Diagnóstico correto: racismo x pedagogia da igualdade humana

Diagnóstico correto: racismo x a pedagogia da igualdade

Comentário no post da entrevista de ROQUE JUNIOR:  https://jornalggn.com.br/blog/ implacavel/racismo-mais-uma-batalha-para-a-cabeca-de-roque-junior#comment-128700

Na entrevista do futebolista campeão mundial ROQUE JUNIOR, brasileiro que se consagrou nos campos europeus, em que aponta as mazelas do racismo que foi vítima e que, no dia a dia, atinge a todos nós, pretos e pardos. Analisando as dificuldades dos atletas afrodescendentes de, a exemplo de seus colegas brancos, continuarem suas carreiras no meio futebolístico, ele faz o diagnóstico correto: ” Historicamente, está enraizado: as pessoas tendem a pensar que um sujeito negro, ex-jogador, não vai ter condição de estar num posto de comando e ser o treinador. Isso tem a ver com essa nossa história. Às vezes as pessoas tentam dar uma conotação menor a ela e ao impacto que tem hoje, mas é um processo lento, que tem que vir do privado – de se passar de geração a geração a idéia de que é todo mundo igual – e também de políticas públicas na área de educação, para que haja chances não só aos negros, mas à população de baixa renda à qual, por essa razão histórica, o negro está muito associado.”

Porém, bem intencionado e pensando em combater o racismo, o atleta elege a terapia equivocada: defende as políticas públicas de segregação de direitos raciais através de cotas raciais. Evidente que ROQUE por ser um atleta famoso e dedicado desde muito jovem a um campo profissional que não franqueia os estudos convencionais, ele não tem obrigação de uma análise sociológica, antropológica e filosófica consistente.

Ora as políticas públicas em bases raciais fazem a afirmação estatal de diferença ´racial´. A Senadora ANA RITA – PT escreveu no Relatório de aprovação do projeto de Lei – PLC 180/2006 – atual Lei de Cotas Raciais nas Universidades a síntese de todo o debate sobre direitos raciais. Não é a inclusão igualitária que se busca. Para isso bastariam as cotas sociais. Também não é um esforço estatal para a destruição do racismo no seio da sociedade. Nem representa um objetivo ético o da diversidade humana pela sua simbologia exemplar. O que se busca na verdade é uma perigosa diversidade ´racial´ no seio do mundo acadêmico. O exemplo cabal disso é o que a Senadora capixaba defendeu no Relatório do PLC aprovado em Plenário do Senado Federal, inscrito nos anais de nosso parlamento. O principal objetivo da lei de cotas raciais era outro: um dos objetivos dessa lei será a de estimular aos jovens da ´raça negra´ a terem o orgulho de afirmarem a sua ´raça´… A que ´raça´ ele pertence? afirmou solene a Senadora no documento oficial de aprovação da lei de cotas raciais. Argumento que foi acolhido, sob aplausos, pelo parlamento. A presidenta DILMA, sancionou a lei, sem vetos à segregação de direitos raciais e que está sendo implementada pelo Ministro da Educação, ALOISIO MERCADANTE, portanto, todos de acordo com o que foi defendido pelos argumentos da nobre Senadora ANA RITA, em vigência já faz um ano a lei 12.711 de 2012.

Hoje, 30/10/2013 os jornais noticiam que o Deputado LUIS ALBERTO – PT/BA, conseguiu a aprovação em Comissões temática da Câmara Federal um Projeto de Lei para adoção de cotas raciais nos parlamentos nos três níveis. Projeto no mesmo sentido, fora apresentado de forma jocosa em 2011 pelo virulento Deputado JAIR BOLSONARO-PP?RJ na época em que se debatiam as cotas raciais em universidades: se pode cotas nas universidades também devemos ter cotas entre os Deputados já que pretos e pardos aqui são minorias também, dizia BOLSONARO. Outros projetos de leis já tramitam na Câmara e no Senado visando a adoção de cotas raciais nos concursos para ingresso no serviço público e também em empregos privados. Evidente que sob o ponto de vista da isonomia e equidade, se constitucional fosse a lei de cotas nas universidades também poderiam sê-lo, pois a segregação de direitos raciais no concurso público de vagas nas universidades é o mesmo direito vigente para qualquer outro certame público ou privado: todos se equivalem pois são direitos raciais segregados. Uma mesquinharia e perversidade estatal contra os afro-brasileiros com o estado afirmando o estigma de uma inferioridade presumia. MICHEL FOCAULT diz que todas as grandes tragédias da humanidade se iniciam sempre por pequenas mesquinharias. Eis que nossa geração deixa no seio da sociedade uma mesquinharia de grandes dimensões.

