O liberalismo de araque dos nossos mercadistas

Um dos pontos mais curiosos do mercadismo brasileiro é a enorme falta de consistência ideológica. É o liberalismo de jabuticaba, que só floresce por aqui.

Um liberal, por definição, defende o primado da vontade individual – seja do investidor, do consumidor, da empresa. Ao Estado cabe apenas criar um ambiente propício a esse exercício da liberdade individual. E também atuar sobre as expectativas dos agentes econômicos.

Há uma crítica consistente em relação ao modelo econômico dos últimos anos, privilegiando o consumo e não o investimento. Mas não são prioridades conflitantes. Sem o consumo, não se tem o investimento. Portanto, há que se estimular o consumo e criar as condições necessárias para viabilizar o investimento. Faz-se isso com estímulos fiscais, financeiros e com um câmbio competitivo, melhorando a competitividade em relação aos competidores externos.

A maneira como alguns porta-vozes do mercado reagiram aos estímulos à compra de automóveis é exemplar como falta de consistência ideológica.

Acusam o governo de estimular o super-endividamento irresponsável das famílias. E consideram insensatez medidas de estímulo à venda de automóveis para reduzir os estoques das montadoras. Como se o dinamismo do PIB dependesse apenas dos ganhos proporcionados pela Selic elevada.

Como assim? O que propõem, então, é que as famílias sejam tuteladas? Não se acredita no discernimento familiar, na capacidade do sistema financeiro de analisar o crédito, nas práticas prudenciais, no avanço das análises de risco?

Ora, são liberais de araque. No fundo, querem a tutela do consumidor e das empresas. É a mesma lógica dos Ali Kamel da vida, indignado com o fato de beneficiários do Bolsa Família usarem parte dos recursos para adquirir geladeira.

O liberalismo brasileiro já produziu porta-vozes do nível de Roberto Campos, Mário Henrique Simonsen. Hoje está reduzido a comentaristas que meramente ecoam os grandes pensadores econômicos Natan Blanche e Maílson da Nóbrega.

Não é por outra razão que se tornou um slogan sem ideias, incapazes inclusive de entender a nova lógica de realocação da poupança. E dispostos a serem a tutela do mundo. Como qualquer agente do governo chinês.

Luis Nassif

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