Luciano Hortencio
Música e literatura fazem parte do meu dia a dia.
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Feliz do tempo que passou…, por Luciano Hortencio

Sou do tempo dos doidos mansos e queridos, como a Ferrugem, o Rei da Voz, a Miau, a Miss Brasil e tantos outros.

Feliz do tempo que passou…, por Luciano Hortencio

Sou do tempo da farinha cessada; do mungunzá com leite de coco, raspado e espremido em casa; do basilicão, usado para soltar o carnegão de furúnculos mal resolvidos; do mastruz com leite, que nem sequer pensava em ser uma Banda de Forró e era usado para limpar os pulmões, além do mastruz ser também pisado para sarar machucados e pisaduras; da época em que se comprava ovos vendidos na porta (saudades da Dona Lica) e esses eram colocados em uma bacia de água para que fossem examinados se não estavam estragados (goros).

Sou do tempo em que se comprava carne de porco somente depois de acender um fósforo e encostar na carne, para verificar se não era de barrão e tinha cheiro de xixi; dos idos em que todos os dias ouvia-se o vendedor de panelada e fígado gordo passar apregoando suas mercadorias, sempre embriagado para suportar o odor das vísceras.

Sou do tempo do cuscuz paulista, vendidos na porta e que pareciam uma meia taça; do tempo das pitombas, macaúbas, jenipapos, rolete de cana e dos alfenins; do tempo do pega-pinto do Mundico; das empadas de camarão do Bar Ritz, que meu trazia embrulhados em papel manteiga, acho que era esse o nome do papel, e se desmanchavam na boca.

Sou da era em que se tinha direito a maçã, guaraná e biscoitos champanhe, sempre que se tinha uma febrinha; das missas das oito, na Igreja do Patrocínio, onde o Padre Nini mandava os adultos se levantarem para dar lugar às crianças, já que a Missa das oito era às crianças dedicada; sou do tempo dos doidos mansos e queridos, como a Ferrugem, o Rei da Voz, a Miau, a Miss Brasil e tantos outros.

Sou do tempo em que os pais não precisavam brigar com as crianças, bastava um olhar; sou desse tempo. Sou do tempo do chegadim, chegadim assim, que era vendido na rua por um rapaz que o anunciava tocando um triângulo e a gente conhecia de longe; Sou do tempo do puxa-puxa, onde uma negra já bem velha, com o vestido alvo como uma nuvem, vendia os pedacim de puxa puxa e o resto que ficava ela ficava puxando e repuxando ad infinitum; sou do tempo da rapadura grande e alva, “é de coco e castanha”,

Sou do tempo das mariolas, que eram pequenos doces de goiaba cascão enrolados na palha da bananeira; Sou do tempo do colar de coco de macaúba, que a gente comprava no mercado e ia comendo um a um, até ficar só o cordão véi no pescoço; Sou dos tempos dos guisados, que toda a meninada fazia dentro de panelinhas de barro compradas no mercado e aprendia a cozinhar sem nem sentir.

Sou do tempo do refresco de pega pinto, que era uma bebida dos deuses, feito com um matim chamado pega-pinto, que dá uma florzinha roxa pequenininha e uma sementinha que gruda nas pernas da gente; Sou do tempo das obras das vocações sacerdotais, que a querida Tia Teresa, minha tia avó, inscrevia a gente pra colaborar sem que a gente nem autorizasse e ficava cobrando os tostõeszim da gente todo fim de mês.

Sou do tempo das brincadeiras de médico e de fazer contar sinais; do tempo em que a chegada da puberdade era um inferno e os irmãos mais velhos ficavam prestando atenção nos possuídos da gente pra ver se estava já empendoando, que nem espiga de milho e ainda saiam pra contar pros zôto.

Sou do tempo em que era normal uma criança recitar e cantar, tendo eu ódio quando chegava uma visita e lá se tinha eu de recitar: Lá vem o pato, pataqui, patacolá; Lá vem o pato, para ver o que que há. É aquela mesmo que o Vinicius musicou. O diabo é que eu tinha os pés de pato e ficava danado da vida por ter que recitar uma coisa que me chateava até o fundo da alma.

Sou do tempo em que se fazia a primeira comunhão de paletó e gravata, com vela decorada (a minha foi lindamente decorada por vovó Umbelina) e fita no ombro, com direito a santinho personalizado para distribuir aos parentes e amigos.

Escreveria páginas e páginas com costumes e coisas que não mais são usadas, porém me dão muita saudade.

Essas coisas, amigos, são COISAS QUE O TEMPO LEVOU!

 

 

 

Luciano Hortencio

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