Criar um Tribunal para julgar os crimes que estão sendo cometidos no Brasil, por Luccas Eduardo Maldonado

Por isso, faço uma proposta para todos os setores da sociedade que se indignam com o que então se desdobra: deve ser organizado um Tribunal para se julgar os crimes que estão sendo cometidos pela presidência da República e por seus aliados.

Enviado por Roberto Bitencourt da Silva

Criar um Tribunal para julgar os crimes que estão sendo cometidos no Brasil

por Luccas Eduardo Maldonado

Nas últimas semanas, diversos intelectuais lançaram escritos debatendo consequências econômico-sociais da covid-19. David Harvey, Boaventura dos Santos, Pierre Dardot, Christian Laval, Bruno Latour, Judith Butler, Han Byung-chul e muitos outros de distintas linhagens políticas e teóricas usaram suas canetas para fazer prognósticos de como estamos sendo afetados e como ainda seremos por essa nova situação. Esses movimentos são fundamentais e devem continuar a ser construídos, no entanto se mostra preciso ir além do plano interpretativo para se adentrar também no plano programático no caso da crise brasileira. Por isso, faço uma proposta para todos os setores da sociedade que se indignam com o que então se desdobra: deve ser organizado um Tribunal para se julgar os crimes que estão sendo cometidos pela presidência da República e por seus aliados.

Existe uma profunda dimensão trágica em tudo que se processa. As mais de 17 mil mortes, no momento da redação desse texto, não permitem outra consideração. Essa tragédia não pode passar simplesmente como números ou como motor de nosso pessimismo. Necessário é ir mais longe, devemos acusar quem nos fere. Agir a maneira de Antígona que não se dobrou diante de Creonte, exigindo o direito de enterrar os seus mortos. A particularidade do tempo presente nos coloca em um enredo de tragédia: é-nos negado o direito de luto, oferecendo-nos apenas cifras.

Esse texto lança uma proposta, um programa para ser feito a partir de agora. O mundo vive uma catástrofe que será repetidamente rememorada no futuro. Não há de se esperar muito para filmes, livros e músicas serem lançados explorando esse tempo. Todavia, não podemos oferecer tempo ao tempo. Existe um profundo dever ético posto devido a conduta do presidente e de seus aliados. Uma política irresponsável está em voga, enquanto vidas são cobradas dia após dia. Mostra-se imprescindível demarcar a grande omissão no âmbito da política econômica, social e sanitária que está sendo feita. Todavia, é preciso ultrapassar a acusação generalista, designando para cada um as suas devidas culpas. Cada declaração contra a vida por parte do presidente e de seus aliados requer um parecer com substantivos próprios devidamente adjetivados. Fazer a maneira de Dante que demonstrou a organização dos níveis do inferno, indicando as transgressões e as penas a partir da estratigrafia. Por nos seus devidos lugares os atuais simoníacos, homicidas, iracundos e ignavos.

Tais considerações não devem permanecer no nível das consignas, das palavras-de-ordem, dos vídeos de YouTube. Isso está longe do suficiente, outras responsabilidades estão nos sendo cobradas. Precisamos construir um Tribunal para investigar essas inúmeras violações, reunindo provas e identificando clara e individualmente os seus responsáveis. Produzir uma sistematização precisa de todo o absurdo vigente. A história certamente fará sua cobrança nos seus anais mais tarde, todavia é preciso demarcar no tempo presente que todos esses abusos – toda a hipocrisia, todas as ações golpistas, todo o fratricídio, toda essa irresponsabilidade – já são considerados como intoleráveis. Os irresponsáveis de hoje, não devem ser julgados a maneira de Erostrato, merecem o devido juízo a partir de agora e para sempre.

Construir um Tribunal, com o nome de Aldir Blanc e de outras vítimas da covid-19, sem ligações com o Executivo, Judiciário e Legislativo. Não pode estar conectado com universidades públicas ou outros órgãos dessa esfera. Coloca-se como estratégico fazê-lo fora do Estado para se resguardar dos ataques que virão, sendo, portanto, responsabilidade de uma ou mais instituições da Sociedade Civil. Dessa forma, terá um caráter e um resultado simbólico, no entanto seu documento final não visará se constituir exclusivamente como símbolo de resistência. Deverá ser elaborado tendo como fim também a mobilização de subsídios para julgamentos em Tribunais Internacionais. Se está sendo realizado um genocídio no Brasil, ajudemos a comprová-lo nas instâncias multilaterais, buscando consequências desse nível.

Uma equipe de distintas formações técnicas precisa ser formada com diversos intelectuais para tal fim. Reunir uma equipe ampla, não se restringindo à determinadas linhagens políticas ou vaidades pessoais. Um grande e supra objetivo deve mobilizar a empresa: 1) reunir material sobre os eventos em desdobramentos como relatos, documentos oficiais etc.; 2) organizá-los quantitativamente e qualitativamente em dossiês temáticos; 3) e redigir um parecer final estabelecendo precisamente quais crimes foram cometidos por quais indivíduos, tendo a documentação comprovatória claramente indicada. Os resultados da iniciativa devem ser amplamente divulgados ao redor do globo, sendo entregues aos secretários dos tribunais internacionais. Obviamente que os avanços técnicos existentes permitem que todo o processo seja realizado de maneira online.

Há momentos históricos em que o tempo acelera decisivamente. O hoje do Brasil é o exemplo dessa condição. Há muito um desafio e uma responsabilidade tão grandes não nos eram lançados, talvez os maiores de nossa história, por isso a passividade da espera necessita ser quebrada. Um novo Brasil: Nunca Mais precisa ser preparado demonstrando e comprovando os abusos do tempo presente. Se não temos o poder da mudança nas mãos, temos ao menos a responsabilidade da denúncia. Falemos abertamente: “Eu acuso a injustiça, a intolerância, a irresponsabilidade dos poderosos”. Criemos uma forma de organização que não se fixe exclusivamente em programas e manifestos. Precisamos ter consciência de que cada passo do movimento real é mais importante do que uma dúzia de declarações nesse momento histórico, ou seja, que todas nossas declarações individuais pulverizadas nas redes não são suficientes. Uma ação coordenada, feita a partir da articulação de diversos indivíduos e organizações da Sociedade Civil, deve ser preparada e materializada em uma prática para assim enterrarmos devidamente nossos mortos.

Luccas Eduardo Maldonado – mestrando em História (USP).

Redação

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