Retratos do Brasil

Carta de 2 de janeiro de 1939, do encarregado de negócios da Alemanha no Brasil, Von Levetzow a Bismarck, sobre a diplomacia brasileira (do livro “O Brasil vai à guerra”, de Ricardo Steinfus)

Devo antes de tudo tornar claro que o Brasil e o governo brasileiro não podem ser avaliados segundo as normas que se aplicam aos Estados e aos governos europeus, É certo que, de um lado, a intriga e, de outro, a amizade, desempenham aqui um papel muito maior do que na Europa. Todo brasileiro, como de resto todo estrangeiro, que deseja sucesso nos negócios no Brasil procura fazer amigos para que estes sirvam a seus interesses. Quem não tem amigos perde sua influência e não consegue nada. Um ministro brasileiro estará, por exemplo, inclinado a satisfazer um diplomata estrangeiro que lhe agrada, mesmo que agindo assim ele não esteja servindo aos interesses do seu país. Contudo, de outro lado, será indiferente para ele negligenciar os interesses políticos de seu país ou os interesses econômicos de certos meios comerciais brasileiros, se com isso ele paralisa os esforços de um diplomata de quem ele não gosta. Posso perfeitamente imaginar, por exemplo, que em nosso caso ministros brasileiros criem, de vários modos, obstáculos para a exportação do algodão para a Alemanha, mesmo com o risco de prejudicar os interesses dos produtores brasileiros, a partir do momento em que se trata de causar dissabores a uma missão diplomática ou a um governo alemão que não lhes agrada. Compreendendo essa situação, esforcei-me para criar com o Ministério das Relações Exteriores um ambiente que torne possível a discussão mesmo de questões desagradáveis.

Luis Nassif

24 Comentários

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  1. Caro Nassif:

    Existe um texto
    Caro Nassif:

    Existe um texto excelente sobre geopolítica que vale a pena você divulgar para seus leitores. Trata da China, Índia, Brasil e África do Sul e foi escrito por um brasileiro que parece conhecer muito bem esses países, as análises são muito pertinentes e conferem com a realidade observada por quem já os visitou. O nome do autor é José Luis Fiori e o link é http://www.desempregozero.org.br/artigos/nova_geopolitica.php

    Trecho:

    “China, Índia, Brasil e África do Sul compartem sociedades com altos níveis de desigualdade na distribuição da renda, da riqueza e do acesso aos direitos sociais básicos. Com graves problemas urbanos, de infra-estrutura, favelização e miséria, e com regiões rurais de baixa produtividade, e com grandes contingentes de população sem atendimento de suas necessidades básicas de saneamento, energia e alimentação. Mas, apesar da luta comum dos países mais pobres, por uma melhor redistribuição do poder e da riqueza mundial, e apesar do apoio dos organismos internacionais e da ajuda solidária eventual das Grandes Potências e dos organismos não governamentais, a resposta ao desafio da probreza e da desigualdade, segue sendo uma responsabilidade de cada um dos estados nacionais onde os ‘pobres do mundo estão ‘estocados’, e onde se geram e acumulam os recursos capazes de alterar a distribuição do poder e da riqueza entre os grupos sociais’. Neste sentido, o primeiro ponto da agenda social comum da China, Índia, Brasil e África do Sul é a multiplicação dos empregos e da renda da população, e isto é rigorosamente inviável sem um crescimento econômico acelerado, no caso destes quatro países. Só com a expansão do investimento público e privado, será possível aumentar as taxas de crescimento econômico, e só com altas taxas de crescimento é possível um controle social e uma política ousada de bloqueio do processo de polarização da riqueza, que acompanha, inevitavelmente, o desenvolvimento capitalista, quando fica entregue às suas forças de mercado. Neste sentido, além do investimento público, são indispensáveis políticas ativas de redistribuição da riqueza, através dos salários, mas, sobretudo, através do fornecimento barato de alimentos de consumo popular, e da oferta de equipamentos e serviços públicos universais de saúde pública, educação, saneamento, energia, transportes e comunicação. A única forma de superar as políticas assistenciais de tipo transitório, transformando a distribuição e a inclusão sociais numa conquista permanente e estrutural das sociedades civis.”

