E a cobra morderá novamente seu rabo, por Rogério Mattos

O governo Bolsonaro parece se manter por um puro artificialismo, amplamente desmascarado logo que chegou ao poder. O espaço que ocupa, entretanto, se bem-sucedido em sua aliança com a mídia e o mercado, trazem funestas expectativas.

Uma das cenas de apoio a Dilma Rousseff que, infelizmente, mesmo para os “bens pensantes”, foi tratada como uma espécie de Geni…

E a cobra morderá novamente seu rabo, por Rogério Mattos

Vale mais a propaganda ou o governo?

O governo Bolsonaro estabeleceu um padrão frequente de fracasso: com os objetivos principais de eliminar o PT e recuperar a economia, nada indica que ele caminha para cumpri-los. O PT continua forte e a economia cada vez mais fraca… Contudo, se for considerado que cada medida econômica, como a Previdência, é um ato que enfraquece a luta trabalhista no país, essa é uma luta ganha contra a esquerda. Com as medidas econômicas previstas para os próximos meses, como a ampliação da reforma trabalhista com a PEC da “liberdade econômica” e mais privatizações, não atuam para recuperar a economia, mas como propaganda de supostos êxitos do governo. O que se deve saber é se, tal como na implantação do Plano Real, a propaganda valerá mais do que a criação de um único mísero posto de trabalho formal.

O parlamentarismo de fato

Não dá para saber até que ponto Bolsonaro ainda governa. A Previdência, ainda não aprovada, teve como protagonista o Congresso e, indiretamente, talvez também como propaganda, capitaliza o governo federal. A privatização das Universidades, a ampliação da informalidade do trabalho e a ausência de projeto para a retomada do emprego, fortalecem a agenda trabalhista, enquanto o governo artificialmente se capitaliza. Tudo passa pelo filtro do Congresso, que tem um protagonismo inédito na história do país desde a presidência de Eduardo Cunha. São dois projetos distintos, cada um com efeitos letais bem particulares: um liberalismo supostamente moderado (“fascismo de cara democrática”), e o outro, enlouquecido, o do Chicago Boy. Sem falar das consequências óbvias que a pinochetização do país pode trazer, a vitória de um liberalismo light tem uma implicação dupla: o fortalecimento do Parlamento em detrimento do Executivo e a viabilização de um Bolsonaro mais “gourmet” para 2022. O Parlamentarismo e uma difusa saudade dos velhos liberais são os dois maiores riscos para o país no médio prazo. Dória, o filho do Santo, se capacita e, sem um executivo forte, as demandas mercadistas tem livre-curso na política institucional.

Implosão econômica

Em artigo recente, Paulo Nogueira Batista Jr., diz que a equipe econômica de Bolsonaro está “esperando Godot“. Em resumo, sem política de estímulo econômico, de fortalecimento da demanda, não há “choque de confiança” que fará reverter o prolongado declínio econômico. Na mesma linha, a newsletter do Brasil de Fato dessa semana vem com o título “Esperando o milagre (econômico)“. Enquanto a Instituição Fiscal Independente do Senado diz que há possibilidade do país entrar em recessão técnica (PIB negativo por dois semestres), a FGV diz que não há essa possibilidade, porque houve avanço de 0.5% do PIB de maio em relação a abril… Ponto interessante da análise da FGV, é o posicionamento da pesquisadora Juliana Trece frente ao prognóstico assinado por ela própria: “enquanto não melhorar a construção, não dá para falar em recuperação sustentável dos investimentos, capaz de impulsionar a economia como um todo”. Ora, o governo procura dinamizar a economia através da liberação do saque do FGTS, mas a medida afeta diretamente o setor com a dinâmica para promover a recuperação econômica. Parece que existem pinos soltos não só na cabeça da família Bolsonaro.