Enfim, caminhamos perigosamente para a edificação de um estado como uma confederação de nações raciais, cada qual desfrutando de direitos segregados conforme o pertencimento racial do indivíduo. O pior dos mundos. Semende de divisões e ódios raciais insuperáveis. Significa o abandono do sonho iluminista da garantia do tratamento com igualdade pelo estado – o direito individual fundamental indispensável à dignidade humana – permutando-o por direitos coletivos com a adoção de direitos raciais. Não são direitos individuo. São direitos destinados a pertencentes de um grupo racial determinado. E isso não é uma novidade. Tal direito coletivo foi base do sistema escravista. Um grupo de pessoas tinham direito de escravização. Outros grupos – nativos e africanos – podiam ser escravizados.

Os Tutsis e Hutus povos de etnias diferentes foram submetidos a tal sistema de direito segregados conforme a origem étnica imposta pelo colonizador europeu: dividir para dominar. Eram povos tradicionais que conviviam no mesmo território – atual Ruanda e Congo – por milhares de anos. Tiveram direitos segregados a partir do final do século 19. Em menos de cem anos eles se tornaram odiosos povos inimigos e protagonizam nos últimos vinte anos, a partir de 1990, o maior genocídio da história africana com mais de 6 milhões de vítimas fatais e outros milhões que sobrevivem desterrados, perambulando distante de seu território tradicional, sem pátria, em guerra permanente no seio da África central. Em todo o mundo, as guerras civis giram em torno de direitos coletivos de grupos raciais, étnicos, religiosos ou separatistas. Sempre direitos ou a ausência de direitos coletivos. Não há guerras por direitos individuais.

Sob tal prisma é que se afirma o principal defeito de cotas raciais segregadas: elas atacam os efeitos do racismo beneficiando poucos mas, através delas, o estado fortalece e legitima a causa das discriminações que é o racismo oriundo da crença em pertencimentos raciais o que produzirá malefícios que violentam a dignidade humana de todos. As políticas em bases raciais desqualificam os direitos individuais e a dignidade humana visando favorecer direitos coletivos de grupos.

No Brasil onde na era republicana pela primeira vez adota-se direitos em bases raciais trilhamos um caminho conhecido que nos levará às trevas de conflitos raciais. Vejamos a perversidade do sistema de cotas raciais compulsórias impostas pelo estado. No caso das cotas raciais nas universidades, os mais bem preparados, oriundos da classe social mais rica, sempre foram os primeiros colocados e não perdem nenhuma vaga para as políticas de cotas. Assim, o estado reserva aos mais pobres uma disputa racial. Um jovem branco da mesma escola, do mesmo bairro e do mesmo ambiente social que perdeu uma vaga a favor de um direito racial de seu colega de turma, amigos de infância e de família que hoje convivem e harmonia, carregará para sempre esse sentimento de vítima de  uma injustiça ´racial´. O beneficiário do privilégio carregará em seu íntimo de ser humano a mácula do usufruto de um benefício em prejuízo do outro, talvez seu amigo, colega e até da mesma família. O primeiro lamentará para sempre a oportunidade que lhe foi tomada. O segundo, submetido a uma humilhação estatal, sentir-se-á violado em sua dignidade humana. Com o passar dos tempos, duas ou três gerações,  tais sentimentos deixam de ser de indivíduos e passam a ser dos grupos ´raciais´, então, a tragédia estará prestes a se manifestar.

Não há, pois, na história humana nenhuma experiência exitosa de estados que tenham praticado políticas públicas em bases raciais. Ao fazê-lo, o estado semeia na terra fértil da idiossincrasia humana cujos frutos venenosos será o ódio racial de uma ´raça´ em relação a outra. Nos EUA adotaram leis de direitos raciais desde a abolição da escravatura, por mais de cem anos: o racismo continua sendo uma ferida aberta e continua vitimizando os afro-americanos. Em Ruanda, no século 19 o imperialismo alemão e belga, outorgaram direitos distintos a Tutsis e Hutus, diferenciado-os. Na Alemanha nazista legislou direitos raciais conforme as leis de Nuremberg. Na África do Sul, o estado da aparatação racial produziu a iniquidade do ´Aphartheid´ com suas violências e misérias. Ainda sobrevive a despeito do heroismo de MANDELA seu prisioneiro por 27 anos. Sempre que o estado produziu o tratamento desigual com base em raças ou etnias, ele aprofundou as diferenças e produziu ódios, guerras, genocídios e toda gama de misérias humanas.

Essa foi a doutrina aprovado no parlamento – os representantes do povo – com aprovação de leis de segregação de direitos raciais e quando praticada pelo estado esse direito baseado na ´diferença´ racial´ passa a se constituir o direito de inclusão pela raça ou a negação de direito pela exclusão igualmente pela raça.