  2. Lendo este texto cada vez
    Lendo este texto cada vez mais me convenço de que a história humana é uma sucessão de repetições. Aliás já ouvi isto em algum lugar!

  3. NASSIF

    Os interesses do
    NASSIF

    Os interesses do nosso povo, nada valem, para a quase totalidade da classe política brasileira, cujo ego é inflado, como o do sapo que queria virar touro.
    O achego a essa ou àquela nação, não está correlacionado aos interesses do país representado, na maioria das vezes, mas sim com a maneira de certos ministros mostrarem a influência de que são detentores em sua terra.
    Os tais senhores são capazes de criar teses estapafúrdias, para justificar seus pontos de vista, que podem ser derrubados com um único argumento: personalismo. O benefício em prol do país, nas negociações internacionais, não funciona como premissa maior para o exercício do cargo que ocupam. Agem, quase sempre, movidos pela vantagem pessoal, pelos agrados que lhes são feitos, de acordo com o que lhes convém, sem nenhum sentimento de zelo e empenho que venha a beneficiar seu povo.
    Não é necessário que os ministros brasileiros nutram simpatia por todos os governantes estrangeiros. Isso é natural. O que não se pode é misturar simpatia com política econômica, uma vez que a primeira é subjetiva, enquanto a segunda deve ser sempre clara e objetiva.
    Os exportadores nacionais devem ficam de olhos abertos, exigindo que os interesses da nação brasileira estejam acima do egocentrismo dos ministros que a representam. Devem colocar a boca no trombone, sempre que necessário, pois a omissão desses, dará ensejo ao oportunismo predatório daqueles.
    Os ministros são nossos empregados, têm a função de nos representar e zelar por nossos interesses. O não cumprimento de seus deveres deverá ser visto como um desserviço ao país.

  4. Caro Nassif:

    O fato é que os
    Caro Nassif:

    O fato é que os estratos superiores brasileiros não consideram seu povo como uma extensão de seu prestígio. Isso é evidente para qualquer estrangeiro vindo do norte da Europa ou dos EUA, e existem muitos que trabalham com esse distanciamento para oferecer uma rede de proteção político-financeira para quem se dispuser a seguir suas ordens. Como o cacife dos brasileiros é mínimo – afinal, não contam sequer com o apoio da população – é possível oferecer muito pouco para obter inúmeras concessões.

    O arranjo funciona bem desde que esses estratos superiores se confinem em Miami e não queiram ir muito além disso. Dificilmente alguém verá essas pessoas onde os verdadeiros donos do mundo se reúnem, seja em Martha’s Vineyard nos EUA ou em Cotswold no Reino Unido.

    Caso queiram se aventurar em ambientes assim, serão colocadas em situações constrangedoras, geralmente em público:

    – They are from the favelados’ nation.

    Sempre me lembro dessa frase e do olhar e riso de escárnio dos estrangeiros que a ouviram toda vez que chego em Guarulhos. Gostaria que os brasileiros (que se acham) poderosos se mancassem e vissem o papel ridículo que estão desempenhando.

    A vantagem de Miami é essa: lá os estratos superiores não estão submetidos a contrangimentos, a auto-crítica inexiste. A guerra do Iraque foi decidida num ambiente assim, com as conseqüências conhecidas.

    Falando em Iraque, o Estadão de hoje (08/02/07) publicou uma excelente reportagem sobre o conflito. Enquanto no projetobr oficiais de gabinete ficam discutindo a respeito de brinquedinhos de guerra e esquecem as condições de proteção das tropas nos campos de batalha, lá estão os resultados do uso de granadas propelidas por foguetes e de mísseis anti-aéreos em situação real de combate.