Não-acontecimentos

O governo Bolsonaro parece se manter por um puro artificialismo, amplamente desmascarado logo que chegou ao poder. O espaço que ocupa, entretanto, se bem-sucedido em sua aliança com a mídia e o mercado, trazem funestas expectativas. A presidência atual parece um não-acontecimento. Os projetos do executivo de maior envergadura sofrem rejeição tímida dos liberais tradicionais, causa confusão no Congresso e forte reação da sociedade. Não há uma proposta do governo que tenha sido efetivada “in natura”. O que tem sido aprovado, como a venda da Embraer, Previdência ou o contínuo desmonte da Petrobrás, faz parte do fascismo de cara democrática reimplantado por Temer, reedição dos governos entreguistas pré-Lula. Todas as manifestações a favor do governo, como a de 26 de maio em resposta à ocupação das ruas pelos estudantes no dia 15 de maio, simplesmente não aconteceu. Como os ataques terroristas que Europa e EUA dizem sofrer, há um pequeno componente de verdade para se criar um fato consumado, confirmado posteriormente pelo que se chama de “espiral do silêncio”: tática comum dos serviços de inteligência. Nomes de referência da mídia de esquerda chegaram a falar que as manifestações de 26 de maio foram a “Marcha sobre Roma” de Bolsonaro. O único componente de verdade nisso é que contribui para a consumação de profecias auto-realizáveis confirmadas pelo silêncio da opinião pública, fenômeno caracterizado pelo professor Wilson Ferreira, em seu Cinegnose, como a tática do CAOs (Consonâncias, Acumulações e Onipresenças das informações). A “Marcha sobre Roma” não foi nada mais do que mais uma bomba semiótica e, ao contrário das soltadas durante as manifestações de junho de 2013, tiveram efeito bastante duvidoso. Comparada com a manifestação pró-Moro, vemos como as bombas semióticas do par Lava-Jato/Jornadas de Junho, estão servindo como negação da tática de produção de “não-acontecimentos”.

Saudável saudade do velho

Ao lado da esquerda, além de certa saudade de um velho liberalismo mais “educado”, existe a busca por uma “nova geração’ que, em absoluto, não se vê em lugar algum. É o mesmo “élan” que tentou impulsionar Ciro ainda em 2017, com Lula ainda livre… É a Teoria do domínio da mídia, amplamente utilizada na esquerda. Os próximos meses serão os que a cobra morderá novamente seu rabo. O fortalecimento do velho discurso petista, do desenvolvimentismo e da defesa da soberania nacional, aparece como um discurso sempre novo num país ainda refém dos integristas. Como demonstram hoje as fracas manifestações a favor de Bolsonaro e mesmo das práticas neoliberais, uma inversão do discurso já aparece bem claro no horizonte. Não acredito ser exagero dizer que estamos passando do tempo do ódio para o da comédia. Isso não acontece, contudo, sem intensas comoções… Contudo, o limiar do ódio já foi ultrapassado e os antigos vingadores hoje esperam Godot ou um milagre qualquer. Fora isso, não há novidade no horizonte. O ciclo literalmente se fecha e o fracasso na economia e a continuidade do fortalecimento do PT levará novamente ao tipo de embate neomacartista que passamos assistir com força desde 2014. Isso é cristalino na declaração de Rodrigo Maia durante a votação da Reforma da Previdência:

“O importante é terminar o primeiro turno com a vitória que nós estamos mantendo. O que está sendo votado nos destaques a perda de arrecadação não vai passar no total de mais de 15 a 20, 25 bilhões. Então, a gente mantém essa economia. O que não pode é perder essa economia. Os últimos destaques do PT são destaques que, se não forem derrotados, nos tiram R$ 100 bilhões”.

O debate real se deu não entre Congresso e Executivo ou entre a esquerda e Bolsonaro. Foi o tipo de “social-democracia” no estilo petista contra o tradicional liberalismo da velha burguesia. Mais uma vez: sem sinal de recuperação econômica e a manutenção do PT como protagonista da vida política nacional, as duas únicas bandeiras de Bolsonaro foram rasgadas. O que ainda sustenta esse governo? Com o lado anti-comunista enfraquecido, sobrevivendo por aparelhos devido a campanhas de tipo publicitárias, a cobra morderá seu rabo, pois a moeda muda de face. Um grosso embate pela frente em que a esquerda não pode ter mais nojo do “velho”: a unidade que faltou durante o golpe. Pessoalmente, sinto saudade dos discursos inspirados de Dilma: seja quando lutava contra o golpe ou nos sorridentes pronunciamentos em anos ainda dourados do país, de 2010 a 2013. Não será nenhum “novo” que agora, no atual refluxo da maré, tomará a sua voz. Rogério Mattos: Professor e tradutor da revista Executive Intelligence Review. Formado em História (UERJ) e doutorando em Literatura Comparada (UFF). Mantém o site http://www.oabertinho.com.br, onde publica alguns de seus escritos.
Redação

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