Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Remédios para o fascismo, por Ion de Andrade

A questão central é portanto de como alterar ou melhorar a correlação de forças na sociedade, daqui até as eleições, para que os resultados em favor da democracia possam ser os melhores possíveis.

Remédios para o fascismo, por Ion de Andrade

Com a elevação da temperatura política e riscos de derrapagem institucional cada vez mais explícitos, é importante equacionar a resistência política do agora e os caminhos que deverão ser tomados para as saídas mais definitivas do imbróglio em que estamos metidos no médio e longo prazos.

Portanto levantando um pouco o olhar ao horizonte, enxergamos obviamente as eleições municipais como um grande momento de atualização da correlação de forças em disputa hoje. Esse certame deve ser encarado como uma prioridade para as forças do campo democrático, ou mesmo sendo ainda mais amplo das forças que hoje se entendem como oposição ao atual governo.

Uma derrota desse campo naturalmente trará um cenário ainda mais tenebroso. E pouco provável que os arroubos autoritários postos até aqui pelo governo sejam capazes de anular o pleito municipal de 2020, portanto, teremos eleições.

Num país continental como o nosso, as transições tem sido sistematicamente institucionais, o que repõe, as eleições no centro do tabuleiro.

A questão central é portanto de como alterar ou melhorar a correlação de forças na sociedade, daqui até as eleições, para que os resultados em favor da democracia possam ser os melhores possíveis.

E é aí que o trabalho mudancista deve estar concentrado.  Ou seja a resistência que se trava hoje, como é o caso do que se desenrola no Ceará, deve ser completada por uma ação robusta no sentido da construção da vitória do campo democrático e oposicionista ao governo. As duas frentes são igualmente importantes, mas parece que a prioridade relacionada às eleições está sendo sacrificada ante a também importante agenda da conjuntura.

Não é cedo para afinarmos os discursos que nos guiarão aos debates eleitorais em que temos que ser vitoriosos. Qual seria o eixo central do discurso do campo democrático?  Em primeiro lugar a resistência a que a conjuntura obriga, que é incontornável, mas que é árida para o entendimento do grande público e em segundo lugar o quê mais no que se refere aos cenários de médio e longo prazos? A questão que se coloca é: onde está o projeto de país que, de fato, deveria ser o prato principal das discussões que inevitavelmente terão lugar nas eleições? A relevância é ainda maior pelo fato de que o município, o bairro, a rua é que são o “país” das pessoas.

O Prof. Ladislau Dowbor, (clique aqui) vem publicando uma série de artigos em que mostra a viabilidade de uma democracia econômica de base local ou municipal como matriz de um desenvolvimento mais participativo, democrático e humanizador das cidades. Fundamentos econômicos que devem ser apropriados pelos candidatos para que seu discurso não seja apenas um panfleto e pior para que sua eventual vitória não seja um desastre para o campo progressista. Vale também conhecer a Teoria Monetária Moderna, como apresentada por Antônio Martins, (clique aqui) que torna clara uma nova Economia Política que deve ser difundida.

Mas essa economia política é apenas parte do desafio político e cultural que temos por obrigação que vencer para ter o que dizer à sociedade para além do árido discurso da incontornável guerra conjuntural. Esse outro desafio, que ultrapassa a economia é o cotidiano.

Diria que nesse tópico estamos mais desarmados do que na economia. As elaborações são esparsas e concorrem com a elaboração dos diversos partidos e tendências que compõem a esquerda no que consideram como seu dever de ofício. O problema é que o que emerge dessa formulação político-partidária é um discurso que sobe pouco além da órbita conjuntural ou da órbita acadêmica da qual é refém gerando imensas dificuldades de diálogo com as maiorias que fazem o nosso povo.

É nisso que eu quero me deter. O campo progressista não pode ir para a rua sem propostas concretas para melhorar o cotidiano dos brasileiros, sobretudo num contexto em que as nossas periferias e zonas rurais permanecem tão apartadas dos ganhos do desenvolvimento e da contemporaneidade.

O que temos a propor de concreto a esses brasileiros que vivem em condições por vezes tão extremas? Vamos pautar a centralidade das periferias ezonas rurais nas eleições municipais?