    Os oficiais de gabinete, como personagens dos estratos superiores, também estão influenciados pelo espírito de Miami. Como diria um oficial estadunidense, coronel Dan Smith ( http://www.counterpunch.org/smith02072007.html ):

    “The mismatch between the F-22 [the most expensive fighter aircraft ever built] and the Iraq War highlights a central problem for the U.S. military. Technological progress has not necessarily produced more efficient weapons. The destructive capabilities of these high-tech devices can often turn back upon themselves.”

    Sugiro uma entrevista com William S. Lind, um dos analistas que desenvolveu o conceito da guerra de quarta geração ( http://en.wikipedia.org/wiki/Fourth_generation_warfare ). O tema é indigesto, mas fica evidente que é necessária a solidariedade entre os diversos níveis hierárquicos (militares ou civis), para o maior prestígio e respeito dos comandantes frente a seus aliados e a seus inimigos, que devem temê-los.

    Trecho de um artigo escrito por ele ( http://antiwar.com/lind/index.php?articleid=1702 ):

    “In many ways, the 21st century will offer a war between the forces of [Forth Generation War (4GW)] and Brave New World [BNW]. The 4GW forces understand this, while the international elites that seek BNW do not. Another quote from the minutes:

    ‘Osama bin Ladin, though reportedly very wealthy, lives in a cave. Yes, it is for security but it is also leadership by example. It may make it harder to separate (physically or psychologically) the 4GW leaders from their troops. It also makes it harder to discredit those leaders with their followers… This contrasts dramatically with the BNW elites who are physically and psychologically separated (by a huge gap) from their followers (even the generals in most conventional armies are to a great extent separated fro their men)… The BNW elites are in many respects occupying the moral low ground but don’t know it.'”

  5. Nassif,
    Longe de ser um
    Nassif,
    Longe de ser um xenófobo ou neo-esquerdista, mas será que a noticia publicada hoje na Folha se enquadra no texto ou é apenas mais uma falta de visão do nosso Itamaratí, beirando a ingenuidade, ?
    Me permití copiar parte da noticia, se seu blog assim o permitir, e, à seu modo, acrescentar meus PONGS.
    A noticia integral, para assinantes, está no link:
    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0802200726.htm

    Brasil e EUA testarão projeto de etanol na América Central
    Programa piloto na região promoverá conversão do consumo de petróleo em álcool

    Plano foi fechado ontem em Brasília; objetivo é difundir o uso do etanol para criar mercados e transformar produto em commodity

    CLÁUDIA DIANNI
    DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

    Brasil e Estados Unidos vão escolher um país na América Central para desenvolver um projeto piloto de conversão do consumo de petróleo em etanol. O objetivo é difundir o uso do etanol para criar mercados e transformar o etanol em uma commodity.
    PONG: Será mesmo? Ou seria a criação de países concorrentes do Brasil na área de produção do etanol de cana-de açúcar de baixo custo, visando diversificar os produtores e facilitar a importação pelos Estados Unidos, a preços naturalmente mais atraentes, evitando que fiquem apenas na mão do único fornecedor, no caso o Brasil?

    “Há vários países da América Central que são importadores de petróleo, mas têm condições de produzir etanol localmente usando tecnologia brasileira e americana. Interessa aos dois países que o etanol se torne um produto mundial. Países mais pobres e em desenvolvimento seriam beneficiários de uma iniciativa de irmãos maiores”, disse o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, que também se reuniu com Burns ontem em Brasília.
    PONG: Brasileiro é tão bonzinho… Cria concorrentes para seu produto, abrindo mão de uma vantagem comercial para socorrer os irmãos mais pobres… E os Estados Unidos, espertos, dão sua mãozinha…

    Sem abrir o mercado norte-americano para as exportações brasileiras de etanol, os EUA querem se associar ao Brasil para explorar terceiros mercados. No Brasil o etanol é produzido a partir da cana-de-açúcar, com custo de produção cerca de 40% mais baixo do que nos EUA, onde o etanol é feito a partir do milho. Por isso, os americanos querem fazer negócios com o Brasil em outros mercados, não no americano.
    PONG: Americano é tão bonzinho… Como nessa área não têm como competir com o Brasil, sugerem uma associação dos dois países para explorar, oops!, ajudar, os países mais pobres, satélites dos Estados Unidos , dando a eles o controle do preço da commodity.

