literatura em época de redes sociais

 

Literatura, redes sociais e os mais vendidos

Ronald Augusto[1]

 

A afirmação segundo a qual a literatura se esgotou ou se resolve, hoje, nessa trama de reconhecimentos recíprocos do facebook, me parece uma generalização indevida. Trata-se de afirmação recorrente (a velha aposta em um quadro de falência de valores) que agora dá as caras mais uma vez e, como de hábito, costumizada aqui e ali. Felizmente, a literatura é coisa muito mais complexa. Sou da opinião, inclusive, de que ela não se confunde nem com o mercado editorial, nem com as redes sociais. Podemos estabelecer relações entre essas realidades, podemos até mesmo sucumbir circunstancialmente diante de certo estado de coisas, mas tanto o mercado, como o facebook, são segundos em relação à literatura. Isto é, devem ou deveriam ser coadjuvantes no processo. Na década de 1950 alguns poetas deram por encerrado “o ciclo histórico do verso”. Recentemente alguém decretou o fim da história. Certos artistas e/ou fast thinkers têm essa mania de tentar projetar seus próprios dilemas (ou aquilo que diz respeito apenas à sua perplexidade mais íntima) no quadro espiritual do tempo em que vivem.

De todo modo, a literatura participa do conjunto das manifestações artísticas. Já nem sei se uma afirmação como essa ainda provoca algum embaraço à maioria das grandes editoras. Mas aqui a reitero e digo ainda que a literatura degenera quando dá as costas ao seu impulso de arte, ou quando se censura nela essa vocação para a multiplicidade de sentidos. Com efeito, para a literatura importa mais a releitura do que a leitura como mera acumulação. Para o ponto de vista atacadista do mercado livreiro-editorial interessa a “leitura” enquanto confirmação do apetite de um público consumidor que demanda o livro na perspectiva de uma mercadoria-entretenimento. E a ampliação da venda/leitura per capita de livros é a razão de ser, a carcaça conceitual ao redor da qual volitam as boas e más intenções seja de editoras, seja de ocasionais políticas públicas de estímulo à leitura, seja, ainda, de vozes que repetem clichês decadentistas em torno ao assunto.

 


[1] Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e ensaísta. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012) e Decupagens Assim (2012). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com

 

 

Redação

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