Os argonautas da Ilha do Desterro: um causo delicioso, por Frederico Firmo

Uma história aventurosa de uma travessia por águas infestadas de jacarés e caranguejos.

Os argonautas da Ilha do Desterro: um causo delicioso

por Frederico Firmo

Este é um causo que contrariamente a música afirma que: sim  haverá mais conquistas e tem quem as conte.  Um causo delicioso contado por um professor e educador, Dr Sandro Livramento que vive nestas paragens. Um argonauta de família de marinheiros e longas raízes na Ilha do Desterro para os que não gostam de Floriano. Uma história aventurosa de uma travessia por águas infestadas de jacarés e caranguejos.

Não é a verdade um erro a espera de vez?
Pois!

Essa ponta que a foto revela já foi uma ilha.

Lá na saída da minha infância.

Um dia até a conquistamos. Foi épico. Boias de pneus de carros duramente furtadas da garagem do seu Luís Carlos. Lançamo-nos ao mar. Argonautas da bacia do Lessa. Um fanho, um magricelo e um asmático. Nem Cabral teve tanta sorte e tal privilégios.

Provisões arrumadas: Umas laranjas furtadas na casa do Nagibe, um facão, água no velho cantil, umas linhas de pesca. Tudo cuidadosamente perdido por um atrapalhado fanho nas primeiras bracafas. Ao fundo da lama repousa essas provisões a espera de futuros arqueólogos. Navegamos a duras pernadas e braçadas em busca dessa ilha misteriosa. Conquistamos! Era nossa. Descansamos e contornamos sua costa. Rapidamente descobrimos que se tratava de uma península. Uma extensão do morro do saco grande. Uma ilusão de ótica gerada por um ponto de observação comprometido no suposto continente. Enfim, nenhum peixe pescado, mortos de fome e cansados, resolvemos voltar.

Mas agora o mar desses aventureiros portugueses agita-se. Um vento norte remexe as calmas águas da bacia.  Fomos pouco a pouco nos afastando. O asmático ficou sem ar, mal conseguia falar, ficou pra trás. O fanho disparou e gritava loucamente sem nenhum sentindo e, obviamente, sem nenhuma possibilidade de entendimento. Eu só pensava na rainha louca de Portugal ( minha mãe). Iria morrer e ela não iria me perdoar.

Provavelmente iria me ressuscitar só para ela poder me matar. Assim era a ordem das coisas para a rainha louca. Resta remar forte e em frente. Que cansaço Cabral! Fostes também tragado pelos ventos nos mares das tuas conquistas? Eu nem conquistei nada a não ser uma queimadura de sol e umas lambadas futuras da rainha louca. Essas com toda certeza me esperam. Melhor virar lama do fundo da Lessa. Alimentar os peixes e caranguejos. Desisto ou resisto!? Eis que escuto um barulho de motor. Viro minha nau capitã ( uma boia feita de pneu velho de Fusca) e vejo o asmático sendo rebocado por um pescador numa velha bateira. Que humilhação. Parou ao meu lado e falou num dialeto algumas palavras de consideração por nossa façanha. Algo como servir de poita para barco ou comida para o papo amarelo que mora no mangue.

Que coisa! No caminho alcançamos o fanho. Que muito apavorado agradeceu nosso salvador. Aliás, se comunicavam muito bem. Voltamos ao ponto de partida. Silêncio. Atravessamos o caminho de volta dessa forma. Cada um seguiu seu caminho. Sem glorias, com fome e humilhados.  A rainha louca nem se deu conta do ocorrido. Também seu reino não era pequeno. Muitos por cuidar e pouco por esperar. Entrei sorrateiramente e troquei as vestes de argonauta. Umas bolachas salgadas mataram minha fome. Um achocolatado minha sede. Deitei no sofá da sala. Olhar ao longe e cansado. Dormi.

Acordei tempo depois e lembrei do poema de um português que a professora Etna havia lido na aula de português. “Oh mar salgado. Quanto do teu sal são lágrimas de Portugal…” (Fernando Pessoa) Entendi. Era sobre nós. Sobre nossa aventura daquele dia. Hoje percebo aqui da janela do hospital essa “ilha” de outrora. Lembrei daquela aventura e de outro poeta português: Virgílio Ferreira. Realmente, a verdade é um erro a espera de vez. Que bela metáfora para esse dia.

Argonautas da Lessa – curta memória (SaL)

Redação

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