  6. Nassif, eu havia postado o
    Nassif, eu havia postado o comentário abaixo, citando Sérgio Buarque, mas não foi publicado. Como não sei se houve algum problema, segue novamente…

    …..De Sérgio Buarque de Holanda, em RAÍZES DO BRASIL (1936): “….O desconhecimento de qualquer forma de convívio que não seja ditada por uma ÉTICA DE FUNDO EMOTIVO representa um aspecto da vida brasileira que raros estrangeiros chegam a penetrar com facilidade. E é tão característica, entre nós, essa maneira de ser, que não desaparece sequer nos tipos de atividade que devem alimentar-se normalmente da concorrência. Um negociante de Filadélfia manifestou certa vez a André Siegfried seu espanto ao verificar que, no Brasil como na Argentina, para conquistar um freguês tinha necessidade de fazer dele um amigo”….

  7. Como disse o sincero
    Como disse o sincero governador Professor Lembo, temos uma elite perversa. Basta olhar dois aspectos: distribuição de renda e educação. E SP está atrás do Piauí, mas não perde a arrogância…

  8. Gostaria de ressaltar um dado
    Gostaria de ressaltar um dado obtido no própro texto. Von Levetzow era embaixador de um país sob o regime nazista. Ao afirmar que percebeu dificuldades de negócio devido à falta de simpatia, é bom levarmos em conta que, naquele período, muitos negociadores tiveram restrições ao comércio com a Alemanha. Por motivação própria e até por pressão de outras potências envolvidas no conflito com a Alemanha.
    A parte essa ressalva, o texto não incorre em erro ao ressaltar o peso das relações pessoais no Brasil.

  9. Este tipo de documento
    Este tipo de documento (cartas de estrangeiros) são boas fontes para ver o ‘olhar do outro”.

    Mas todo olhar é enviesado.

    É importante ter em mente que o ‘olhar do outro” não é “verdadeiro” por ser “de fora”.

    Pensar assim seria pensar ‘à maneira do colonizado’.

    Há pelo menos duas teses na carta do alemão:
    1) na Europa não há favorecimento por razões pessoais;
    2) no Brasil TUDO se regula pelas relações pessoais.

    As duas teses carecem de maiores comprovações e pecam por generalizar/universalizar comportamentos que podem muito bem ser episódicos.

    Nós, brasileiros, tendemos a crer que o “olhar do outro” é sempre bom e confiamos nele.
    Seria bom repensar esta atitude.

    Por exemplo, ao fim da carta o diplomata estrangeiro afirma que procurou criar um ambiente favorável ao debate franco entre a diplomacia germânica e a nacional.

    Bem, qual o diplomata que não procura isso?
    Qual o diplomata que não tenta criar um ambiente favorável aos interesses de sua Nação?
    E como fazer isso sem estabelecer boas relações pessoais?

    Pois a confiança vem daí, não apenas de um abstrato “interesse maior nacional” – afinal, nos anos 1930, qual era o interesse nacional, o Getulismo? O Tenentismo? O Liberalismo? O velho Encilhamento? O Cominismo?

    A própria definição de “interesse nacional” passa pelos interesses pessoais dos líderes, já que sua visão de mundo (de economia, de “planilha”, de desenvolvimento) passa por sua formação, história e vínculos políticos – ou não?

