Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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A verdadeiramente empoderada Elza Soares, por Rui Daher

A verdadeiramente empoderada Elza Soares

por Rui Daher

Ontem, no Rock in Rio, Elza Soares, a cantora negra de 80 anos, foi convidada a se apresentar com o rapper paulistano Rael. A simples presença desses artistas, letras e interpretações contundentes e agressivas sobre as atuais mazelas brasileiras, fez o enorme público entoar um “Fora Temer” impressionante.

E Elza nem cantou “Pra Fuder”. Foi de “Carne” e “A Mulher do Fim do Mundo”, mais duas, quando se levantou para agradecer ao público.

https://www.youtube.com/watch?v=Dh67m1p9kUw]

Ao exaltar o Brasil e a paixão de cantar fez o que fez a vida toda. Foi mulher, sem firulas feministas de redes sociais ou economistas pop-star. Vamos lá, queridas virtuais, não estarei aqui quando vocês não estiverem fazendo sucesso aos 80 anos e, talvez, nem mesmo praticando o ativismo de Elza. Melhorem, pois.

A literatura brasileira está tão manca que não tenho conhecimento de algum autor escrevendo a biografia dessa excepcional brasileira (se estiver errado, humildemente, reconheço a ignorância). No momento, penso estarem se dedicando a Fátima Bernardes.

Nasceu e viveu, até se tornar um sucesso, pobre. Como são os brasileiros sufocados por pela neo-perversidade, que comento em outro artigo.

Nasceu favelada em Padre Miguel (RJ) e foi para Água Santa. Casou-se, por vontade do pai, aos 13 anos e teve o primeiro filho um ano depois, que logo faleceu. Famílias pobres, às vezes, preferem livrar-se logo de filhos que não podem sustentar ou não ajudam no orçamento familiar.

Mais um filho, mais uma morte. Aos 21 anos ficou viúva do marido tuberculoso. Já tivera cinco filhos. Faxineira, empacotadora, empregada doméstica, o sonho de ser cantora persistia.

Misturava drama e futuro. O sequestro da filha Dilma e a primeira oportunidade na televisão, e um embrião de sucesso.

Aos 27 anos, mulata bonita, ousada e gostosa conquistou o maior ídolo do futebol brasileiro, pois macunaímico, de Pau-Grande, no Rio de Janeiro e, como nós, incerto, Garrincha, o ponta-direita do Botafogo e da bicampeã seleção brasileira (1958 e 1962).

Foi grande a pressão social e de mídia contra Elza Soares, que duvido alguma feminista 4.0 de hoje, aguentaria. Ele se divorciou de uma mulher simples, paradigma da pobrezinha mulher brasileira, que carregava nove filhas mulheres do craque.

A sociedade e a mídia brasileira não hesitaram em vê-la demoníaca, prostituta, e a causa da decadência, por alcoolismo, de Garrincha. Tragédias, a morte de sua mãe em acidente de carro em que Garrincha dirigia embriagado.

Após 16 anos casados, Elza e Mané decidiram se separar. Ciúme e álcool moviam suas brigas. O casal teve apenas um filho, Garrinchinha, em 1976, que morreria 10 anos depois, em um acidente de carro. Elza tentou o suicídio. Era muito.

Manoel Francisco dos Santos Filho, o Mané, o Garrincha, que enfileirava com dribles seus Joãos, morreu de cirrose, em 1983, e apesar de já separados isso deixou Elza arrasada e a fez declarar sua paixão pelo “Anjo de Pernas Tortas”, a biografia polêmica, escrita por Ruy Castro.

Quem acredita na luta das mulheres, quem pede manifestações populares a favor da democracia, quem não se resume a perorações digitais contra atitudes machistas, deveria observar, na vida de Elza Soares, que se empoderar é ter coragem.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=6N0V5G3E-S0

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

13 Comentários

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          1. Cacete, Carioca

            Queria mais 3 horas dessa sua descoberta. Sério. Verdade que as lágrimas aqui estão acompanhadas por uma cachaça. Mas obrigado pela pérola. Abração.

          2. Carioca

            Esse meu Guri , acho que vale mais que um ingresso para o Show de Rock . Que devia estar muito barulhento para os meus ouvidos. Obrigada.

             

  1. Rui

    Tenho o livro sobre o garrincha O Anjo de pernas tortas, que fala um pouco sobre a vida dos dois, mas também penso que Elza merece um livro só seu.

    Poucas pessoas no país e até no mundo merecem todas as homenagens posíveis como Elza, não só pela  grande cantora , mas como a mulher guerreira de tantos percalsos na vida. E que resiste até hoje.

    Gostei muito da sua lembrança. Parabéns !

     

  2. FEMINISTAS e EMPODERADAS

    Aos comentaristas incautos é de se tornar pública a informação que mulheres com a idade da Elza, da minha mãe, da Dercy Gonçalves,  da Dalva de Oliveira, entre muitas, só não foram feministas de redes sociais ou economistas populares porque mulher não tinha nem vez e nem voz. Não havia redes sociais e o máximo que uma mulher ( de posses ) podia sonhar em ser na vida  naquela época era professora. Foi a partir delas, as pobres sem vez e sem voz , que elas passaram a  ser notadas.

    O bom de ser feminista sem carteirinha como é a Elza, minha mãe, suas contemporâneas e as suas gerações imediatamente  posteriores  que enfrentaram as mesmas dificuldades, foi se fortalecer tendo que resolver tudo no enfrentamento e vencer. Não havia proteção nem legal  e nem social para a mulher, especialmente para a mulher pobre ou negra com prole, casada ou solteira.

    De toda sorte, mulher que sobrevive no mundo dos homens tem que ser feminista todos os dias,  por motivos óbvios.

    Empoderadas, só as independentes.

     

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