Isso é uma tragédia anunciada: obrigar jovens na fase pré-vestibulares além das dificuldades e insegurança dessa fase, a enfrentarem também uma traumática e desnecessária disputa racial.  Isso significa o tratamento desigual em razão da crença no pertencimento racial. Assim é que foi adotada nos EUA nos anos 1960 decorrente de uma antiga doutrina de direito enraizada no exercício de direitos raciais. A de que os afro-americanos tinham direitos iguais, desde que exercidos apartados: iguais, mas separados.  Ensinar pertencimentos raciais é a pedagoria do ódio. NELSON MANDELA, eleito Presidente da África do Sul, diagnosticava os males do estado com direitos raciais e afirmou: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da pele. Eles foram ensinados a odiar. Se aprenderam, são humanos e nós podemos lhes ensinar a amar.” Essa é a única pedagogia estatal admissível.

Entretanto Ações Afirmativas é outra coisa distinta do que pensa a Senadora ANA RITA e seus colegas de Senado. Trata-se de uma doutrina de direito, generosa e ousada, destinada a fazer a promoção da igualdade humana. A diversidade humana é o que nos interessa. Quando bem empregada se destinada a impedir a manutenção de injustas discriminações racistas, sexistas, machistas, homofóbicas etc. valorizando e garantindo a diversidade humana e não a diversidade “racial”.

Com a doutrina de Ações Afirmativas cabe ao estado promover a igualdade. O que se faz com adoção de políticas públicas em benefício dos que se encontra em desigualdades, induzindo programas voluntários de inclusão e de neutralização das discriminações. Isso significa promover a igualdade o que não equivale a políticas estatais de privilégios raciais com a segregação estatal de direitos raciais. Nem nos Estados Unidos, onde nasceram as Ações Afirmativas não há lei faça segregação de direitos raciais – cotas raciais. Nos EUA desde 1964 vige a Lei dos Direitos Civis adotada exatamente para a destruição do antigo sistema segregacionista. Enfim, a doutrina de Ações Afirmativas não é sinônima de direitos segregados.

Portanto, correto o diagnóstico que faz o atleta e a defesa que faz de políticas públicas universais, embora seja o caminho mais difícil e demorado: ” … mas é um processo lento, que tem que vir do privado – de se passar de geração a geração a idéia de que é todo mundo igual – e também de políticas públicas na área de educação, para que haja chances não só aos negros, mas à população de baixa renda à qual, por essa razão histórica, o negro está muito associado.”

Entretanto, a única pedagogia estatal admissível é a mais republicana de todas as afirmações consagradas pela idéia da unicidade da espécie humana e a garantia pelo estado do tratamento com igualdade a todos os humanos e que deve ensinar o amor e não o ódio ao outro ser humano “… mas é um processo lento, que tem que vir do privado – de se passar de geração a geração a idéia de que é todo mundo igual – diz o zagueiro da seleção de 2002. E é por isso que os tratados da ONU impõe a proibição que o estado faça qualquer tipo de discriminações em bases raciais, ou de outorga de direitos em bases raciais, conforme afirma. o art. 19 da CF/88: ” É vedado à União, Estados e Municípios: … III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

MARTIN LUTHER KING nos ensinou em sua extraordinária “Carta da Prisão de Birmingham” de 1963, estribada nas reflexões da solidão do cárcere e que se constituiu no verdadeiro Manifesto Político do vitorioso Movimento pelos Direitos Civis que exigia o fim das leis de Segregação Racial vigentes nos EUA desde 1864, concluindo a Carta com as razões de seu dever para a desobediência civil às leis de segregação, por serem injustas e contrárias ao Direito Natural conforme o Pastor KING aprendera com a doutrina cristã de Santo Tomás de Aquino: “Uma lei injusta é uma lei humana sem raízes na lei natural e eterna. Toda lei que eleva a personalidade humana é justa. Toda lei que impõe a segregação racial é injusta porque a segregação deforma a alma e prejudica a personalidade.”

As políticas estatais de segregação de direitos raciais equivalem ao estado nos impor a todos, pretos, pardos e brancos pertencimentos raciais que não temos. É o estado nos impondo a convivência com o racismo. Enquanto o nefasto racismo individual faz vítimas individuais quando imposta pelo estado o racialismo passa a produzir vítimas coletivas. No Brasil mais de 100 milhões que o IBGE identifica como pretos e pardos.

Nós, afro-brasileiros, não queremos conviver a cultura de ´raças´ aquela mesma cultura que alimentou a odiosa doutrina do racismo com base na classificação racial dos humanos e sua hierarquia presumida: a da raça superior e as demais inferiores, sendo a ´raça negra´ a base inferior da pirâmide humana. Tal doutrina ainda violenta a dignidade humana dos pretos e pardos. Aceitar a convivência com o racismo não condiz com a nossa luta maior que é a sua completa destruição da crença em raças, a fonte nuclear do racismo.

FRANTZ FANON, afro-descendente nascido na Martinica foi o primeiro grande ativista contra o racismo. Ele compreendeu os males da cultura de ´raças´ e decretava em 1956, em Paris para uma platéia de intelectuais, uma verdade cada vez mais imperativa: “Numa sociedade com a cultura de raças, a presença do racista será, pois, natural.”

Redação

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