Ciclovia Tim Maia: Qual foi o problema? Uma hipótese.

Apesar da grita e das frequentes entrevistas com engenheiros que são colocados como experts no assunto, ao meu juízo estão todos que estão se manifestando falhando no diagnóstico que levou a tragédia na Ciclovia Tim Maia.

Tenho quase certeza que o acidente não foi causado por superfaturamento da obra, nem pelo uso de materiais inadequados na construção da ciclovia ou mesmo por erros de lançamento da estrutura. Foi pior do que isto, foi causado pela simples ignorância da Engenharia em geral sobre o assunto e na falta de um estudo mais elaborado durante o projeto da obra que devia ser dado mais tempo devido a singularidade da obra, assunto que começa a ficar corrente em obras de engenharia no Brasil.

Uma obra feita na beira do mar precisa ser analisada e acompanhada por uma especialidade em engenharia civil em Engenharia Costeira, e mais especificamente em estruturas hidráulicas em obras costeiras.

Se formos procurar especialistas na área Engenharia Costeira para estruturas offshore, (não confundir com paraísos fiscais) encontraremos excelentes engenheiros com nível internacional no assunto. Entretanto profissionais que trabalham e conhecem o que anteriormente foi denominado estruturas hidráulicas em obras costeiras, o número de profissionais é reduzidíssimo.

A dificuldade se encontrar profissionais tão especializados depreende na necessidade do profissional ter uma sólida formação referente à formação das ondas (comum para estruturas offshore), a deformação das ondas quando elas aproximam da costa (já menos comum), a deformação destas quando encontram paredes rígidas (ainda menos comum) e a interação fluido-estruturas quando as ondas se chocam com as superfícies rígidas (extremamente raro), podendo se contar nos dedos profissionais que conseguem trilhar por este caminho.

Chama a atenção que uma obra como a da ciclovia devido ao seu ineditismo deveria ser estudada com muito rigor como qualquer obra que se propõe a dar soluções inovadoras em engenharia. Qualquer obra que foge do corrente, como esta ciclovia a beira mar sujeita a ação das ondas, e outras que estão se construindo e ruindo no Brasil, precisariam períodos longos de estudo para uma rápida e segura construção.

O gestor público brasileiro prefere perder tempo na construção no projeto, ficando este último pressionado não só no custo quanto no tempo. Posso até dizer com certeza que no caso em questão NÃO HÁ SOLUÇÃO ANALÍTICA (equações simples, gráficos ou ábacos) ou mesmo soluções numéricas (modelos convencionais de turbulência ou inovações como modelos SPH) devido a características do escoamento.

Agora o que levou a inexistência de profissionais exatamente na área? Simplesmente pelo mesmo motivo da ausência de profissionais, a inexistência de obras nesta área por longo tempo.

A queda da passarela me parece que foi causada pelo simples empuxo criado pelas vagas desviadas pela parede (como um sea wall) que se chocava com esta no sentido de baixo para cima e a não quantificação correta deste empuxo perante uma estrutura mais leve de concreto protendido não induziu a introdução de estruturas de amarração.

Nas fotos que se vê (posso estar errado) não se visualiza nenhuma estrutura de amarração entre as lajes (ou vigas) tipo PI que compões a pista da ciclovia e os pilares que a sustentam, e pelas as fotos disponíveis do fabricante em seu site também não existiam estruturas de amarração entre os pilares e os blocos de fundação. Aparentemente as estruturas são meramente apoiadas contando com o peso do mesmo para se manter no local.

Outra peculiaridade é que estruturas de concreto protendido geralmente são armadas na direção do maior esforço, no caso o peso, e que pelo visto não tinham armadura suficiente para aguentar um esforço negativo causado pela onda.

Chama-se a atenção, que um engenheiro normal e com boa formação em engenharia civil, jamais ao olhar a localização da ciclovia, pensaria em dimensionar a estrutura para o esforço da onda no sentido de baixo para cima. Também não chamaria a atenção de um engenheiro normal que uma singularidade geometria da rocha exatamente no local em que rompeu a estrutura poderia amplificar as vagas que batiam sobre a rocha, conforme se vê em diversos vídeos na Internet.