O volume de problemas enfrentados nessas regiões esquecidas e abandonadas é tanto que dificulta a percepção de que as respostas estão ao alcance do Brasil. Há, porém um personagem chave que sabe como essa vida poderia ser melhorada e que é parte do processo participativo que compõe a proposta: o morador das periferias.

Temos que assentar a ideia de que nenhuma intervenção local pode acontecer sem a participação popular. Portanto, todo esse processo de mudanças deve ser conduzido por meio de um planejamento participativo no qual o Poder Público se comprometa com a agenda de transformações proposta pelos moradores, oferecendo recursos suficientes num cronograma definido.

E o Brasil tem dinheiro suficiente para isso?

Surpreendentemente sim. E isto pode ser quantificado. Se quisermos investir um milhão e meio de reais em infra-estrutura social em cada periferia ou zona rural do Brasil agrupadas, para efeito de cálculo, em comunidades de 20.000 habitantes e situadas no terço mais pobre da população, gastaríamos 0,16% do orçamento federal ou em média 0,58% dos orçamentos municipais das capitais.

Esse montante seria suficiente para construir a cada ano um equipamento social com 750 metros quadrados, como uma Piscina Pública ou uma Biblioteca, em cada uma delas, ou para implantar políticas de inclusão robustas.

Porém, muitas periferias têm os seus problemas mais urgentes relacionados à drenagem e à estabilização do solo, dramas aliás a que assistimos todos os anos como se não tivessem remédio.

Como nos ensina o professor Celso Carvalho, engenheiro civil e colaborador do Br Cidades, nessas situações, pequenas obras como canaletas de drenagem, escadas d’água e impermeabilização dos taludes com argamassa armada resolvem grande parte dos problemas de risco.

Na tabela abaixo elencamos os orçamentos municipais das capitais para ilustrar quanto custaria a cada uma esse volume de investimentos em termos de porcentagem do orçamento.

Fontes: IBGE e orçamentos municipais publicados nas LDOs e na mídia

A título de exemplo, vemos que em São Paulo há 190 comunidades com 20.000 habitantes situadas no terço mais pobre da população. Quando multiplicamos esse quantitativo por um milhão e meio de reais encontramos os valores que esse investimento pela Inclusão Social e pelo Direito à Cidade custariam a cada município. Em São Paulo seriam 285 milhões de reais ou 0,43% do seu orçamento, em Natal 0,63%, em Manaus 0,9%, em Curitiba 0,47% e em Cuiabá 0,43%, as demais capitais podem ser encontradas na tabela. Os valores, embora não resumam todas as despesas necessárias para fazer funcionar as experiencias, são inacreditavelmente baixos.

Os recursos mostrados na tabela podem enfrentar tanto a agenda de Equipamentos Sociais e Políticas Públicas ausentes das periferias, quanto a agenda de pequenas obras de drenagem e estabilização de encostas, sempre adiadas.

No Planejamento Territorial Participativo essas propostas devem figurar como possíveis ofertas do Poder Público, numa agenda aberta a outras possíveis prioridades subjetivas de cada comunidade.

O grupo de trabalho que criamos para dotar a Carta de Natal de um veículo institucional capaz de dar sustentação a esse ideário e que está estudando esse assunto, poderia em síntese apresentar as seguintes quatro ideias compromissos ao campo democrático e oposicionista:

  1. O compromisso de destinar pelo menos 0,5% do orçamento municipal para essa agenda da infra-estrutura social;
  2. O compromisso de que o investimento se dê por meio de um Planejamento Territorial Participativo de curto, médio e longo prazos, envolvendo cada comunidade no desenho do seu projeto de desenvolvimento territorial, Inclusão e Direito à Cidade
  3. O compromisso de que a cada comunidade seja apresentada um cardápio de ofertas sobre o que pode ser feito com os recursos disponíveis, pois é difícil na Exclusão Social sonhar e lutar pelo que não é conhecido;
  4. O compromisso de que essa Política tenha prioridade no contexto do município

Não esqueçamos, o fascismo foi na Europa o regime autoritário que precedeu o Estado de bem estar, ele provocou guerras, mortes e miséria. No Brasil o Bem Estar Social está ao nosso alcance. Se o fascismo tiver emergido para impedir essa agenda de conquistas, realizá-la será o melhor remédio contra ele.

Candidatos, em nome das periferias e da democracia, incluam essa agenda no seu programa parlamentar ou de governo.

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

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