Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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O Salário Mínimo e a responsabilidade do Congresso Nacional, por Ion de Andrade

O Congresso Nacional poderia mostrar compromisso, pois Poder tem, de construir essa ponte rumo a padrões mais dignos de suficiência salarial para os brasileiros.

O Salário Mínimo e a responsabilidade do Congresso Nacional

por Ion de Andrade

Minha pesquisa de doutorado, que focalizou uma série histórica de dez anos de internamentos de bebês por diarreia no Rio Grande do Norte, me obrigou a ir em busca de um indicador de pobreza estável que pudesse ajudar a explicar os internamentos e óbitos de bebês com menos de um ano, a que nós pediatras chamamos de lactentes. Tive portanto que “criar” um indicador capaz de definir essa insuficiência de renda que é ao menos parte do conceito de pobreza. Numa década de inflação galopante, tive a ideia de dividir os Salários Mínimos Nominais pelos Salários Mínimos Necessários, produzindo uma proporção e um percentual. Os Salários Mínimos Necessários são calculados pelo DIEESE desde 1994 com base numa cesta de produtos que o Salário Mínimo deveria poder comprar, segundo a Constituição Federal.

A fórmula me deu um indicador estável, apesar de uma inflação que tornava aqueles valores nominais inteiramente ininteligíveis na década. Com ele eu passei a saber em quanto o Salário Mínimo Nominal era inferior ao Necessário a cada mês dos 120 meses da década. Um índice, portanto, de Insuficiência Salarial que estabeleceu significância estatística com as séries que mediram os internamentos por diarreia, mostrando que quanto mais insuficiente foi o Salário Mínimo pior foi o cenário. Um bom indicador de pobreza.

Com a decisão desse governo de deixar de corrigir o Salário Mínimo Nominal com qualquer ganho real, voltei, quase 10 anos depois, a revisitar o velho indicador para ver em quanto havia evoluído nesses já quase dez anos rumo a uma presumível maior suficiência.

Construi o seguinte gráfico (abaixo) e nele projetei 600 meses, ou 50 anos para frente, para conhecer, incluindo na tendência a nossa melhor série de correções salariais, os níveis de suficiência para o ano de 2069. Na coluna da esquerda os valores do eixo representam o percentual de cobertura pelo Salário Mínimo Nominal do Salário Mínimo Necessário.

O que vemos nesse gráfico é que saímos de um inacreditável patamar de 8,61% de “suficiência” em abril de 1995 (ou 91,39% de insuficiência) para um nível que chegou a alcançar 26,09% de suficiência (ou 73,91% de insuficiência) em maio de 2012, praticamente triplicando o seu nível de suficiência em 17 anos. Após esse período, no entanto, a suficiência do Salário Mínimo Nominal começou a cair novamente tendo alcançado 21,9% em outubro de 2016, seu ponto mais baixo nos últimos anos.

Entretanto, o gráfico permite constatar que nem em 50 anos, e mesmo considerando a nossa melhor série, teríamos alcançado suficiência salarial plena. Mantida a expansão em curso e o início da série em 1995, o Salário Mínimo Nominal teria alcançado níveis inferiores a 60% de suficiência em 2069. Se considerarmos apenas a série correspondendo aos governos petistas, o salário mínimo, mesmo assim, teria alcançado algo como 62% de suficiência em 50 anos.

É evidente que essa realidade, mesmo não sendo ideal, produziu uma tendência de melhoria da suficiência do Salário Mínimo fato que, conforme já anunciado pelo atual governo, será revertido, gerando novamente mais miséria.

O Congresso Nacional, entretanto, diante dessa verdadeira tragédia que são os valores pagos pelo Salário Mínimo no Brasil, tem Poder para aprovar um Projeto de Lei que seja capaz de tornar o Salário Mínimo Nominal suficiente num horizonte melhor do que o de 60% em 50 anos.

Vale ressaltar, sendo a Suficiência Salarial a relação entre um Poder de Compra do Salário Mínimo e o Preço Real de uma cesta de produtos constitucionalmente definida, que se houvesse um esforço para o barateamento do preço dessa cesta, isso também teria papel no aumento da velocidade do atingimento da Suficiência Salarial e poderia reduzir a necessidade de aumentos nominais maiores, sem que houvesse qualquer prejuízo ao itinerário legalmente programado rumo à Suficiência do Poder de Compra do Salário Mínimo no prazo legalmente pactuado e definido.

O Congresso Nacional poderia mostrar compromisso, pois Poder tem, de construir essa ponte rumo a padrões mais dignos de suficiência salarial para os brasileiros.

É o mínimo, aliás, que deveria fazer dada a necessidade de discussão desse problema aberta pela monstruosidade de não mais corrigir o Salário Mínimo Nominal com ganhos reais.

 

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

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