Para dar um exemplo da dificuldade de um engenheiro normal ter esta visão, chamo a atenção que a tradicional obra do Engº Jayme Mason, Obras Portuárias, em nenhuma de suas 282 páginas há uma referência ao esforço vertical de baixo para cima como fator de dimensionamento de obras portuárias. Também há um trabalho mais recente (2015) em que são comparadas as normas brasileiras e algumas estrangeiras para estruturas portuárias, em nenhuma delas se leva em conta este efeito.

Obras como estas deviam o contratante obrigar a existência de profissionais com larga experiência no ramo para servir de consultor desde a concepção, passando pelo projeto e implantação.

Se as minhas hipóteses estiverem corretas, o custo e o prazo da obra não seriam acrescidos praticamente em nada, havendo um maior tempo de estudo para o projeto pois com uma mera ancoragem da laje PI ao pilar e deste a fundação, verificada a resistência da laje PI a esforços negativos, não produziria o desastre que ocorreu, e todas estas providências não encareceriam em nada a obra.

Redação

10 Comentários

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  1. Se não há profissionais nessa área hoje em dia:

    Imagina em 1920? No entanto, O viaduro Rei Alberto, que o carioca chama de  Gruta da Imprensa, está lá há quase um século segurando ressacas muito mais violentas do que esta última.

    No Rio, os engenheiros cariocas chamam isso de “obra de português”, feita na base da ignorância: o cara não sabe calcular de modo preciso, então tasca um coeficiente de cagaço exagerado no projeto; o segundo cara que vai executar também não sabe conferir os cálculos e, pra garantir o dele fora da reta, ele dobra o coeficiente do projeto original, foda-se o gasto de material.

    Mas, se você reparar na obra, não se faz mais “portugas” como em 1920, a foto abaixo mostra que os verdadeiros “portugas” são os que fizeram a cagada da ciclovia. Não viram a esperteza dos “patrícios” de 1920.

    Percebeu a cagada?

    1. Não é um problema de coeficiente de segurança, é um problema …

      Não é um problema de coeficiente de segurança coisa nenhuma, é um problema de concepção e método construtivo!

      A obra construída em 1920, um viaduto em arcos construído em alvenaria de pedra, por características intrínsecas do material empregado e método construtivo resulta numa estrutura extremamente pesada, logo qualquer onda que bate do sentido de arrancamento da estrutura com empuxo de baixo para cima, encontra uma altíssima resistência dada pelo peso que certamente ultrapassa no mínimo umas cinquenta vezes a resistência de uma obra em concreto armado e umas cem vezes uma obra em concreto protendido. Se por exemplo a obra fosse feita de concreto armado comum, provavelmente também não ruiria, pois os vãos seriam menores e o peso muito maior.

      Apesar de uma estrutura em pedra ou mesmo em concreto armado ser mais pesada, estas excederiam em outros problemas a solução empregada, pois teriam problemas construtivos extremamente mais complexos, e não só isto, o impacto ambiental de qualquer solução mais conservadora seria muitas vezes maior, se em pedra seria centenas de vezes, se em concreto armado dezenas de vezes. Soluções mais conservadoras teriam mais material, mais energia despendida na construção, maior impacto visual e outros problemas.

      Além disto qualquer estrutura mais pesada teria uma construção mais demorada e por consequência maior tempo de permanência do pessoal da obra em zona de risco. Sem medo de errar, se fosse adotada uma solução em alvenaria de pedra (uma hipótese absurda nos dias de hoje) provavelmente o número de acidentes letais do pessoal da obra seria de ordem superior ao ocorrido no desastre, e no caso de uma estrutura de concreto convencional, provavelmente da mesma ordem.

      O problema foi na concepção do projeto, que para os engenheiros de obra pronta (e acidente ocorrido) fica fácil verificar os erros, porém no momento do projeto não é tão evidente assim. Só para exemplificar, durante a construção e o período de utilização antes do acidente, deve ter passado por ela alguns milhares de engenheiros e nenhum deles pensou que poderia ocorrer este acidente!

      Fazer o diagnóstico a partir do acidente é simples (apesar de ter escutado e lido muita bobagem de engenheiros que aparecem em vídeos ou reportagens), que se precipitam a dar informações errôneas.