    Se analisarmos a “defesa dos interesses nacionais” de cada país veremos como este e os interesses pessoais dos grupos a que pertencem os líderes se confundem. Vide Bush, o setor de petróleo e energia e a diplomacia da guerra. Vide Chávez, seu amparo “nos de baixo” e a diplomacia verborrágica. Etc. etc. etc.

    Interesse pessoal; interesse nacional; diplomacia; preconcieto germânico contra latinos (desde Roma Antiga) são assuntos muito complexos para caber numa nota de um diplomata na Alemanha do Nacional Socialismo à beira da II Guerra – será que isso não afeta a nota? Será que isso não afeta o olhar de um diplomata alemão sobre “estrangeiros”? Como?

  10. Nassif, interessante
    Nassif, interessante coincidência. Leia a coluna de Contardo Calligaris, na Folha de hoje, onde ele descreve como a natureza humana bloqueia a possibilidade de se agir coletivamente para resolver o problema ambiental do planeta. No Brasil, se exacerba essa tendência de priorizar o indivíduo. Abraço.

  11. Raízes. Raízes do Brasil.
    Raízes. Raízes do Brasil. Está enraizado na nossa cultura. A questão é: devemos nos esforçar em arrancar, transformar, mudar nossos costumes, ou simplesmente constatar que esta “cordialidade” é nossa e ninguém tasca? Ok, como descendente de alemão sou suspeito, mas eu me esforço para trocar, sempre que possível, o “jeitinho” pelas regras. Na fila do banco, na “gorjeta”, nos quichês e em todos os lugares onde este nosso infame costume aparece. Não sei se estou sozinho, mas eu acredito que enquanto não mudarmos isso, e olha que vai exigir muito trabalho nosso, vamos continuar a marcar passo.

  12. Nassif, essa carta bate lá no
    Nassif, essa carta bate lá no fundo da alma da gente. Eu diria esta carta poderia ter o título: “Brasil, sua mais perfeita tradução”.

    Aproveito para perguntar, com que moral esses americanos vêm aqui reclamar de nossa pirataria? Roubaram nossa melhor idéia, a própria definição de nossa nacionalidade, deram um nome comercial (esse tal de networking) e saem vendendo mundo afora, fazendo a maior grana com isso. É demais.

  13. Então deve ser Otto Archibald
    Então deve ser Otto Archibald von Bismarck, ( príncipe de Bismarck) neto de Bismarck. Ele era diplomata.
    Outro neto de Bismarck pertenceu aos quadros do Partido nazista, este não era Príncipe e sim Conde

  14. retratos do Brasil (3)

    Todos
    retratos do Brasil (3)

    Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Como descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre marcados pelo exercício da brutalidade sobre aqueles homens, mulheres e crianças. Esta é a mais terrível de nossas heranças. Mas nossa crescente indignação contra esta herança maldita nos dará forças para, amanhã, conter os possessos e criar aqui, neste país, uma sociedade solidária.

    Retratos do Brasil (3)

    Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Como descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre marcados pelo exercício da brutalidade sobre aqueles homens, mulheres e crianças. Esta é a mais terrível de nossas heranças. Mas nossa crescente indignação contra esta herança maldita nos dará forças para, amanhã, conter os possessos e criar aqui, neste país, uma sociedade solidária.

    Retratos do Brasil (3)

    Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Como descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre marcados pelo exercício da brutalidade sobre aqueles homens, mulheres e crianças. Esta é a mais terrível de nossas heranças. Mas nossa crescente indignação contra esta herança maldita nos dará forças para, amanhã, conter os possessos e criar aqui, neste país, uma sociedade solidária.

