Democracia americana: modelo para quem? por Roberto Bitencourt da Silva

Onda de manifestações verbaliza a indignação e a revolta com mais um caso degradante que expõe o racismo estrutural do país

Foto: Reprodução

Democracia americana: modelo para quem?

Por Roberto Bitencourt da Silva

Após o brutal e covarde assassinato de George Floyd, um cidadão negro que trabalhava como segurança, uma onda de protestos tem se expandido nos Estados Unidos, a partir do local da triste e deplorável ocorrência, Minneapolis. As manifestações verbalizam a indignação e a revolta com mais um caso degradante que expõe o racismo estrutural do país.

O presidente estadunidense Donald Trump acusou os manifestantes de serem formados por uma “ralé de criminosos”. Ele propôs “mão pesada” na repressão e disponibilizou o exército para o estado de Minnessota. O governador desse estado alega que os manifestantes “atacam a sociedade civil”, visando “instigar o medo e perturbar as nossas grandes cidades”.

Trata-se de mais um ato de sádica violência policial, que retirou, sem mais, a vida de uma pessoa negra. Em que pese a perversidade da ação e a legítima expressão coletiva de revolta, as categorias de classificação utilizadas para interpretar a revolta popular, no mainstream midiático, não se distanciam do discurso das autoridades e nem surpreendem: violência, vandalismo, caos.

Os EUA representam o grande modelo de democracia reverenciado pelas elites financeiras, pelas instituições da mídia internacional massiva e comercial e em boa parte dos organismos supranacionais. Isso principalmente desde o fim da Guerra Fria. O país tem assumido a condição de régua para medir mundialmente os “compromissos democráticos” das Nações. Incontestavelmente, o cinismo e a hipocrisia são artifícios do poder.

O racismo doméstico, a perseguição, a discriminação, os assassinatos, senão mesmo a dizimação de indígenas e dos negros – nas décadas mais recentes, envolvendo também os migrantes oriundos da nossa América Latina –, toda essa gama de práticas que representam a existência de um Estado racializado, é moeda corrente na sociedade e na democracia norte-americana.

Não é gratuito que esse sistema caracterizado por iniciativas típicas de um colonialismo interno tenha agradado ao nazismo alemão e ao próprio Hitler. A desumanização dos “bárbaros” indígenas e dos negros “inferiores”, o primado da “supremacia branca”, norteiam a estrutura da sociedade e do Estado norte-americano. Foi uma poderosa fonte de inspiração para o nazismo, como chama oportunamente a atenção o filósofo italiano Domenico Losurdo (“Guerra e revolução”, editora Boitempo, 2017).

Ho Chi Minh, jovenzinho, nos anos 1910, morou em Boston e no Harlem. Muito tempo depois, ele veio a se tornar o célebre revolucionário anti-imperialista e comunista do Vietnã. O jovem Ho Chi Minh ficou horrorizado com cenas públicas de linchamento de negros, praticado pela Ku Klux Klan. A respeito, ele indagava, com muito senso de pertinência: “É isto a civilização?” (Ho Chi Minh, “Escritos”, v.1, editora Nova Cultura). Podemos novamente perguntar?

Não é em vão que, ainda hoje, os Estados Unidos persistam como a principal referência e consistam em um verdadeiro modelo de sociedade para todo o reacionário e fascistóide, nos países do centro e da periferia do capitalismo.

Todos os líderes, partidos e demais agrupamentos políticos que almejam impor duras medidas de desigualdades sociais e de espoliação sobre os trabalhadores – senão sobre toda a classe trabalhadora, incidindo ao menos sobre alguns dos seus segmentos a serem vulnerabilizados –, não raro são sujeitos individuais e coletivos que buscam mobilizar os instrumentos tipicamente adotados pela política estadunidense de racialização do exercício do poder. Discriminar, segregar e desumanizar, são as palavras de ordem. Desapossar de quaisquer recursos ou direitos de cidadania é a meta, para melhor e mais intensamente explorar o trabalho.

A reação popular em Minneapolis e em outras tantas localidades no gigante do Norte é completamente compreensível. Por razões outras, mas que também tangenciam o estrutural racismo de cor e classe nos EUA, não é exagerado afirmar que o Povo Brasileiro, em breve, talvez se veja forçado a tomar às ruas, mesmo em meio à pandemia.

Os inimigos do Povo, da Pátria, portadores de mentalidade policialesca e autoritária, entreguistas avassalados aos interesses do grande capital doméstico e internacional e ao imperialismo norte-americano, eles não dão paz. Não oferecem nenhuma trégua à ampla maioria da nossa gente. Uma despudorada, antinacional e sádica guerra de classes é levada a cabo sem freio. Recuperando a remota, mas atualíssima indagação de Ho Chi Minh: “É isto a civilização?”.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Redação

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