      Vou dar um outro exemplo da influência de tecnologias mais avançadas em obras bem simples. Hoje em dia na região sul, onde ocorre sistematicamente tornados, estes estão em evidência nas páginas de jornais nos dias atuais, e nem eram citados há mais de sessenta anos, simplesmente porque na época as construções eram do tipo colonial português, com paredes grossas, janelas pequenas, telhados pesados de telhas de barro portuguesa e madeirame roliço de madeira de lei. Hoje em dia com paredes de tijolo furado, amplas aberturas, e telhados extremamente mais leves (telhas de fibro cimento) qualquer tornado que passa carrega tudo.

      1. Não defendo uso de alvenaria de pedra nos dias atuais.

        Falei que os engenheiros em 1920 viram qual era o problema do local, que os engenheiros da ciclovia negligenciaram e, pior, não viram o que construção ali existente agravava o risco da passagem de uma estrutura leve e sem amarração naquele ponto. A razão da existência do viaduto se deve ao fato de que o declive do costão ali é menor, por isso as ondas avançam em maior velocidade e alcançam maior afastamento da beirada do costão.

        Para proteger a estrutura de sucessivos golpes das ondas, o que em logo prazo levaria a fadiga da estrutura e comprometer sua segurança, os engenheiros do viaduto conceberam duas plataformas de contenção para absorver a energia cinéticas das ondas e impulsioná-las para o alto, antes de chegar na base do viaduto.

        Se as ondas atingissem em cheio a base dos pilares e quebrassem com sua máxima força embaixo dos arcos, haveria sobre estes últimos sucessivas ondas de pressão de baixo para cima, o que acabaria por desmontá-los. Pois não é que os “engenheiros” da ciclovia resolveram passar pelo local, uma estrutura leve e sem amarrações, no ponto em que o jato vertical resultante do choque das ondas alcança sua máxima amplitude.

        Aquelas plataformas tiveram funções secundárias de servir de local para pic-nics, pesca recreativa e ponto de contemplação da orla, mas estavam ali primordialmente para segurança do obra, o pessoal da ciclovia entendeu que aquilo era peça decorativa. Repara nesta foto, onde existe vegetação significa que ali ondas não chegam.

        1. O que aumenta as ondas não é a estrutura construída.

          O que aumenta as ondas não é a estrutura construída, mas sim a descontinuidade no paredão de rocha (que acho ser natural)  que faz com que as ondas fiquem concentradas.

          Não acredito que na época os engenheiros tenham considerado também o efeito da onda sobre a estrutura, pois fadiga não é algo para ser considerado numa estrutura deste tipo. Fadiga é típico de estruturas metálicas sujeitas a um movimento constante por muito tempo de forma a transferir energia a estrutura.

          A diferença de 1920 para 2016 é que naquela época o projeto era muito mais pensado e se observava mais a natureza, hoje em dia fazem projetos sem mesmo visitar o local.

          Agora a engenharia de 1920 do Rio de Janeiro era muito boa, não esqueça que no Rio tem a segunda ou terceira Escola de Engenharia (1729)  mais antiga do mundo, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho que se dedicava a principalmente obras de Engenharia junto a costa, era um curso de seis anos com as seguintes discilplinas Arquitetura Civil, Materiais de Construção, Caminhos e Calçadas, Hidráulica, Pontes, Canais, Diques e Comportas, ou seja a metade do curso era em disciplinas voltadas para construções do tipo que foi construída em 1920.

          1. Acertou sobre falta de visita ao local.

            Prática muito comum na “engenharia” de escritórios e autocads dos dias atuais. A Avenida Niemeyer tem um histórico de fechamentos de trânsito devido a ressacas, os pontos críticos são conhecidos e deveriam ter sido levantados.

            A declividade menor do costão naquele ponto faz a onda avançar mais na encosta, isto fica claro na terceira foto do primeiro comentário que fiz acima. Os engenheiros do viaduto, que naquele tempo iam ao terreno, entrevistavam os caiçaras que frequentavam o pedaço e etc e tal, viram o problema e bolaram uma solução arquitetônica para contorná-lo.

