Toques e Tambores no candomblé

Enviado por Implacavel

do Blog Ouro de Tolo

Toques e Tambores

Os atabaques dos rituais afro-brasileiros conversam o tempo inteiro. Cada toque guarda um determinado discurso, passa determinada mensagem, conta alguma história. O tocador dos tambores rituais precisa conhecer o toque adequado para cada orixá, vodum ou inquice. Se o drama representado pela dança de um orixá se refere ao combate, o toque é um; em geral com características marciais. Se a ideia é contar através da dança sacra uma passagem de paz, o toque é outro. Há toques para expressar conquistas, alegrias, tristezas, cansaço, realeza, harmonia, suavidade e conflitos.

É importante lembrar que um xirê, a festa de candomblé, é o momento em que os orixás baixam nos corpos das iaôs para representar – através da dança, dos trajes e emblemas –passagens de suas trajetórias míticas. Através da representação dramática, a comunidade se recorda do mito e dele tira um determinado modelo de conduta. As danças, ao contar histórias protagonizadas pelos orixás, servem de exemplo para os membros do grupo. Em suma, ritualiza-se o mito em música, coreografia, crença e arte, para que ele continue vivo para a comunidade, cumprindo assim sua função modelar.

Bahia_Fotos_Fev_2011 196Apenas a título de ilustração, podemos citar alguns toques mais famosos. Nos terreiros de Ketu, o toque característico de Ogum é o adarrum e se caracteriza pela rapidez e pelo ritmo contínuo, capaz de evocar o caráter marcial do orixá guerreiro e propiciar o transe. O agueré, consagrado a Oxossi, mistura cadencia e rapidez e evoca a astúcia do caçador que conhece os atalhos da floresta.

O ilú de Iansã (o popular “quebra-pratos”) é muito rápido e repicado, representando a agitação da senhora dos ventos, controladora de relâmpagos e tempestades. O alujá de Xangô é vigoroso e se caracteriza pelo constante dobrar do rum, o maior dos tambores, como a simbolizar os trovões que o grande orixá comanda.

Nanã, anciã de dança lenta, tem como toque marcante o sató, que evoca o peso dos tempos e o caráter venerável da iabá mais velha. O opanijé de Omolu é um toque quebrado por pausas e pela lentidão solene, como a evocar os mistérios do orixá. A vamunha é uma marcha rápida, tocada geralmente para a entrada e a saída dos iaôs e para a retirada dos orixás no final da festa. Convida, em sua empolgação, para aclamações dos presentes.

O igbin, toque consagrado a Oxalufã, se caracteriza pela lentidão e pelo desenvolvimento contínuo do ritmo. Evoca o lento caminhar do caramujo que carrega sua própria casa, como Oxalufã carrega o peso do mundo. O ijexá, preferencialmente tocado para Oxum e Logunedé, evoca a suavidade dos banhos de rio e dos ritos de sedução típicos desses orixás.

Vários outros toques obedecem a este mesmo critério descritivo, como o adabi de Exu, o korin-ewe de Ossain e o bravum que embala o bailado rasteiro de Oxumaré.

Já nas casas de Angola, o repertório dos atabaques se estrutura em torno de três ritmos basilares: barravento, cabula e congo. Cada um deles apresenta variações, como é o caso da muzenza (provavelmente o toque mais famoso) em relação ao barravento. Os toques de Angola são mais soltos. Inquices, orixás e caboclos podem ser evocados por qualquer um dos toques básicos e suas variações.

As influências rítmicas da cabula, do barravento e do congo se fazem sentir com mais evidência em uma série de ritmos profanos da música brasileira, sobretudo vinculados ao tronco do samba e suas variações. São marcantes também na prática da capoeira.

trio de atabaquesOs atabaques, em geral, são feitos em madeira e aros de ferro que sustentam o couro. Nos terreiros de candomblé costumamos chamar os três atabaques utilizados de rum, rumpi e lé. O rum, o maior de todos, possui o registro grave; o rumpi, o do meio, possui o registro médio; o lé, o menorzinho, possui o registro agudo. Para auxiliar os tambores, utiliza-se um agogô ou gã; em algumas casas tocam-se também cabaças e afoxés.

Não é qualquer um que pode chegar numa roda de santo e meter a mão no couro. A autorização demanda iniciação ritual, tempo, recolhimento e consagração. Nas casas de culto ketu, os tocadores de atabaque tem o título de ogãs alabês; os jejes chamam os tocadores de runtós e os seguidores dos ritos de angola denominam os músicos de xicarangomos.

A questão etimológica também é interessante. O termo alabê vem provavelmente de alagbe – o dono da cabaça; runtó deriva da língua fongbé, dos vocábulos houn (tambor) e tó (pai), formando o sentido de pai do tambor; já xicarangomo, segundo o mestre Nei Lopes, vem do quicongo nsika (tocador) + ngoma (tambor) = o tocador de tambor.

