Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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A festa em perspectiva antropológica, carnaval e os folguedos do boi, por Rui Daher

Paraíso do Tuiuti

“A festa em perspectiva antropológica, carnaval e os folguedos do boi”

por Rui Daher

em CartaCapital

Chega ao final mais um tríduo momesco. Sempre achei estranho o tom de folga, vagabundice, que a burguesia urbana dá a esses três ou quatro dias. Vejo gente trabalhando pra burro. Que não em indústrias, escritórios ou bancos, mas em comércio e serviços há uma efervescência laboral apenas superada pelo prefeito de São Paulo, Doriana Júnior.

Pergunta singela: quantos períodos assim, com emendas, pontes, “matar sextas ou segundas”, ocorrem durante o ano no País? E qual a partitura sociológica desses outros eventos? Nenhum. Os ricos vão para suas chácaras, sítios, casas de praia, hotéis-fazendas, resorts, mesmo para a inefável Miami.
Os pobres, ora os pobres, sentam-se em frente aos aparelhos de TV, ou se o orçamento permite promovem churrascos nas lajes, pagodes, convescotes em represas. Outros ficam 10 horas nas estradas até verem o horizonte marítimo e lá serem perseguidos por olhares críticos ou virarem notícia, quando se afogam ou raios os partem. Em ambos os casos os filisteus vaticinam: “haviam bebido demais”.

Ah, mas nos carnavais de antigamente era diferente. Mas o que é hoje como antigamente? Poderia ser?

Neste Carnaval 2018, pouco saí de casa à causa da mão quebrada. Mesmo assim, não resisti, no sábado, saudar, em Vila Buarque, os 90 anos de José Ramos Tinhorão, cumprimenta-lo e presenteá-lo com um “Dominó de Botequim”.

Segunda-feira, apesar dos avisos de que encontraria um cenário de guerra iraquiana, fui jantar num restaurante da Rua dos Pinheiros, então bloqueada pela polícia e blocada pelos foliões. São e salvo, voltei pensando num ensaio que lera para escrever e postar no GGN. Resolvi adaptar para a coluna desta Carta Capital.

Sim havia hordas de jovens bebendo e sambando nas ruas. Ninguém me esgoelou, assaltou, ou ridiculizou este velho. Por que, então, certo colunismo burguês e seus adeptos batedores de panela banalizam e estigmatizam as festas carnavalescas e as multidões que a elas se juntam?

Tenho um palpite: reações assexuadas. O recolher-se à solidão de uma leitura clássica, um filme de Truffaut, visita a um museu, os afastará da visão negra, pobre, suada, partes pudendas expostas, gente tesuda, desvinculada do que o ciclo atual do capitalismo lhes impõe.

A universalidade das festas pagãs no planeta é inconteste. Resistem a guerras, sistemas políticos e econômicos. Não cedem, mesmo quando, nas mais diversas formas, apropriadas pelo sistema.
Sirvo-me do ensaio da antropóloga e professora da UFRJ, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, “A festa em perspectiva antropológica: carnaval e os folguedos do boi no Brasil”.

Nossos festejos têm duas origens: o catolicismo de tradição ibérica e o nacionalismo vindo da África com a escravidão e estudado, a partir dos anos 1930, no período modernista. Centram-se nos desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro e, agora, também em outros estados e cidades e, ao Norte, em festivais, como o dos Bois Bumbás de Parintins, Amazonas.

A heterogeneidade e complexidade interna desses universos festivos são impossíveis de entender fora das ciências humanas.

“Em Freud (1913), a ideia de festa associa-se aos excessos e transgressões permitidas que estariam na base das expressões coletivas de alegria. Em Durkheim (1912), à força criadora exercida pela efervescência social sobre a própria consciência humana. Em Bataille (1967), o excesso e a transgressão festivos, vistos como eclosões do que é ordinariamente suprimido na calculista sociedade burguesa, revelariam o potencial revolucionário da festa.” (MLVCC)

Ao final, serão sempre a pesquisa e a análise etnográfica que irão nos propor as compreensões. Envolvem ricos e pobres; brancos, mulatos, caboclos, negros; distintas origens étnicas; o sagrado e o profano. Não resolvem conflitos e desigualdades sociais, mas expressam uma face das coletividades que se superpõe a essas diferenças. Talvez, à direita e esquerda, seja difícil a parte da intelligentsia analisar folguedos nacionais, sendo neles necessário se imiscuir fisicamente.

Muitos, para se justificar, apelam às reflexões nostálgicas. “Não é mais como no passado, foi descaracterizado”. Responde MLVCC “A redução do vínculo social à razão utilitarista pela ideologia burguesa (…) O Brasil contrasta fortemente com tal paisagem nostálgica”.

Menos elegante que a professora, perguntaria: “E o que não foi descaracterizado em relação ao passado, cara-pálida? Acha que ainda se mata índios como John Wayne o fazia”?

O Carnaval é, justamente, uma festa pública e urbana, que torna possível a apropriação de territórios por multidões regradas socialmente por parâmetros burgueses, nem sempre visando igualdade e cidadania.

“Seu berço histórico foi a cidade do Rio de Janeiro, onde as primeiras agremiações despontaram nos anos 1920 [até] na terceira década do século XX, num contexto de modernização e expansão urbana, as escolas de samba emergiram como uma forma cultural capaz de articular, de modo notável, a heterogeneidade sociocultural já característica da cidade”.

Daí, seguiram-se, a partir dos anos 1950, o enquadramento do desfile aos enredos, “na linguagem plástica e visual das alegorias e fantasias e na linguagem rítmico-musical do samba acompanhado pela poderosa orquestra de percussão”. Até desaguar no capitalismo e na desenfreada comercialização promovida pela Rede Globo e seus rebentos.

E pensar que o “Sambódromo”, inaugurado em 1962, foi um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer implementado pelo Governo do Estado quando o antropólogo Darcy Ribeiro era Secretário de Cultura, dois intelectuais de esquerda.

Baita chatice, mas na próxima semana, se de bom-humor, volto à agropecuária.

https://www.youtube.com/watch?v=PeQ1BoonWKU]

[video:https://www.youtube.com/watch?v=b_gbmI7Dy64

 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

2 Comentários

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  1. a festa…..

    Então Leonel Brizola construiu juntamente com ‘companheiros’ de Empreiteiras, suntuoso e milionário Sambódromo, para mais um monopólio, enquadramento e lavagem de dinheiro de RGT. Arquitetado pelos pseudo-socialistas Niemeyer e Darcy Ribeiro. Energia Elétrica só chegou às Favelas e Morros cariocas, por que o Papa ‘inventou’ de subir o morro. Caso contrário, até hoje barracos estariam queimando junto com crianças. E suas velas e lamparinas a querosene. (Defecar no valão é menos importante que o título da Beija Flor. O cheiro, em dia de Rio 40 Graus, é maravilhoso) Mas Viva o Carnaval !! É esta gente chata, exigente, de classe média, que insiste em trabalhar e pagar suas contas, que não entende a mensagem. O Brasil é de muito fácil explicação.    

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