A imensa maioria continua sendo os excluídos da nação.

      O melhor do Brasil é o povo brasileiro. Apesar de toda generalização ser muitíssimo reducionista, sugiro que reflitamos sobre o seguinte: para além da visão, ao mesmo tempo, paradisíaca e demoníaca que os europeus letrados do período colonial tinham do país – trópicos edênicos onde viveria uma humanidade inviável – o fato é que a imensa maioria de africanos, afro-brasileiros, índios, caboclos, mestiços e até brancos pobres foi que construiu, com as suas mãos e com todas as dimensões dos seus corpos, a riqueza de uma nação que, ironicamente, nunca lhes pertenceu.

      O Brasil é uma nação fraturada porque nasceu esfacelada. Pindorama foi conquistada a ferro, fogo e fé. Conquista militar e simbólica nos primeiros séculos da colonização, com a ocupação das terras e extinção de vários povos indígenas do litoral. Tirania e paternalismo prevaleceram na relação com os escravizados da África. Entendamos isto de uma vez por todas: o pior do Brasil são as suas elites senhoriais e o melhor do Brasil é o povo brasileiro, que se constituiu duramente nos período da Colônia e do Império  contra a vontade dos senhores, que nunca formularam um projeto nacional. 

   Ainda que a mentalidade escravista permaneça viva nas cabeças e nas práticas das elites senhoriais, o fato é que as forças vivas da nação fraturada, inconclusa, produziram o fim do regime de trabalho escravista, sistema cruel e imoral, incompatível com a constituição de uma sociedade moderna, democrática, liberal. Um olhar atento para a história da formação do povo brasileiro, particularmente para os seus aspectos culturais – da música, da dança, p. ex., – constatará o seguinte: as expressões populares da cultura – de africanos, afro-brasileiros, índios, caboclos, mestiços e até brancos pobres – antecederam a Independência e prosseguiram depois, sendo continuamente transformadas até os dias atuais.

 

   O que há de mais consistente na formação cultural do Brasil são as contribuições da inteligência e da sensibilidade popular expressadas vivamente nas, mas não apenas nelas, manifestações musicais, cênicas, artísticas do universo popular. 

 

   O desprezo das elites senhoriais pelo povo brasileiro sempre foi tamanho que passamos todo o período colonial, imperial e parte da república sem ter universidades, por exemplo. Enquanto os países de colonização espanhola conheceram universidades desde os séculos XVI e XVII, na chamada América portuguesa, repitamos, a universidade só viria a ser criada na década de 1930, nos primeiros anos da Era Vargas. O economista Marcio Pochmann, em recente aula proferida na Universidade Federal da Bahia, lembrou que a necessidade de construir o projeto nacional foi fator determinante para a criação da universidade no Brasil, na década de 1930.

 

   Em toda a história do Brasil, a primeira vez em que um governo formulou e executou um projeto nacional foi na Era Vargas, que se completou com a eleição do Velho em 1950. As carcomidas elites buscaram interromper o desenvolvimento daquele projeto, levando ao suicídio de Vargas; e aliadas às forças armadas, próximas aos interesses dos Estados Unidos, no contexto da guerra fria, interromperam a tentativa de aprofundamento do projeto nacional sublinhado pela dimensão popular. Contra as reformas de base levantaram-se as elites econômicas e militares.

 

   Neste momento em os porões da ditadura civil-militar chegaram ao poder pelo voto e executam um projeto de desmonte do Estado, das empresas e de todas as instituições técnico-científicas que funcionaram desde as primeiras décadas do século XX; que estão entregando ao capital internacional as nossas riquezas: petróleo, gás, água doce, terras agricultáveis, florestas, impossibilitando a formação local de alta tecnologia; quando chegam determinados a exterminar a oposição de esquerda, entramos em um túnel perigoso. 

 

   O ataque que o governo de um tiranete mafioso faz hoje à universidade e às forças progressistas é um ataque, portanto, às possibilidades de formulação, articulação e execução de um projeto nacional e popular. Se hoje o governo atua para o desmonte do Estado e destruição da universidade pública é porque o projeto das atuais elites senhoriais é neocolonial. Querem encetar a nova era da predação das nossas forças e riquezas e aprofundar a submissão do país aos financistas que mandam no mundo.

 

O projeto das elites no poder é sustentar uma guerra interna. O nobre papel das forças armadas de garantir a soberania nacional e a paz social é rebaixado para o papel de capitães-do-mato a serviço das elites.

 

Só lograremos levar para a lata de lixo da história essa tirania mafiosa hoje no poder se articularmos um projeto nacional e popular arrojado. 

 

O compromisso da nossa geração é lutar com todas as nossas forças para impedir a continuidade da tragédia atual e legar ao futuro um país capaz de constituir uma Nação em que as riquezas materiais e simbólicas sejam repartidas adequadamente para todos . Precisamos vir a ser uma Nação que invista no maior patrimônio do país, que é o seu povo. Insistamos neste ponto: nascido fraturado o Brasil jamais constituiu-se realmente como Nação. Assim como se deu no tempo da escravidão e no período posterior, a maioria da população continua excluída do usufruto da riqueza nacional. A imensa maioria continua sendo os excluídos da nação.

Redação

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