    “O Povo Brasileiro”
    Darcy Ribeiro

  15. retratos do Brasil (2)

    Em
    retratos do Brasil (2)

    Em tais condições, jamais se poderia formar uma população agrícola rural, ativa, vigorosa, laboriosa, educada e fortalecida pelo trabalho, filiada ao solo, interessada na produção. 0 trabalho consumia, devorava o trabalhador, em vez de o educar. No entanto, é mister reconhecer: uma vez atirada para aí a colônia, foi-lhe imposto persistir nesse regime. 0 governo da metrópole exigia para si o preciso para alimentar-se e aluvião de parasitas – toda a nação; e, na colônia, a população parasita era também enorme. Na metrópole, nada se produzia; comprava-se tudo – com dinheiro da colônia. Na colônia, só havia a produção agrícola ou mineira, tudo mais devia ser comprado. Era do trabalho agrícola ou mineiro que viviam todas; e para que ele pudesse bastar a tantos parasitas, era preciso que o trabalhador produzisse como dez e consumisse como zero.

    América Latina: Males de Origem
    Manoel Bomfim
    1905

  16. retrtatos do Brasil
    [..] a
    retrtatos do Brasil
    [..] a escravidão produziu aqui males especiais. Estabelecidos em terras feracíssimas, ou em face da mina, e não tendo outro intuito que o lucro imediato, o colono encontrou na escravidão o processo sonhado: algumas centenas de escravos e um chicote para cada turma – eis tudo que lhe era preciso. Ele não tinha que apurar a inteligência, nem desenvolver atividade. Se os lucros não lhe pareciam bastantes, era só argumentar o número de escravos.

    Tiravam-se ao escravo quatorze, dezesseis horas de trabalho por dia; mas esse trabalho se fazia segundo processos tão grosseiros e primitivos que não produzia o que se poderia produzir em três ou quatro horas de trabalho inteligente. Que importava isto ao colono? Ele via as coisas em grosso; o provérbio português – antes pilado a pilão que comprado a tostão – era a sua divisa. O essencial era que a receita lhe viesse exonerada de qualquer despesa. Àquelas inteligências sumárias, este fato se afigurava como a garantia absoluta do bom negócio – tudo é lucro! Ideal!…

    [..] era o escravo quem fazia tudo – a moenda e senzala. Havia escravos carpinteiros, ferreiros, pedreiros, alfaiates, sapateiros… escravos tecendo, fiando, plantando; era o escravo quem construía o carro de bois, a o monjolo, o moinho, a canga, o selote, a cangalha, a peneira e o pilão do mineiro…

    Por isso, porque o senhor não sabia o preço do trabalho (fazendas havia onde nem se alimentavam os escravos: dava-se-lhes o sábado, para com o trabalho desse dia alimentarem- se e vestirem-se!), porque não se sabia o preço do trabalho, multiplicavam-se os serviços improdutivos; cada fazenda ou centro de mineração alimentava um exército de inúteis; cada senhor tinha um séquito de parasitas: uma banda de música, um capelão, uma dúzia de lacaios, um contingente de assassinos para vingar os seus ódios e o defender contra os seus iguais (era esta a única justiça). Em cada cozinha, havia uma dúzia de escravas doceiras, outras tantas assadeiras, queijeiras, biscoiteiras… em cada varanda viviam bandos de mucamas; e em redor da casa, ou mesmo sob o teto conjugal, um harém de mulatinhas – todas as crias púberes, cujas primícias pelos costumes da época pertenciam ao senhor.

    Só o escravo trabalhava, só ele era produtivo: “nenhum braço português tocava os engenhos, nas roças de S. Tomé ou do Brasil”. E com isto resultou que o trabalho foi considerado, cada vez mais, como coisa vil, infamante. O ideal para todos era viver sem nada fazer – ter escravos e à custa deles passar a vida e enriquecer.

    América Latina: Males de Origem
    Manoel Bomfim
    1905

  17. Nassif,
    Esse texto parece
    Nassif,
    Esse texto parece com a tese defendida por Raymundo Faoro em OS DONOS DO PODER.
    O patrimonialismo como base da nossa politica e sociedade.
    Franze.

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