CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA

 

Uma notícia divulgada no início da semana que passou deixou consternados centenas de profissionais do jornalismo que passaram pelo Jornal do Brasil: o fim das atividades do outrora verdadeiro maior jornal o país. 

Na verdade, o JB começou a acabar a partir do momento em que os herdeiros da Condessa Pereira Carneiro (fundadora) e de MF do Nascimento Brito (seu genro) sufocados por dívidas gigantescas decidiram jogar a toalha, e entregaram o destino do jornal a um empresário de negócios duvidosos em troca de uma renda mensal. Em outras palavras, arrendaram a marca JB, mas continuaram responsáveis pelo passivo de mais de 2 bi de reais. Um negócio que tinha tudo para dar errado, como deu.

Mas não é intenção da coluna reabrir o debate sobre os motivos que levaram o JB à ruína financeira. Meu objetivo é simplesmente homenagear uma empresa que enche de orgulho ainda hoje os profissionais que lá trabalharam. 

Na qualidade de quem trabalhou dezoito anos na Rádio JB, sete no velho prédio da Avenida Rio Branco e onze no prédio da Avenida Brasil, me senti no dever de dar o meu depoimento sobre aquele período de ouro do jornalismo brasileiro, representado pelo Jornal e pela Rádio Jornal do Brasil. Foi o que fiz em 07 de outubro de 2004, quando escrevi para o Direto da Redação a coluna abaixo, baseada em foto que vi de assaltantes depredando e levando partes do prédio abandonado da Avenida Brasil.

APOGEU E QUEDA DO JB

Entrar na velha redação do Jornal do Brasil, no terceiro andar do número 110, da Avenida Rio Branco, deixava qualquer visitante tomado por um sentimento de fascinação e respeito. Era como entrar num templo sagrado, onde você podia esbarrar nos mais conhecidos e competentes jornalistas da imprensa brasileira da época. Foi assim que me senti, quando, bem jovem, entrei pela primeira vez no célebre edifício do JB, contratado pela Rádio Jornal do Brasil, em 1965.

O terceiro andar era um grande salão aberto, onde funcionavam todas as editorias do jornal. Somente duas eram separadas por divisórias de madeira: o departamento de pesquisa, uma novidade recém-lançada pelo JB, e o departamento de jornalismo da Rádio JB, que tinha seus estúdios no quinto andar. Fora essas duas, as demais editorias eram separadas pela cor das máquinas de escrever. Isso mesmo, num tempo em que computador era algo inimaginável, algum programador visual teve a idéia genial de colorir as máquinas de escrever. Assim, as da editoria de Brasil tinham uma cor, as da Internacional eram de outra, e assim por diante.

Agora imagine o leitor o que acontecia a partir das seis da tarde quando os repórteres chegavam da rua com suas matérias e começava o fechamento do jornal. Todas aquelas máquinas – duzentas, talvez – eram usadas ao mesmo tempo, com o som das teclas produzindo uma sinfonia fantástica. Daquelas máquinas rudimentares, Olivetti ou Remington, estavam saindo as notícias da edição do JB do dia seguinte, num tempo em o jornal era de fato e de direito o maior jornal do país.

Trabalhar no JB era o sonho de qualquer profissional. Além de pagar os melhores salários da época, o jornal e a rádio da Condessa gozavam de imensa credibilidade junto aos poderes públicos e prestígio junto aos leitores. O leitor de hoje sabe perfeitamente que por trás de qualquer empresa jornalística há interesses políticos e/ou comerciais a serem atendidos. Mas posso dizer, sem medo de errar, que o velho JB foi o que esteve mais perto da liberdade total de informar. Em alguns momentos de sua história, o JB teve a coragem de enfrentar a ditadura militar, o que lhe custou uma forte queda no faturamento, já que as verbas do governo representavam uma boa fatia na receita. Receita alimentada pelo sucesso dos pequenos classificados do JB. Um produto imbatível, apesar da concorrência cobrar metade do preço e oferecer todo tipo de bonificação.

A mudança do Grupo JB, em 73/74, para o gigantesco prédio da Avenida Brasil 500 mudou radicalmente a vida da empresa e de seus funcionários. A começar pela localização, numa zona inóspita e em local de acesso complicado junto a um emaranhado de viadutos, onde o tráfego é o mais pesado da cidade. Apesar do conforto e dos espaços oferecidos internamente, ou talvez até por isso mesmo, a redação do JB perdeu todo charme da Avenida Rio Branco, o ponto mais nobre e central da cidade. Agora, as editorias eram grandes salas fechadas, sem comunicação umas com as outras. A fórmica branca predominava nas paredes, tornando o ambiente frio, sem calor humano. Houve quem comparasse as novas instalações a um hospital, tal o tamanho dos corredores sem fim e das salas que pareciam enfermarias.

Verdade ou não, o fato é que o velho JB começava realmente a adoecer. Perdeu o bonde da história ao devolver ao governo Geisel a concessão da TV e, mais tarde, já no governo Figueiredo, perdeu para a Manchete o canal carioca da falecida Tupi. Por razões mais políticas do que técnicas, o canal acabou sendo entregue à Manchete.

Enquanto isso, a concorrência entrava com tudo na nova mídia. Com a alavancagem da TV, sempre simpática e dependente do poder militar, o Globo, que era um vespertino sem maiores atrativos, começou uma fase de crescimento diretamente proporcional à queda do JB.

O resto da história, todo mundo sabe. O JB se afogou em dívidas impagáveis, boa parte delas na construção da Avenida Brasil. Transferiu o controle acionário a um milionário que não é do ramo. Hoje o JB, apesar do esforço de equipe atual, é uma caricatura do que foi nas décadas de 50, 60 e 70. Sem forças para competir, o jornal foi perdendo para o Globo as melhores cabeças pensantes do jornalismo. Pode-se dizer que a “intelligentsia” dos jornalistas cariocas está hoje a serviço do Globo.

Mas garanto que todos devem sentir saudade dos tempos gloriosos do velho Jornal do Brasil. E, como eu, devem estar penalizados com as imagens do outrora luxuoso prédio da Avenida Brasil, hoje abandonado e entregue a saqueadores que roubam para vender seus pedaços de ferro, madeira e alumínio. Pedaços da história inesquecível de um dos maiores jornais do Brasil. 

Direto da Redação

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