Nas tradições jeje e ketu, os tambores são tocados com baquetas feitas de pedaços de galhos de goiabeira, chamadas aguidavis. O rumpi e o lé são tocados com dois aguidavis; o rum é tocado com uma única baqueta, maior e mais grossa que as outras. Nos candomblés de angola, os três atabaques são percutidos com as mãos, sem o recurso de baquetas. A tradição é séria e tem que ser respeitada.

Os tambores, enfim, são propiciadores percussivos do canto, da dança e da rememoração de histórias modelares. Conduzem os homens, na dimensão do sagrado, ao tempo dos mitos primordiais de invenção da vida.

Os deuses, afinal, dançam.

 

Redação

14 Comentários

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  1. Canto dos Escravos

    Infelizmente o Blog está com problemas no que tange à anexação de vídeos. O amigo Gilberto Cruvinel já falou comigo sobre isso e a própria editora Lourdes Nassif relatou que só estava conseguindo anexa-los através do internet explorer…

    Lamentável pois postar somente o link é muito pobre. Temos que esperar a solução do problema pelo pessoal da Tecnologia da Informação!

    https://www.youtube.com/watch?v=VEACH4bJkHQ

  2. Espiritismo e Umbanda

    A ignorância humana a respeito das crenças  é a pior artimanha de que se utilizam os demônios para levar a cisão a desarmonia e o caos na sociedade.

    Toda crença que objetiva elevar o homem de encontro a Divindade é sabia e só traz beneficio para a humanidade.

    São os proprios homens que deturpam com as diretrizes Divinas em proveito proprio dando origem ao fanatismo e a destruição.

    Em essencia todas as religiões pregam o amor e a conciliação dentre os humanos.

    O proprio Espiritismo que teve como expoente maximo o Candido Francisco Xavier é vitima da falta de informação teológica de muito de seus integrantes, confundindo a Doutrina e outras crenças.

    Tanto tentam, que acabam por perder o que entendo como mais precioso num movimento religioso: a espontaneidade! Pois, admitamos!, não é raro (um exemplo) vermos o espírita, dentro do CE, medindo cada palavra que sai pela boca, como se a imaginar ter uma “obrigação” de ser perfeito…

    Uma comparação, sem pretender ‘puxar sardinha’ (posto um terreiro possui inúmeros outros problemas, alguns bem mais GRAVES que os de um CE): as pessoas, via de regra, estão satisfeitas por estarem num terreiro, algumas até FELIZES, espontâneas. Numa festa numa roça de Candomblé isso é evidente! TODOS ali estão rindo de forma espontânea. Compare-se com o “ar solene” dentro de muitos Centros Espíritas… uma criança nova perguntaria porque estão tão tristes!

    O resultado disso, desse quase “patrulhamento doutrinaria-e-politicamente-correto”, acaba sendo as brigas políticas, por espaços + poder + projeção dentro dos CE’s, infelizmente. Quando – o que é comum – tal “patrulhamento” embasa-se em IGNORÂNCIA (como o exemplo aqui, energias masculinas e femininas), a ‘vaca vai pro brejo, ladeira abaixo’.

    Repetindo: NÃO ESTOU GENERALIZANDO, ok? Certo que em muitos e muitos CE´s não ocorre isso, ou ocorre de forma diminuta. Mas é inegável que existe esta tendência “como um todo” (ao ponto de o Divaldo ter dito, numa entrevista, quando perguntado como ia o movimento espírita: “Vai bem apesar dos espíritas”)

    Abraços

     

    1. “Compare-se com o “ar solene”

      “Compare-se com o “ar solene” dentro de muitos Centros Espíritas… uma criança nova perguntaria porque estão tão tristes!”:

      Nao nos que eu frequentava:  eh que eu sou sempre o mais bagunceiro dos alunos!

  3. Apenas uma clarificação na questão dos toques

    No Início do artigo, o autor coloca: “Apenas a título de ilustração, podemos citar alguns toques mais famosos. Nos terreiros de Ketu, …”.

    No meio do artigo, exemplificando toques em terreiro de Ketu, o autor coloca: “O ijexá, preferencialmente tocado para Oxum e Logunedé, evoca a suavidade dos banhos de rio e dos ritos de sedução típicos desses orixás”.

    No fim do artigo, o autor coloca “Nas tradições jeje e ketu, os tambores são tocados com baquetas feitas de pedaços de galhos de goiabeira, chamadas aguidavis”.

    Tem que ter uma ressalva. Não são usadas baquetas no toque Ijexá. Para tocar os tambores se utiliza somente as mãos. Do jeito que foi escrito o fim do artigo, isto não ficou claro.

     

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