            Quando falo em “fadiga da estrutura”, não me refiro ao mesmo fenômeno provocado nos metais, e sim daquele princípio enunciado pelo ditado popular: água mole em pedra dura… Os choques sucessivos e a turbulência das ondas sobre a alvenaria de pedras também causam, um tipo de fadiga dessas estruturas, elas enfraquecem seus encaixes e provocam seu desabamento.

            A engenharia carioca naquele tempo era boa nesses projetos, herdaram a arte dos portugueses. Eles tinham muitos exemplos práticos dos efeitos das ondas sobre alvenaria de pedras. Veja algumas fotos:

            Ressaca na praia do Flamengo. Pedras pesadíssimas foram arrancadas do cais.

            Ressaca nas praias do Leme e Copacabana, nos anos 1920. Por mais de uma vez o cais de pedras foi demolhido pelas ondas em vários trechos.

             

  2. Só fazendo umas pequenas correções.

    Almeida, o termo fadiga não é utilizado no sentido que falas, logo fiz uma pequena correção.

    Quanto as fotos, posso dizer com certeza que as pedras que aparecem nas três primeiras fotos, não foram colocadas onde estão pela força das ondas, se tivesse ocorrido ondas com capacidade de transportá-las da beira do mar até esta posição, certamente as casas que aparecem ao fundo já estariam demolidas. Suponho que a origem da posição destas pedras é antrópica, já as outras fotos mostram o processo de erosão por solapamento da base em que estavam as defensas. Podes ver na segunda foto de baixo para cima que as ondas solaparam a base mas não transportaram a escada que simplesmente caiu e ficou no mesmo local.

     

    1. Realmente eu me expressei mal com o termo fadiga.

      Materiais com características de cerâmica não exibem fadiga, eles trincam, exibem pequenas fissuras quando submetidos a sucessivos impactos.

      A foto abaixo mostra a mesma ressaca de 1913 na praia do Flamengo, vista do mar.

      Quando a onda se choca no cais, a coluna de água que se projeta para cima causa uma sucção bastante forte, o suficiente para arrastar e elevar pesadas pedras. Quando a coluna de água desce, grande volume da onda retorna para o mar, que se choca às vezes com a onda a seguir, causando o que os praieiros chamam de chicote, e diminui a energia desta última. A parcela da onda que cai no passeio do cais e escoa até às casas já não tem mais o volume e a energia da onda original, por isso as casas sobreviveram. Uma das funções do cais é exatamente esta, retirar a energia das grandes ondas, para estas não causarem estragos nas pistas e edificações adjacentes ao mar.

      Vou localizar um vídeo com uma filmagem de uma resaca destruindo um cais. Depois eu posto.

  3. Um vídeo com o instante da queda da ciclovia.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=V9aC4Hwbu8Y%5D

    A onda bate nos obstáculos em frente ao viaduto, projeta-se com um jato de água para cima e vai atingir a ciclovia uns dez metros acima. No instante em que a coluna de água bate na ciclovia, boa parte da energia cinética da onda já estava consumida pela gravidade, mas mesmo assim ela tinha força suficiente para arremessar a estrutura “leve” (estimo que o trecho deslocado deve pesar cerca de dez toneladas), para fora das colunas de sustentação.

    1. Pela altura que chega o jato de água é possível determinar a …

      Se há uma forma de determinar a altura que chega a onda, pode-se de forma aproximada, com erro menor do que 50% determinar a carga estática que pode ter gerado na mesa da ciclovia, se foi dez metros é uma carga considerável.

      Se tivesse mais dados da mesa da ciclovia e largura do trecho poderia calcular o impacto em relação ao peso da estrutura.

  4. Essa última ressaca da orla carioca não foi das mais fortes.

    Localizei os vídeos com a ressaca de maio de 2011, que fez bastantes estragos.

    Ressaca na praia das Flechas, no bairro do Ingá, em Niterói. É uma praia situada dentro da Baía da Guanabara, que normalmente é de águas mais tranquilas.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=CcnR-GNS_24%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=a13H8kD8t7k%5D

    Foto da destruição

    Foto da praia em dia normal

    Na saída da Baía da Guanabara o mar estava assim

    Fortaleza de Santa Cruz – Navio balançando

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=KXQ8XPa9EZI%5D

    Surf na ressaca com ondas gigantes de 10 metros na baia de Guanabara no Rio

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=yaA_w-zCdYA%5D

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