Para o Flamengo, todo castigo é pouco!

Para o Flamengo, todo castigo é pouco!

Por Roberto Bitencourt da Silva

No estágio inicial da pandemia do Covid-19 a diretoria do Clube de Regatas do Flamengo agiu de uma maneira desavergonhadamente nociva ao interesse público. Converteu o time de maior torcida do País em um lastimável instrumento político das ações genocidas e das táticas negacionistas do presidente lesa pátria Jair Bolsonaro.

O clube chegou a desrespeitar determinações da prefeitura do Rio, relativas à quarentena, realizando treinos na contramão dos cuidados sanitários que se procurava, ainda que de modo muito tímido, limitado e fragmentário, adotar na cidade.

De forma nauseante, a diretoria do Flamengo pressionou e constrangeu clubes de futebol adversários no Rio de Janeiro, visando a retomada do campeonato estadual. Isso em meio ao então assustador e crescente número de mortes na cidade e no estado. 

Com efeito, a diretoria participou direta e decisivamente da projeção de imagens e da circulação de crenças, atitudes e ideias que naturalizam o cruel estado de coisas imperante na cidade, no estado e no País. Representantes do clube encontravam-se com autoridades, como Bolsonaro, interagindo com o genocida e pressionando de modo a buscar o restabelecimento das atividades do futebol, custasse o que custasse.

O Flamengo começou a treinar antes de todas as demais equipes. Agiu para obter o retorno açodado do campeonato carioca. Com isso, ajudou a difundir as noções de inevitabilidade da ampla mortandade e de descartabilidade das vidas de grossa parte dos brasileiros, sobretudo os trabalhadores mais humildes, espoliados e marginalizados, mergulhados no subemprego e desemprego crônicos. Colaborou na criação e prevalência de uma visão fatalista.

Alguns podem alegar: o que é isso? Você está exagerando, cara! É só futebol, um treininho, um joguinho! Qual o problema? Quem eventualmente assim venha a indagar tende a desconsiderar a força do futebol enquanto vetor da cultura e da identidade nacional.

O futebol possui um extraordinário peso no cotidiano do brasileiro. Detém enorme força de incidência na moldagem dos comportamentos, nas categorias de percepção sobre a realidade. Influi na composição de aspectos da moralidade do dia a dia. É um espelho para as atitudes e as expectativas das pessoas, sobretudo entre os mais jovens.

O Flamengo, como time mais popular da cidade, do estado e do País, inegavelmente, tem uma visibilidade excepcional. É um catalisador de esperanças e demais sentimentos. Um galvanizador de identidades e vontades. O que o clube faz, dentro e fora de campo, influi. Tem importância para a coletividade. Conta muito.

Isso posto, considerando os péssimos jogos que têm demonstrado em campo, levando em conta especialmente a derrota de 5×0 para o Independiente del Valle, na Libertadores, “cincum” no sotaque do saudoso treinador Jorge Jesus, é forçosa a pergunta: foi para isso que maculou – irreversivelmente – a imagem do clube? Foi para passar uma vergonha esportiva inaudita que estreitou relações com autoridades políticas antipopulares, socialmente irresponsáveis e economicamente submissas aos EUA, entreguistas?

Em função da horrorosa derrota sofrida na quinta-feira, o Flamengo não pode sequer alegar falta de treino e jogo. Nenhum rival do time, seja no estado, no país ou no conjunto do subcontinente sul-americano, tem tantos jogos e, principalmente, treinos como o Flamengo. Para o clube, quarentena e distanciamento social praticamente não existiram.

Isso porque o clube carioca participou, inegável e precisamente, da estratégia genocida do governo federal, contribuindo bastante para criar ares de “normalidade” na cidade, no estado e no País. Na marra retomou, há muito, os seus treinos, forçando a barra para a autorização de jogos. Para o mês que vem, já conseguiu a autorização da prefeitura para receber público no Maracanã. Incrível! Inominável. O clube aliou-se e é um dos artífices da promoção da barbárie. Vergonhoso!

Seja por razões esportivas, seja por motivos políticos, sanitários e cívico-sociais, todo castigo  para o Flamengo é pouco. Os seus exemplos, principalmente fora das quatro linhas, têm sido os piores possíveis.

A imagem construída, ou melhor, destruída…, se não muito clara em nossos dias, estará em futuro próximo terrivelmente delineada em associação com um sujeito político suscetível a julgamento no Tribunal de Haia, por crimes contra a Humanidade: respaldo à devastação ambiental e à dizimação das comunidades indígenas; estímulos despudorados ao incremento de mortos por Covid-19. De sorte que, para o Flamengo, 5×0 foi muito pouco. Convenhamos.

Uma nota estatística: enquanto o Flamengo age como se não houvesse pandemia, não houvesse a necessidade de assegurar atitudes, regras e sanções coletivas que viabilizem a atenuação do contágio do Covid-19 e garantam a imprescindível proteção das vidas, vale comparar os últimos números oficiais relacionados às mortes decorrentes da pandemia:

Brasil (aproximadamente 210 milhões de habitantes): 135.793 vítimas fatais do Covid-19.

Rio de Janeiro (população do estado com mais ou menos 17 milhões): 17.575 mortes.

Argentina (algo em torno de 45 milhões de habitantes): 12.460 mortes.

Venezuela (aproximadamente 29 milhões de habitantes): 520 mortes.

Cuba (população com mais ou menos 12 milhões): 111 mortes.

China (com cerca de 1,5 bilhão de habitantes): 4.634 mortes.

Alemanha (população com cerca de 83 milhões): 9.464 mortes.

sob qualquer prisma, o que experimentamos no Brasil e no estado do Rio é uma tragédia. Em parte desprezada. Indireta e lamentavelmente, em parte incentivada pelo Flamengo.

Um pitaco futebolístico: o técnico Domènec Torrent é muitíssimo fraco. Está demonstrando a péssima capacidade de alcançar a destruição – destruição! – do espetáculo de jogo montado pelo Jorge Jesus, um espetáculo que encantou a torcida rubro-negra e foi saudado e admirado por todos os apreciadores do futebol no Brasil. Impressiona tal “competência” do Dome…

SRN.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Redação

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